ASPECTOS DA ESCRITA CONTEMPORÂNEA EM O IRMÃO ALEMÃO, DE CHICO BUARQUE
Abstract
No romance O irmão alemão (2014), Chico Buarque cria uma narrativa inspirada em fatos reais relacionados à sua própria biografia: a existência de um meio-irmão desconhecido, Sergio Günther, cujo paradeiro misterioso assombrou-o por cerca de 50 anos. A investigação dos fatos concretos fez-se necessária ao homem Chico Buarque que, para além de escrever um romance, desejava elucidar um aspecto nebuloso de sua própria história familiar. Ao criar um personagem-narrador, Ciccio, que é uma espécie de alter ego de si mesmo, o escritor radicaliza o intercâmbio entre ficção e realidade, vida e literatura, já realizado em Leite Derramado (2009), seu penúltimo livro, explorando intencionalmente sua imagem de artista célebre como recurso literário em uma sociedade marcada pela espetacularização do sujeito. Os dados de realidade nas mãos do ficcionista, porém, são manipulados para compor uma narrativa que especula sobre os conceitos de realidade e ficção, no que se convencionou chamar de autoficção. A relação que o romance estabelece com outras mídias, como cartas (ficcionais ou não) e fotografias, é um recurso que a insere em práticas literárias contemporâneas denominadas pela pesquisadora Josefina Ludmer de “literaturas pós-autônomas” (2010), por serem marcadas por transformações provocadas pelo fim da autonomia literária, no início do século 20, que incluem o fim das classificações formais e o atravessamento de componentes expressivos alheios à ficção. No jogo de espelhos criado por Chico Buarque, embaralham-se não apenas as identidades Chico/Ciccio, mas Chico/Ciccio/Sergio Günther, Chico/Ciccio/Sergio de Hollander (o pai de Ciccio) e Chico/Ciccio/Mimmo (o irmão de Ciccio), em um processo de desterritorialização de si mesmo em direção ao outro. Esse processo de saída de si é uma prática artística que Isabel Jasinski atribui às “literaturas nômades”.