O TRIPÉ FUNDADOR DA ANÁLISE DO DISCURSO: AS INTERFACES DE UMA TEORIA DE ENTREMEIOS
Keywords:
Análise do Discurso, Ideologia, Inconsciente, Linguística.Abstract
Este artigo busca estabelecer um diálogo introdutório entre os três pilares fundantes da análise do discurso (AD): a psicanálise, o materialismo histórico e a linguística. Para isso, utilizou-se o livro Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio de Michel Pêcheux, como um guia durante a construção do texto. Na introdução, revisitamos a França da década de 60 para analisar quais eram as condições históricas e científicas que corroboraram para o desenvolvimento da teoria do discurso. Além disso, tentamos definir o objeto de estudo proposto por Pêcheux e suas principais características. No primeiro capítulo, intitulado Língua e Discurso, abordamos a problemática da cientificidade na linguística e suas implicações na construção da AD como disciplina. Já no capítulo dois, Sujeito e Discurso, recorremos ao conceito lacaniano de sujeito para compreender suas relações com a linguagem e com o Outro. Por fim, no capítulo Ideologia e Discurso, definimos o tipo de ideologia desenvolvida por Pêcheux e seu enlace com o conceito de inconsciente freudiano. Concluímos que ao propor uma teoria de entremeios, evitando quaisquer filiação conceitual e imposições científicas, Pêcheux desenvolve um dispositivo analítico revolucionário, mas com raízes profundas, que garantem a sustentação e a subversão de sua teoria.Downloads
References
Segundo Orlandi (2005), para o filósofo, o discurso é definido “como sendo efeito de sentidos entre locutores, um objeto sócio-histórico em que o linguístico está pressuposto” (p. 11).
Banquete de Platão “[...] a esfera não tem olhos nem orelhas, não tem pés nem braços, e só lhe foi conservado um movimento, o movimento perfeito, sobre si mesma” (p. 35)
De acordo com M. Pêcheux, a linguagem “permite, ao mesmo tempo, a comunicação e a não-comunicação” (PÊCHEUX, 2014 e p. 83).
Para Pêcheux (2014), “a discursividade não é a fala (parole), isto é, uma maneira individual ‘concreta’ de habitar a ‘abstração da língua; não se trata de um uso, de uma utilização ou da realização de uma função” (p. 82).
“em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem” (PÊCHEUX, 2014, p. 147).
Segundo Pêcheux (2014), “algo fala sempre ‘antes, em outro lugar e independentemente’, isto é, sob a dominação do complexo das formações ideológicas” (p. 149).
“um elemento de um domínio irrompe num elemento do outro sob a forma do que chamamos de ‘pré concebido’, isto é, como se esse elemento já se encontrasse aí” (PAUL HENRY, 1992
Gallo (2001), pode ser entendido como “o outro do interdiscurso, circunscrito em uma região histórica e ideológica, delimitada no acontecimento do discurso” (p. 2).
“mascara radicalmente qualquer descontinuidade epistemológica” (PÊCHEUX, 2014, p. 118).
“a dupla face de um mesmo erro, que consiste, de um lado, em considerar as ideologias como ideias e não como forças materiais e, de outro lado, em conceber que elas têm sua origem nos sujeitos, quando na verdade elas ‘constituem os indivíduos em sujeitos’” (PÊCHEUX, 2014, p. 120).
“é do interior da língua que a língua deve se combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é o teatro” (BARTHES, 2012, p. 16-17),
“a prática política e, igualmente, a prática de produção dos conhecimentos (assim como por outro lado, a prática pedagógica)” (PÊCHEUX, 2014, p. 122).
Em outros termos, a posição peculiar do materialismo histórico como ciência (diferentemente de outras ciências) está em que rompe com a ideologia das relações sociais de produção, o que o força a pensar a articulação das práticas, e este pensar não tem outra solução senão uma tomada de posição política, a posição teórica é simultaneamente uma posição na luta de classes (KARCZMARCZYK, 2017, p. 53).
Esse mito idealista, dirá Pêcheux (2014), “constitui a ilusão necessária de uma ‘intersubjetividade falante’ pela qual cada um sabe de antemão o que o ‘outro’ vai pensar e dizer...” (p. 161).
“eu digo àquilo que um outro pode pensar, na medida em que aquilo que eu digo não está fora do campo daquilo que eu estou determinado a não dizer” (PÊCHEUX, 2014, p. 161).
Orlandi (2009), “por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos pré-existentes” (p. 35).
“as ilusões não são ‘defeitos’, são uma necessidade para que a linguagem funcione” (ORLANDI, 2009, p. 36).
“o simbólico é aquilo que, na linguagem, é constitutivo do sujeito como efeito” (PAUL HENRY, 1992, p. 165).
“do qual uma parte lhe é invisível para sempre e que ele só pode conhecer através de uma experiência intersubjetiva, que é uma experiência de discurso” (p. 170).
Milner (1996), “o ser falante é, antes mesmo, aquele cujo próprio ser não deixa de ser afetado pelo fato de que ele fala” (p. 95).
Soler (2012), “fala para nós quer dizer fala ‘articulada’, formatada pela linguagem, uma linguagem que está primariamente do lado do Outro” (p. 27).
É “porque dois seres não podem se conjugar que eles falam” (MILNER, 1996, p. 96).
Pauli Henry (1992), “que o simbólico exerce seus efeitos estruturantes sobre o sujeito” (p. 174).
Benveniste (1989), “a língua não é senão possibilidade de língua” (p. 84)
“que se elevava nos ares puxando-se pelos próprios cabelos” (PÊCHEUX, 2014, p. 144)
Lacan (1983),
toda palavra tem sempre um mais-além, sustenta mais funções, envolve muitos sentidos. Atrás do que diz um discurso há o que ele quer dizer, e, atrás do que ele quer dizer, há ainda um outro querer dizer, e nada será nunca esgotado [...]” (p.225).
“Muitas vezes temos a sensação de que escolhemos nossas palavras, outras vezes elas são escolhidas para nós” (FINK, 1998, p.32).
“para um falante ambivalente que diz sim e não ao mesmo tempo, que enquanto diz uma coisa, insinua outra” (FINK, 1998, p.61).
Orlandi, (2009), “cria um ideal de completude, participando do imaginário de um sujeito mestre de suas palavras: ele determina o que diz” (p.50).
Orlando (2009), “fazemos entrar em conta também sua dimensão histórica e psicanalítica” (p.50).
“pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia” (ORLANDI, 2009, p.20).
Paul Henry (1992): a) “o sujeito é sempre, e ao mesmo tempo, sujeito da ideologia e sujeito do inconsciente”
“o sujeito não é o senhor do próprio discurso”. “As palavras são, sempre e inevitavelmente, as palavras dos outros” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 26)
Segundo Orlandi (2007), “o homem está ‘condenado’ a significar. Com ou sem palavras, diante do mundo, [...] ele está irremediavelmente constituído pela sua relação com o simbólico” (p. 31).
Pêcheux (2012), “o único elemento dentro do qual se efetuaria a reprodução/transformação das relações de produção de uma forma social” (p. 129)
“que as ideologias não são feitas de ‘ideias’ mas de práticas” (PÊCHEUX, 2014, p. 130)
“é pela instalação dos aparelhos ideológicos de Estado, nos quais essa ideologia (a ideologia da classe dominante) é realizada e se realiza, que ela se torna dominante”.
Pêcheux (2012), “os AIE constituem, simultânea e contraditoriamente, o lugar e as condições ideológicas da transformação das relações de produção” (PÊCHEUX, 2014, p. 131).
Pêcheux (2014), “são constituídas, em um momento histórico dado, e para uma formação social dada, pelo conjunto complexo dos aparelhos ideológicos de Estado que essa formação social comporta” (p. 131).
“os sujeitos ‘funcionam sozinhos’ porque são sujeitos, isto é, indivíduos interpelados em sujeito pela ideologia (...)” (PÊCHEUX, 2014, p. 272),
“só há ideologia pelo sujeito e para sujeitos” (PÊCHEUX, 2014, p. 135).
“a história é um imenso sistema natural-humano em movimento, cujo motor é a luta de classes (Althusser apud Pêcheux, 2014, p. 138).
“produzindo um tecido de evidências ‘subjetivas’, devendo entender-se este último adjetivo não como ‘que afetam o sujeito, mas nas quais se constitui o sujeito’” (PÊCHEUX, 2014, p. 139).
“refletem as diferenças ideológicas, o modo como as posições dos sujeitos, seus lugares sociais aí representados, constituem sentidos diferentes” (ORLANDI, 2007, p.20).