LIRISMO E POLIFONIA EM ESPERANDO GODOT
Abstract
O teatro de Samuel Beckett prescinde de investigações centradas na interpretação; nele, as palavras devem ser aceitas no seu sentido literal. Somente reconhecendo a falta de figuração, é possível compreender o esfacelamento da ação e a desconstrução da personagem, além do fato de que nem mesmo o diálogo se torna uma pilastra dessa ruína. Fragmento de dor, a personagem de Beckett não tem uma memória, nem uma perspectiva futura. Não há possibilidade verdadeira de contato entre elas. A oralidade compulsiva, mas entremeada de pausas e silêncios, das personas esboçadas pela composição dramática, evidencia justamente a inviabilidade da comunicação. “Nada a fazer”, resta falar. Entretanto, diante de uma estrutura implodida, conforme define Luiz Marfuz (2013), o leitor-espectador é posto (assim como os próprios personagens em cena) diante de indecifráveis quebra-cabeças que, por mais que sejam encaixados e desencaixados, buscando-se analogias entre pedaços do que resta da forma ou das imagens suscitadas, apresenta significantes e significados claros e de pouco ou nenhum sentido. Mas o fato é que essas personas discursam e que representam com pouca nitidez vozes reconhecíveis. Assim, o trabalho busca identificar, em fragmentos do que é dito em diálogos de Esperando Godot, elementos que indiquem vozes sociais que são parodiadas por meio das palavras que emergem. Trata-se de um exercício arriscado, pois corre-se o risco de tentar preencher vazios, forjar encaixes e justamente se distanciar da poética do escritor irlandês. Com base nas noções de polifonia e dialogismo do pensador russo Mikhail Bakhthin, será feito o exercício de reconhecer vozes sociais que discursam em meio ao caos, identificando tensões e disputas de poder entre silêncio, sons, palavras e gemidos. Por meio de frases enunciadas, sabe-se da necessidade que Vladimir e Estragon têm um do outro, da relação de dominação e dependência entre Pozzo e Lucky e do quanto o encontro dos quatro alivia a dor da infindável espera por um Godot intangível. PALAVRAS-CHAVE: Beckett. Teatro do Absurdo. Polifonia. Dialogismo.
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