Núm. 53 (2016)
Como se sabe, Portugal foi um dos últimos países da Europa a manter possessões coloniais na África. Só em 1974, com a Revolução de Abril e depois de longos e sangrentos combates que se arrastaram (a custos altíssimos) desde o início dos anos 1960, as antigas colônias de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde adquiriram a sua independência. A violência usada para conquistar, povoar e manter subjugados esses territórios e seus povos durante séculos (com a intensificação da exploração tomando fôlego no século XX) não poderia deixar de gerar traumas profundos tanto nos portugueses quanto nos africanos. As mortes, as perdas e a mutilação de milhares de jovens; as violências, o aprisionamento e as torturas cometidas contra os insurgentes; além do impacto social dos Retornados são alguns dos temas ligados ao processo de descolonização da África portuguesa que assombram ainda hoje lusitanos e africanos das ex-colônias, impondo-se, por esse motivo, como matéria fundamental para cultura contemporânea dos países envolvidos. Nesse contexto, as artes assumiram um papel protagonista na elaboração discursiva, e também psicanalítica, é possível dizer, do passado colonial. Recuperar a memória dos conflitos e refletir sobre os seus fundamentos e continuidades no presente foram tarefas que o cinema, a música, as artes plásticas ou performáticas e principalmente a literatura assumiram com destaque. Dada a complexidade da questão e as suas muitas implicações políticas e sociais (que incluem, é preciso reconhecer, resistências de todo tipo a uma compreensão crítica das violências experimentadas no período), faz-se necessário entender em profundidade o papel da arte nesse contexto.
Organização: Fátima Bueno e Lisa Vasconcellos