A MÁQUINA NÃO PÁRA: audiências de custódia e o fluxo do sistema de justiça criminal

Autores

DOI:

https://doi.org/10.9771/ccrh.v38i0.66811

Palavras-chave:

Desvantagens cumulativas, Justiça criminal, Prisão preventiva, Audiências de custódia

Resumo

Este estudo explora os fatores que influenciam o fluxo de processamento de um delito dentro do sistema de justiça criminal para casos que foram iniciados por meio da Audiência de Custódia em uma cidade brasileira. Utilizando uma amostra de 825 casos iniciados por audiências de custódia entre setembro de 2015 e março de 2016, e acompanhados até agosto de 2022 em Belo Horizonte (Minas Gerais), foram estimados três modelos de regressão logística – um para entendimento das variáveis associadas à denúncia, outro para a sentença e, por fim, um para a condenação. Os resultados indicam que a prisão preventiva é o principal fator determinante nas decisões subsequentes do processo, aumentando significativamente as chances de desfechos como denúncia, sentença e condenação. Assim, a prisão preventiva exerce um efeito cumulativo que, embora torne o fluxo do sistema de justiça criminal mais previsível, também aumenta a sua seletividade. No contexto da Sociologia da punição e do populismo penal, esses resultados mostram que as audiências de custódia, longe de serem apenas uma medida cautelar, funcionam como um fator que transforma o fluxo do processamento de um formato de funil para um cilindro, operando na prática como uma condenação antecipada.

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Biografia do Autor

Ludmila Ribeiro, Universidade Federal de Minas Gerais

Professora associada no Departamento de Sociologia e pesquisadora no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP), ambos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ, mestrado e graduação em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro e graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi pesquisadora visitante na University of Florida, na University of Groningen e na Texas State University. Suas publicações mais recentes são relacionadas ao funcionamento do sistema de justiça criminal brasileiro.

Lívia Bastos Lages, Universidade Federal de Minas Gerais

Consultora Legislativa em Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tendo participado de mobilidade acadêmica na Universidad Nacional del Litoral (Argentina). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFMG (2019), na linha de sociologia do crime, do desvio e do conflito, e graduada em Direito pela mesma Universidade (2016). Suas publicações mais recentes são relacionadas ao papel das audiências de custódia na administração da justiça criminal.

Vitor Sousa Gonçalves, Universidade Federal de Minas Gerais

Residente pós-doutoral em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Justiça Criminal pela Texas State University (2024). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Estado de Minas Gerais, com foco em temas como polícia, medidas socioeducativas e sistema de justiça criminal. Atuante como pesquisador no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG). Possui Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com pesquisa na linha da sociologia do crime, do desvio e do conflito, especificamente sobre o sistema de justiça juvenil em Minas Gerais (2019). Graduado em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2015). Suas publicações mais recentes são relacionadas aos vieses raciais no sistema de justiça criminal.

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

Ludmila Ribeiro – Conceitualização. Aquisição de financiamento. Administração do projeto. Análise formal.

Lívia Bastos Lages – Curadoria de dados. Escrita - esboço original. Escrita - revisão e edição. Validação.

Vitor Sousa Gonçalves – Escrita - esboço original. Escrita - revisão e edição. Validação.

 

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS:

Os dados deste artigo podem ser obtidos mediante solicitação ao autor correspondente.

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Publicado

2025-12-22

Como Citar

Ribeiro, L., Bastos Lages, L., & Sousa Gonçalves, V. (2025). A MÁQUINA NÃO PÁRA: audiências de custódia e o fluxo do sistema de justiça criminal. Caderno CRH, 38, e025056. https://doi.org/10.9771/ccrh.v38i0.66811

Edição

Seção

Dossiê 3