Chamada de trabalhos – terceira edição de 2025
A Políticas Culturais em Revista, publicação eletrônica da Rede de Estudos em Políticas Culturais, divulga a chamada de trabalhos para a terceira edição de 2025 (v. 18, n. 3) que, além de artigos científicos e resenhas sobre Política Cultural e temáticas correlatas, contará com o seguinte Dossiê temático:
Cultura e Mudanças Climáticas: Políticas para Regenerar o Mundo
Editores responsáveis: Alexandre Barbalho (UECE), Cecilia Dinardi (Goldsmiths, University of London), Gustavo Pereira Vidigal (C de Cultura).
Um dos caminhos para seguir na superação dos inúmeros desafios contemporâneos colocados por décadas desenvolvimentistas, baseadas na exploração das pessoas, das culturas e da natureza é superar o pensamento binário e, portanto, a distinção natureza/cultura. Como situa Bruno Latour, com essa distinção, o que se busca, pelo menos na tradição hegemônica ocidental ou ocidentalizada, é exprimir que “o humano é, acima de tudo, ou que ele é também, um ser cultural que deve escapar ou, de qualquer modo, se distinguir da natureza” (LATOUR, 2020, p. 33). Seria preciso, portanto, seguindo ainda o autor, introduzir uma oposição entre de um lado o binômio Natureza/Cultura e, de outro, um termo que os incluiria como um caso particular, que ele propõe chamar de “fazer mundo”, que se define “como o que abre, de um lado, para a multiplicidade dos existentes e, de outro, para a multiplicidade dos modos que eles têm de existir” (LATOUR, 2020, p. 66), evitando assim ficar apenas na diversidade de culturas. A partir de perspectivas que reconhecem uma nova era caracterizada ora pelos efeitos da ação humana, o Antropoceno (LEWIS; MASLIN, 2015), ora pela forma capitalista de organização da natureza, o Capitaloceno (MOORE, 217), evidencia-se que a humanidade tem historicamente gerado um planeta mais inóspito a seus próprios membros e aos demais seres.
Isso coloca a pergunta sobre o lugar, por exemplo, das expressões culturais subalternizadas brasileiras como as indígenas e as quilombolas e como elas “fazem mundo”; como elas se aquilombam e colocam sob rasura um conceito como o de desenvolvimento; como elas levam à frente, por meio de suas práticas e elaborações teóricas, a crítica à biocolonialidade (BELTRPAN-BARRERA, 2022); enfim, como implementam políticas culturais que instauram desentendimentos com àquelas promovidas pelo Estado (BARBALHO, 2020). Nos provoca a pensar, em alternativa à noção de desenvolvimento sustentável, sobre a biointeração enquanto forma de comunhão entre os diversos elementos da natureza nos processos coletivos de produção das condições materiais e simbólicas da vida comunitária (SANTOS, 2015).
Concluímos então com o que defende o pensador indígena brasileiro Ailton Krenak: “É possível um desenvolvimento humano dentro da floresta com outras tecnologias, com outros horizontes de vida social, de muitas alternativas de dentro da floresta” (KRENAK, 2022, p. 13). Ou seja, é preciso situar a cultura no centro da ação climática.
Em novembro de 2025, o Brasil sediará na cidade de Belém, capital do Pará, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, e a cultura precisa ocupar um lugar relevante nos seus debates e resoluções. Nos dias 4 e 5 de novembro de 2024, o Ministério da Cultura do Brasil realizou o Seminário Internacional sobre Cultura e Mudança do Clima, constituindo um marco relevante para a compreensão desse lugar a ser ocupado. Desse modo, o presente dossiê, a ser lançando, receberá propostas que abordem um ou mais dos temas seguintes, ou outros temas afins à proposta do dossiê, que contribuem para a construção desse espaço social de concertação:
- O impacto das mudanças climáticas na proteção das expressões culturais e na garantia do exercício dos direitos culturais, especialmente no âmbito do patrimônio cultural (material e imaterial) e natural;
- A dimensão cultural no atual estágio da crise climática e sua centralidade para a promoção da ação climática, abordando questões relacionadas a distintas cosmovisões, modelos de desenvolvimento, hábitos de consumo e estilos de vida;
- A contribuição dos setores culturais e criativos para a mudança do clima e as estratégias para redução desse impacto, considerando segmentos tais como o da moda, de eventos, incluindo os de música, e de museus;
- A incidência de agendas e agentes culturais em foros nacionais e internacionais relevantes para a governança climática, considerando plataformas como COP, BRICS e G20;
- O papel das políticas culturais no desenvolvimento de soluções de mitigação, adaptação e resiliência climática, especialmente no âmbito dos sistemas de conhecimento de povos e comunidades tradicionais;
- A intersecção entre direitos humanos, cultura e meio ambiente, abordando questões relacionadas a justiça climática, racismo ambiental, migração climática e bem viver;
- O papel das artes e dos meios de comunicação na mobilização social para conscientização de riscos e adoção de estratégias e soluções relacionadas às mudanças climáticas;
- Experiências de educação ambiental por meio da arte e da cultura, incluindo abordagens e pedagogias alternativas, práticas de ativismo socioambiental e iniciativas em instituições educacionais e culturais; e
- Fluxos e mecanismos nacionais e internacionais de financiamento de iniciativas culturais incidentes na agenda ambiental, incluindo questões como a desarticulação entre políticas de financiamento climático e cultural e a prática de greenwashing por empresas.
Recebimento de artigos: até 30 de abril de 2025, exclusivamente pelo sistema da Revista.
Previsão de publicação no segundo semestre de 2025.
Referências
BARBALHO, Alexandre. Política cultural y desacuerdo. Buenos Aires: RGC Ediciones, 2020.
BELTRÁN-BARREIRA, Yilson Javier. La biocolonialidad. Derivas del pensamento decolonial latino-americano y caribeño. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2022.
LEWIS, S., Maslin, M. Defining the Anthropocene. Nature 519, 171–180 (2015). https://doi.org/10.1038/nature14258
KRENAK, Ailton. Futuro Ancestral. São Paulo: Cia das Letras, 2022
LATOUR, Bruno. Diante de Gaia. Oito conferências sobre a natureza no antropoceno. Rio de Janeiro, Ubu, 2020.
MOORE, J. W. (2017). The Capitalocene, Part I: on the nature and origins of our ecological crisis. The Journal of Peasant Studies, 44(3), 594–630. https://doi.org/10.1080/03066150.2016.1235036
SANTOS, A. B. Colonização, quilombos. Modos e significações. Brasília: INCTI/UnB, 2015.