Os direitos do autor na produção do conhecimento científico: uma análise ético-legal
DOI :
https://doi.org/10.9771/cmbio.v14i3.15986Résumé
Com o surgimento da imprensa, em meados do século XV, a disseminação do conhecimento ganhou uma dimensão exponencial. Por outro lado, a partir de então, constatou-se a necessidade de se criarem mecanismos que protegessem as obras impressas e os direitos dos autores. Se naquela época já existia essa preocupação, muito mais agora, considerando que vivemos na “era do conhecimento”. Em um mundo globalizado como o atual, o volume de informações é muito grande, sobretudo com o advento de novas tecnologias da informação. Basta dizer que com apenas um clique é possível ter acesso a informações que acabaram de ser produzidas, por exemplo, no Japão – cenário impensável na Idade Média.
Considerando essa necessidade em face da demanda do mundo moderno, é preciso que se tenham normas nprotetivas dos direitos do autor, assim como a perspectiva de uma conduta ética na elaboração e difusão do conhecimento produzido pelo homem.
Essa preocupação não é apenas do Brasil, mas de todo o mundo. Tanto que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consagra a proteção aos direitos autorais, trazendo no seu bojo a garantia de que “toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor” (artigo XXVII).
Com efeito, a Constituição da República Federativa do Brasil, a Lei maior do nosso país, considera importante essa proteção, tanto que erigiu o direito autoral à categoria de direito fundamental, ao dispor, no seu art. 5º, XXVII, que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras (...)”.
Regulamentando esse dispositivo constitucional, a Lei 9.610/98, que trata sobre os direitos autorais, consolidou importantes dispositivos de proteção aos direitos do autor e os que lhe são conexos, ao assegurar que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou” (art. 22).
Essa temática ganha ainda mais relevância na área científica, uma vez que a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa envolvendo seres humanos, estabelece no item XI.2.g que “cabe ao pesquisador encaminhar os resultados da pesquisa para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal técnico integrante do projeto”.
Diante disso, pergunta-se, por exemplo: quais os critérios de autoria que devem ser adotados para fins de inclusão de autores numa produção científica? Considera-se como autor somente quem escreveu o texto ou todos que colaboraram, de alguma forma, para a produção? Qual a ordem de citação dos autores? Temas como critérios de autoria, ordem de publicação, plágio, participação em obras coletivas, falsificação dos dados e honestidade na condução dos trabalhos científicos, dentre outros, são alguns dos desafios encontrados.
Realmente, a autoria de trabalhos científicos é um tema que suscita diversos debates, ultrapassando a barreira da norma pura e simples da dogmática jurídica, perpassando pela discussão da ética e da moral. Segundo Witter (2010), a “autoria é uma questão subjacente à ciência, à ética e à legislação, e que afeta e envolve múltiplas relações”.
Conforme discorre Valentim (2014), “a ética em pesquisa é fundamental para o desenvolvimento da ciência, em qualquer área e em qualquer tipo de instituição. Cabe aos líderes de grupos de pesquisa, aos orientadores de mestrado e doutorado, aos orientadores de TCC, influírem em uma conduta investigativa ética. A comunidade científica deve disseminar a ética em pesquisa, de forma que as práticas investigativas não éticas sejam abolidas do meio acadêmico-científico”.
De fato, com o passar do tempo, verificou-se que, apesar de haver um arcabouço legislativo voltado à proteção dos direitos autorais, ainda assim, continuaram existindo muitos problemas na construção e publicação dos trabalhos científicos. Assim sendo, com o escopo de superar esses entraves, diversas categorias profissionais passaram a incluir nos seus respectivos Códigos de Ética dispositivos que materializassem diretrizes éticas a serem seguidas pela comunidade científica no que tange à produção e difusão do conhecimento.
Assim, por exemplo, o Código de Ética Odontológica inseriu, no seu art. 49, que “constitui infração ética: I –aproveitar-se de posição hierárquica para fazer constar seu nome na coautoria de obra científica”; o Código de Ética Médica, por sua vez, estabeleceu, no seu art. 107, que é vedado ao médico “publicar em seu nome trabalho científico do qual não tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva de trabalho realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo quando executados sob sua orientação, bem como omitir do artigo científico o nome de quem dele tenha participado”.
A despeito de tais avanços, é certo que ainda não há consenso no meio científico quanto aos critérios de autoria, ordem de publicação, etc., razão pela qual esses temas precisam ser mais debatidos pela comunidade científica. De todo modo, no bojo dessa discussão não se pode olvidar que a ética em pesquisa é fundamental para salvaguardar o direito de todos aqueles envolvidos no ciclo de produção do conhecimento científico, seja do ponto de vista de quem produz o conhecimento, seja do ponto de vista do destinatário do saber.
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