O Trabalho dos Catadores da Associação Engenho do Lixo: Entre a Necessidade Econômica e o Discurso da Consciência Ambiental

Resumo

O texto analisa a maneira singular como os discursos de “consciência ambiental” repercutem no cotidiano de trabalho de um grupo de catadores de material reciclável e suas implicações ideo-políticas, num contexto de alta vulnerabilidade social. Como a reciclagem é capaz de diminuir o volume de resíduos no meio-ambiente, passa a ser facilmente vinculada à noção de consciência ambiental e melhoria da qualidade de vida. No entanto, as condições de vida e de trabalho de quem atua no início desse processo, os catadores, contradizem essa ideia. Esta pesquisa investigou o contexto em que se forma essa representação, interpretando as motivações que garantem a vitalidade deste discurso e estabelecendo um contraponto com a dinâmica do trabalho de um grupo de catadores. Analisou-se, sobretudo, o significado que os catadores atribuem aos seus trabalhos e às questões ambientais. Para tal, além de pesquisa bibliográfica, utilizaram-se o método etnográfico inspirado em Clifford Gertz, combinado com observação participante e entrevistas. Articulando os conceitos de consciência e autonomia a partir de Paulo Freire e lançando um olhar crítico para a dicotomia inclusão-exclusão social, constatamos que a reciclagem, comumente vista como fator de disseminação de uma consciência ambiental (separar o lixo, reaproveitar), decorre mais de uma necessidade econômica do que de uma perspectiva de sustentabilidade. Nesse sentido, demonstrou-se que a situação de vulnerabilidade na qual se encontra os catadores é mais uma característica estruturante do sistema vigente do que uma “falha”, e que o discurso da “reciclagem” e da “consciência ambiental”, no contexto investigado, acabam por justificar ou legitimar práticas que deveriam combater.