DUAS CAPTURAS DE UMA CATEGORIA FLUTUANTE: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO PONTO NODAL DE ARTICULAÇÕES DISCURSIVAS NO CAMPO DO HUMOR
DOI:
https://doi.org/10.9771/contemporanea.v20i3.52479Palavras-chave:
Humor, Liberdade de expressão, hegemoniaResumo
Considerando o humor como espaço de potencialização de disputas discursivas transversais à sociedade (Possenti, 2018), o trabalho tem como objetivo identificar e discutir posições enunciativas que participam das discussões sobre liberdade de expressão no campo humorístico. Para tanto, procuramos traçar a genealogia de uma articulação hegemônica relativamente consolidada no campo do humor, considerando-o a partir do contexto brasileiro. Em seguida, por meio da recuperação de manifestações de comediantes que repercutiram em representações midiáticas do debate público a partir de episódios envolvendo disputas judiciais em torno da atuação de humoristas, buscamos compreender como a liberdade de expressão atua como elemento articulador tanto de tal posição hegemônica quanto do que propomos considerar como uma contra hegemonia – ou uma hegemonia emergente – no campo humorístico. Como principal conclusão do trabalho, observamos que a categoria “liberdade de expressão” parece funcionar como “ponto nodal” (Laclau; Mouffe, 2015) de diferentes articulações políticas/discursivas no campo do humor.
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Referências
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NOTAS
Este artigo corresponde a versão revista e ampliada de trabalho apresentado no 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado de 5 a 9 de setembro de 2022 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Números verificados em 04 de janeiro de 2023.
Maingueneau (2010) assume a noção de “posicionamento discursivo” em substituição ao conceito de “formação discursiva”, recorrente em estudos no campo da Análise do Discurso, como apontado por ele próprio no prefácio à edição brasileira de Gênese dos discursos (2008).
Em postagem realizada em sua conta pessoal no Twitter, no dia 25 de julho de 2009, Danilo Gentili – à época, integrante do elenco do programa televisivo “Custe o que custar” (CQC) – escreveu: “Agora no TeleCine King Kong, um macaco q depois q vai p/cidade e fica famoso pega 1 loira. Quem ele acha q é? Jogador de futebol?”.
Dialogamos aqui com o conceito de Patrick Charaudeau (2010, p. 118), para quem o discurso circulante diz respeito a “[...] uma soma empírica de enunciados com visada definicional sobre o que são os seres, as ações, os acontecimentos, suas características, seus comportamentos e os julgamentos a eles ligados”.
Em trabalhos anteriores, identificamos esse discurso circulante, recorrente em manifestações de críticos de mídia que se debruçam sobre produções de humor, a partir de posicionamentos de diferentes atores sociais em representações midiáticas do debate público (Scabin, 2020, 2022). Trata-se, portanto, de um discurso bastante inespecífico, de forte presença no senso comum e transversal ao campo humorístico, que assume modulações distintas em função das identidades enunciativas a partir das quais é mobilizado. No caso de humoristas “politicamente incorretos”, como veremos, o que parece estar em jogo é, principalmente, a afirmação de práticas que, ao ofenderem grupos historicamente oprimidos, buscam legitimar-se pela rejeição a políticas de representação emergentes e mecanismos de crítica, contestação e penalização de discursos violentos e estigmatizantes.
Em sentido bourdiano, enquanto um campo diz respeito a um “[...] conjunto de relações históricas e objetivas ancoradas em certas formas de poder (tipos de capital) [...]”, o habitus pode ser entendido como “[...] um conjunto de relações históricas depositadas dentro dos corpos individuais sob a forma de esquemas mentais e corporais de percepção, compreensão e ação [...]” (Misoczky, 2003, p. 13).
Embora reconheçamos a pertinência de uma abordagem aprofundada do objeto em foco à luz dos conceitos bourdianos de campo, habitus e capital, não seria possível explorar tais articulações teórico-metodológicas nas dimensões deste artigo. Observamos, no entanto, que tal enfoque tem sido desenvolvido em uma segunda fase da pesquisa da qual se origina o presente trabalho, cujos resultados esperamos publicizar oportunamente.
Evidentemente, esta perspectiva nunca chegou a constituir-se como posição consensual no campo humorístico: lembremos, por exemplo, da forma como Hélio de la Peña reagiu criticamente ao tuíte racista de Danilo Gentili (Gancia, 2009). Já no caso da citada reportagem de 2012 da Folha de S. Paulo, uma declaração de Antônio Tabet, à frente do site Kibe Loco à época, representa um contraponto à postura de Tas e Gentili: “A patrulha pode ser exagerada, mas não é gratuita. Se houvesse bom senso, nada disso teria acontecido” (Roxo; Magenta, 2012). Mais recentemente, tais posicionamentos “dissidentes” em relação a uma posição hegemônica parecem articular-se em uma possível contra hegemonia no campo humorístico, como veremos adiante.
O sentido com que o conceito de liberdade de expressão é tomado nesta vertente de “rebeldia conservadora”, ponto nodal para a produção de uma articulação hegemônica no campo do humor, é bastante próximo do que Anshuman Mondal (2014) descreve como uma “posição absolutista” no debate liberal sobre liberdade de expressão. Segundo o autor, tal posição se baseia na exacerbação de argumentos recorrentes na tradição de pensamento liberal sobre liberdade de expressão, incluindo a desconfiança quanto a qualquer forma de limitação à expressão, a preocupação com a “ladeira escorregadia” da censura e um maniqueísmo assentado sobre oposições de tipo “nós” versus “eles”.
Para a recuperação de manifestações relacionadas às disputas judiciais em foco, recorremos a matérias disponíveis nos acervos on-line dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, localizadas por meio de combinações de palavras-chave pesquisadas através dos motores de busca disponível nos portais dos jornais – disponíveis, respectivamente, em https://search.folha.uol.com.br/ e https://busca.estadao.com.br/.
No caso da posição que identificamos como hegemônica no campo humorístico brasileiro, o argumento da “ladeira escorregadia” parece ser radicalizado no sentido de que toda restrição à expressão humorística é questionada não pelo risco de levar a sanções maiores, mas por constituir, em si mesma, uma “ofensiva” pautada pela “censura” e “criminalização” do humor.
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