O mito da democracia racial no mercado de trabalho: análise crítica da participação dos afrodescendentes nas empresas brasileiras

 

The myth of racial democracy in the labour market: a critical analysis of the participation of afro-descendants in brazilian companies

 

 

Celso Machado Júnior

Professor do Programa de Mestrado Profissional em Administração em Governança Corporativa do Centro Universitário das faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Doutor em administração pela Universidade Nove de Julho. E-mail: celsomachado1@gmail.com. ORCID: 0000-0003-3835-2979

 

Roberto Bazanini

Professor do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Paulista (UNIP). Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). E-mail: roberto.bazanini@terra.com.br. ORCID: 0000-0002-1575-4791

 

Daielly Melina Nassif Mantovani

Professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). E-mail: daimantovani@gmail.com ORCID: 0000-0001-6320-3268

 

 

Resumo: Esta pesquisa buscou identificar a participação das diferentes raças nas organizações e em decorrência investigar as oportunidades dos negros em termos de empregabilidade e ascensão profissional em nosso país. Para o atendimento do objetivo estabelecido se desenvolveu uma pesquisa documental com 117 empresas que fazem parte do conjunto das 500maiores empresas do Brasil. Os resultados apontaram que a democracia racial constitui um mito em nossa sociedade, daí a necessidade de se avançar com as políticas sociais que minimizem as desigualdades entre brancos e negros nos cargos mais relevantes das empresas, pois o processo de produção e reprodução do racismo continua a tolher a ascensão de pessoas negras aos níveis hierárquicos mais elevados. Para a inserção do negro no mercado de trabalho de forma equânime se efetivar, é necessário evoluir  de políticas sociais de “boas intenções” para o conceito de práxis e se situar nos marcos de uma sociologia militante ao se estabelecer a conjunção de políticas governamentais afirmativas acompanhadas de práticas que estimulem a diversidade nas empresas e, ao mesmo tempo, denunciem as ideologias que apregoam o mito da democracia racial.

 

Palavras-chave: Diversidade; Raça; Políticas afirmativas, Democracia Racial; Mercado de Trabalho.

 

Abstract: This research aims to identify the representation of different races in organizations and to investigate the opportunities of blacks in terms of employability and professional growth in our country. To meet this objective, a documentary research was undertaken with 117 companies that are part of the 500 largest companies in Brazil. The results point out that racial democracy is a myth in our society, hence the need to move forward with social policies that minimize inequalities between whites and blacks in the most relevant hierarchical positions in the companies, since the process of production and reproduction of racism continues to restrain the rise of black people in the main positions of companies. In order to promote equality of black people in the labor market, it is necessary to move beyond mere social policies of good intentions for the concept of praxis and to be situated in the milestones of a militant sociology when establishing the conjunction of affirmative governmental policies accompanied by practices that stimulate diversity in companies and, at the same time, denounce the ideologies that proclaim the myth of racial democracy.

Keywords: Diversity; Race; Affirmative policies; Racial Democracy; Labor Market

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Os estudos sobre preconceito e discriminação social no Brasil se caracterizam por duas vertentes básicas que se tornaram preponderantes. A primeira, apoiada na tradição sociológica, concebe o termo “democracia racial”, como um mito, uma falsa ilusão ao omitir ideologicamente as assimetrias socioeconômicas entre brancos e não-brancos. A segunda, relacionada à Antropologia Social e Cultural, considera que a sociedade brasileira foi formada em bases híbridas e, que, em termos raciais, a cor da pele dos indivíduos não impediu uma relevante identidade e integração entre dominadores e dominados. O mito da democracia racial no Brasil está assentado na presumida inexistência de mecanismos jurídicos de segregação, e na afirmação de que não se existem barreiras à ascensão social do negro, dada a “ausência de preconceito e de discriminação”.

O sociólogo Gilberto Freyre (1933), embora reconhecesse a existência de um certo preconceito racial no país, inspirou a ideia de democracia racial, sendo o principal articulador desse mito, ao argumentar que, na sociedade brasileira, a distância social entre brancos e negros resultava de diferenças de classe, não sendo fruto de preconceitos de cor ou raça. E em consonância com essa linha de raciocínio, os estudos de Bourdieu e Wacquant (2002), que analisam as relações entre as raças destacam que, diferentemente, do imperialismo cultural dos Estados Unidos e seus particularismos históricos traduzidos em categorias binárias de branco e negro, no Brasil, apesar de haver racismo, o preconceito de cor não se manifesta como uma divisão social, em que brancos oprimem deliberadamente os negros.

Historicamente, o mito da democracia racial constitui apenas uma lembrança constante que Freyre (1933) legou ao Brasil contemporâneo, segundo o qual, a sociedade brasileira foi construída pelo desejo de negar categorizações raciais, visto que, somos um país de miscigenados que apostou na convivência e aceitação de diferentes “raças”, culturas e religiões. Essa miscigenação, no passado, gerou uma força democratizante entre senhores e escravos e, no presente, produziu uma memória da igual contribuição.

Nessa perspectiva, confirma-se o mito da democracia racial, postura essa, que reconhece a existência de racismo no Brasil, mas não o concebe como nossa força estruturante. Portanto, a exclusão social não decorre do racismo, mas é fruto da pobreza e do modelo socioeconômico que, por décadas, tem concentrado renda, levando os pobres a permanecerem na pobreza, e contribuindo para que os ricos preservem sua riqueza. Por conseguinte, o mito da democracia racial parte do pressuposto de que haveria no Brasil, ao contrário de outros países como África do Sul e Estados Unidos, uma convivência pacífica das etnias, e que todos teriam chances individuais iguais de sucesso (COELHO JÚNIOR, 2011).

Contrariamente a essa visão que negligencia relevantes aspectos da história de escravidão de nosso país e seus desdobramentos na formação da sociedade, concebe-se que nas origens da sociedade colonial, o Brasil ficou marcado pela questão do racismo e, especificamente, pela exclusão dos negros. Mais que uma simples herança de nosso passado, essa problemática racial continua presente em nossa contemporaneidade nas mais diferentes formas.

Acresce-se, ainda, que debater relações raciais implica discutir as diferentes formas de relações de poder que permeiam a sociedade, uma vez que, o problema fundamental das questões sobre relações raciais está no processo de hierarquização, de desumanização e de justificativa da discriminação existente entre as diversas populações, tornando-se evidente, quando se parte da análise histórica relativa à posição que a população negra ocupa no país (MUNANGA, 2006). Essa posição inclui, como esclarece Figueiredo (2012), a inexistência de segmentação de mercado direcionada aos negros.

Nessa mesma linha de raciocínio, Rosa (2014) aponta que no Brasil prevaleceu a denominada lógica de assimilação dos grupos, que significa a integração de diferenças culturais, na qual os grupos minoritários sofrem um processo de aculturação ao incorporar ideias propostas pelo grupo majoritário. Essas ideias possuem o condão de transmitir ideologias totalizantes, em que aparentam a existência de uma sociedade livre de conflitos raciais e, consequentemente, dão margens para interpretações utópicas sobre a discriminação e o preconceito racial.

Contemporaneamente, as ações afirmativas surgiram em vários países como forma de reduzir a desigualdade social, e podem ser consideradas como um conjunto de políticas e práticas que buscam “(...) promover o reconhecimento social de cidadãos alijados do benefício de sua cidadania e sua inclusão no mundo do trabalho” (FREITAS, 2015, p. 90). No Brasil, segundo a autora, essas ações surgiram de forma mais forte em 1989 com a Lei no. 8213/89, que regulamenta a reserva de postos de trabalho a pessoas com deficiência, expandindo-se em 2002 por meio do Decreto no. 4228, que sugere a criação de metas para inclusão de profissionais mulheres, negros e pessoas com deficiência em órgãos públicos e prestadores de serviço, além de dispor de orientações para acompanhamento dessas ações (BRASIL, 2002). Embora haja dispositivos legais, que incentivam a diversidade na gestão pública, observa-se pouca efetividade dessas iniciativas no mercado de trabalho como um todo.

Com base nessa breve contextualização, o problema que este artigo buscou responder foi: em nossa contemporaneidade, no universo empresarial, em decorrência da evolução nas políticas de integração voltadas para aqueles que foram excluídos no passado, a democracia racial pode ser considerada um mito?

Valendo-se do método de análise documental, esta pesquisa buscou identificar a participação das diferentes raças nas organizações e investigar as oportunidades voltadas aos negros em termos de empregabilidade e ascensão profissional em nosso país. O objetivo mais amplo é apresentar dados que permitam compreender a influencia do preconceito racial nas empresas como elemento de integração ou exclusão social.

Este trabalho está dividido em seis seções, a contar desta introdução. A próxima seção apresenta o referencial teórico para a análise dos diferentes aspectos da controversa democracia racial com ênfase no mercado de trabalho. A seção de metodologia apresenta as técnicas empreendidas nesta pesquisa. Na sequência, a apresentação dos resultados discutidos à luz do quadro conceitual delimitado no referencial teórico e, em decorrência, as reflexões originadas da investigação desenvolvida. A seção final apresenta as considerações finais sobre o trabalho, esclarecendo as limitações existentes e sugerindo direcionamento para pesquisas futuras.

 

2. REFERENCIAL TEORICO

 

Uma das primeiras dificuldades que o pesquisador das ciências sociais se depara diz respeito à necessidade de se integrar os aspectos teóricos e práticos da linguagem.  Particularmente, em relação aos estudos sobre democracia racial, os aspectos complexos de caráter teórico-metodológico da pesquisa advêm das dificuldades iniciais que o pesquisador encontra para estabelecer a categoria “raça”, em conexão com outras categorias como “cor”, “etnia, “classe”, etc., que podem ser empregadas como conceito analítico ou conceito nativo. Guimarães (2003) destaca que nas ciências sociais se estabelece uma distinção de conceitos, em duas categorias: os analíticos, e os nativos. Para o autor, enquanto o conceito analítico analisa um fenômeno, no qual o sentido se restringe ao corpo de uma teoria, o conceito nativo, se contrapõe, por estabelecer sentido no mundo prático, efetivo.

Nessa abordagem então, ao se perguntar, o que é raça? A resposta será: depende. Depende se estamos nos referindo à raça em termos científicos, ou a uma categoria do mundo real, ou seja, se “(...) possui um sentido histórico, um sentido específico para um determinado grupo humano” (GUIMARÃES, 2003, p. 95). Todavia, essa distinção aparentemente lógica, tornou-se complexa e até controversa, quando surgiu o conceito de afrodescendente, visto que, esse conceito não pode ser classificado nem como analítico, nem como nativo, pois “não era analítico porque a sociologia não o sustentava, tampouco a biologia, e não era nativo, senão para uma parte mínima da população brasileira” (GUIMARÃES, 2003, p. 103).

Diante desse dilema, a solução encontrada por Guimarães (2003) foi conceber a cor como categoria racial: “(...) cor não é uma categoria objetiva, cor é uma categoria racial, pois quando se classificam as pessoas como negros, mulatos e pardos é a ideia de raça que orienta essa forma de classificação” (GUIMARÃES, 2003, p. 103-104).

Para os propósitos dessa pesquisa, adota-se a cor como conceito de raça, em consonância com a classificação proposta por Guimarães (2003, p. 103), segundo a qual “(...) a classificação das pessoas por cor é orientada por um discurso sobre qualidades, atitudes e essências transmitidas por sangue, que remontam a uma origem ancestral comum (...)”.

Com base nesse argumento orientador, que se volta precipuamente para a análise do preconceito de cor, concebe-se que, os estudos e discussões referentes a democracia racial no Brasil, necessariamente, incorporam as relações de trabalho, as peculiaridades do mercado e a gestão de empresas. Envolve a análise de múltiplos aspectos que não estão condicionados somente por imperativos econômicos, mas, cujas desigualdades estão legitimadas pela educação, cultura, religião, literatura, arte, ciência e meios de comunicação. Portanto é necessário analisar essa problemática em vários dos seus aspectos, para se contemplar a sua complexidade em nossa contemporaneidade.

Em relação aos aspectos educacionais e origem social, Osório (2004) analisou a desigualdade racial e de renda no Brasil para investigar a validade da tese, de que a sua persistência se deve preponderantemente ao peso exacerbado da origem social nos processos de estratificação. Dentre outras causas, constatou-se que a principal fonte da desigualdade racial está na diferença do nível de renda do trabalho de negros e brancos, e que a diferença no nível da remuneração do trabalho se deve preponderantemente às desigualdades educacionais entre negros e brancos. Destaca-se que as desigualdades educacionais entre os grupos raciais são em larga escala determinadas pela origem social.

Em termos culturais, a sociedade brasileira apresenta-se bastante diversa, em decorrência dos vários movimentos migratórios registrados no país. Em função da grande extensão territorial brasileira é possível observar que algumas regiões apresentam maior influência, de determinado processo de colonização.

Apesar desta diversidade social, o mercado de trabalho não reproduz a mesma diversidade, seja de gênero, seja de raça. Rosa (2014) discorre em seus estudos que a diversidade nas organizações é decorrente de uma necessidade histórica, enquanto a pesquisa desenvolvida por Uhr et al. (2014) evidenciou a existência de diferenças salariais no Brasil, que discriminam o gênero e a raça no mercado de trabalho dos administradores. Nesta perspectiva, profissionais atuando com a mesma produtividade, potencialmente recebem salários inferiores em decorrência de gênero ou raça, na execução das mesmas atividades.

Ainda em relação às diferenças salariais entre brancos e negros, e seus reflexos na mobilidade social, Costa Ribeiro (2006) apresenta uma distinção contundente ao afirmar que nas disputas por posições sociais hierarquicamente mais elevadas prevalecem as desigualdades raciais, todavia, o mesmo não ocorre na busca por cargos e funções relacionados às classes baixas que são inteiramente determinadas pela posição de classe. Desse modo, a desigualdade racial prevalece no topo da hierarquia de classes das empresas, mas não na base.

A tratativa das questões relacionadas à raça, habitualmente, aparece inserida no contexto da Diversidade, que incorpora ainda questões pertinentes a gênero, a idade, a egressos do sistema prisional, a indígenas, e a inserção de travestis e transexuais. O termo Diversidade ainda não se apresenta como um constructo robusto conforme indica Fleury (2000), estabelecendo dificuldades para o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. Esta pesquisa interpreta a diversidade consonante a perspectiva de autores como Fleury (2000) e Queiroz, Álvares e Moreira (2005), que apresentam a diversidade no âmbito cultural.

A desigualdade de gênero pode ser observada na pesquisa desenvolvida por Barroso (2015) a respeito da participação das mulheres nos altos escalões da administração pública no Brasil. O estudo aponta que a participação das mulheres no Poder Executivo Federal apresenta-se discreta nos cargos de direção. A participação das mulheres nos cargos de direção é de 28%, e no Assessoramento Superior a participação é de 19%. Já a pesquisa de Marques e Ferreira (2015) analisou as diferenças entre homens e mulheres que ocupam cargos importantes nas empresas portuguesas. Segundo os autores observou-se um menor contingente de mulheres em cargos importantes nas empresas, no entanto, os dados encontrados apontam que a capacidade de liderança entre homens e mulheres mostrou-se similar, não se identificando diferenças entre gêneros no processo de liderança. A pesquisa também revelou que não há diferença significativa entre salários dos homens e mulheres.

A diversidade dentro do quadro de funcionários das empresas possui potencial para estabelecer benefícios, e neste caso interpreta-se como diversidade, a diferença de gênero, de raça, de local de origem, de formação acadêmica, e de ideologia. Estabelecendo a atenção em um grupo específico de profissionais, os membros dos Conselhos de Administração (CA), identificam-se estudos que apontam aspectos de neutralidade ao se estabelecer CA com componentes diferentes entre si. Neste contexto, se destaca o estudo de Gallego-Álvarez, García-Sánchez e Rodríguez-Dominguez (2010) que analisa a diversidade do conselho de administração (board), e sua influência no desempenho nas empresas, listadas na bolsa de valores espanhola. Os resultados obtidos pelos autores indicam que empresas com maior diversidade do CA não apresentam desempenho diferenciado em relação às empresas com menor diversidade de CA. A pesquisa de Upadhyay e Zeng (2014) indica não ser possível inferir que maior diversidade dos membros do CA resulte em maior independência dos membros do conselho em relação à gestão das organizações. A análise destes estudos pode ser abordada na perspectiva de que os CA mais homogêneos não apresentam resultados melhores. Neste sentido, as empresas podem adotar maior diversidade na formação do CA, pois esta ação não implica em menor desempenho das mesmas.

A vantagem de se estabelecer um CA com diversidade é apresentada no contexto da teoria da agência, que sugere que nesta condição se estabelece o potencial de um melhor monitoramento dos gestores. Isto ocorre, pois, a diversidade proporciona maior independência de atuação aos seus membros (CARTER et al., 2007). Neste sentido, Campbell e Mínguez-Vera (2007) indicam que membros do conselho de diferentes origens culturais ou étnicas podem realizar questionamentos diferentes. Para os autores, membros com formações muito semelhantes, tendem a realizar abordagens semelhantes, e por consequência perguntas semelhantes, reduzindo-se assim a amplitude de análise dos gestores das empresas. Esta abordagem propõe que a inclusão de um conjunto mais heterogêneo na estrutura, que contempla a questão de raça, estabelece pontos positivos para os CA, e por abrangência para toda a empresa.

A desigualdade não se limita a setores específicos da organização, e necessita de uma abordagem mais ampla. Neste sentido, Freitas (2015) afirma que a Declaração de Direitos Humanos foi o primeiro documento que reconheceu a relevância da diferença entre os indivíduos, e do respeito a essas diferenças por meio de mecanismos legais e sociais, de forma que a redução da desigualdade se tornou meta definida pela Organização das Nações Unidas (ONU, 1948) para o novo milênio. A desigualdade culmina no tratamento social das diferenças, ou seja, na forma como uma sociedade, historicamente produziu e tratou as diferenças.

Particularmente, nesse aspecto do tratamento social das diferenças, observa-se que, comumente, nas relações sociais, a posição de status e a posição de classe, embora correspondam a dimensões distintas, estão relacionadas, ou seja, possibilitam a conversão do capital econômico em capital simbólico (BOURDIEU; WACQUANT, 2002). Contudo, essa relação não ocorre com a população negra. Figueiredo (2004) expõe inúmeras evidências de que a discriminação racial afeta a atribuição de status às pessoas negras, mesmo com elevado poder aquisitivo. Essas evidências são também confirmadas nas pesquisas sobre identidade negra e condição de classe realizadas por Tosta e Alves (2013), nas quais se constata que, para o reduzido número da população negra, inserido em extratos economicamente mais elevados da sociedade, observam-se problemas semelhantes de interação e integração social vivenciados pelas camadas de extratos econômicos menores.

Biderman e Guimarães Araújo (2004) enfatizam que os determinantes da desigualdade variam em sua importância, sendo que os fatores ligados à discriminação de sexo e cor se apresentam os mais decisivos, em especial entre as mulheres e negros que chegam a galgar posições no topo da hierarquia social. Essa condição de classe se agrava ainda mais em relação ao gênero feminino. A condição da mulher negra de elevado poder aquisitivo, não é suficiente para converter a afluência de sua condição econômica, em posição de status (ROCHA, 2017).

Corroborando essas evidências, Silva e Reis (2011) relatam o "perfil elitista" da discriminação racial no Brasil, através de 80 entrevistas em profundidade com profissionais negros no Rio de Janeiro. As autoras também constataram que os negros de classe média e alta que ocupam cargos de liderança nas empresas são vitimas de comportamento estereotipados e preconceituosos, ou seja, o preconceito de cor se sobrepõe à desigualdade econômica. Elas concluíram, então, que: “They recognized racism, prejudice, racial inequality, and negative stereotypes about blacks in Brazil. Negative stereotypes about blacks are widespread in Brazil”. (SILVA; REIS, 2011, p. 75).

Em termos sociológicos surge o processo de aculturação que remete a ideia do branquear-se fisicamente e socialmente, visto que, mesmo ao atingir altos graus na hierarquia social, os negros ainda encontram da parte dos brancos da própria classe, uma expectativa de que incorporem valores e comportamentos dos setores dominantes, como procedimento aceitável para dispor de maiores oportunidades de ascensão pessoal e profissional (MAIO, 2017).

Nóbrega, Santos e Jesus (2014) comentam que o termo diversidade é tratado com diferentes significados entre os autores, podendo referir-se tanto a características culturais, quanto demográficas e sociais. Em seu estudo qualitativo buscando relacionar a diversidade com a criatividade e a competividade organizacional, os autores não conseguiram identificar causalidade entre as variáveis, pois as organizações não realizam levantamentos quantitativos que permitam determinar essas relações. Contudo, os gestores entrevistados na pesquisa acreditam haver uma influência da diversidade na capacidade de inovar e na competitividade da empresa. Em suma, as empresas pesquisadas, duas delas de grande porte e uma de médio porte, situadas no estado da Bahia, apontam conhecimento sobre o tema diversidade, porém efetivamente não possuem práticas efetivas de gestão desse recurso. Desta forma, a diversidade acaba ocorrendo por acaso e de maneira não intencional nestas empresas.

A pesquisa bibliométrica desenvolvida por Ferreira et al. (2015) reforça a posição de Fleury (2000) ao indicar que os recentes estudos que tratam da diversidade, em comparação as práticas organizacionais, se posicionam de forma tangencial e sentimentalista ao tema. Para os autores, as organizações podem melhor atender aos seus objetivos, quando possuem um quadro de colaboradores mais diversos, pois esta composição se ajusta melhor às discordâncias, a que as empresas estão sujeitas. Nesta abordagem, a maior diversidade dos funcionários contribui para a gestão por possibilitar o estabelecimento de proposições, visões e entendimentos diferenciados, otimizando assim a possibilidade de se identificar melhores alternativas para a solução dos problemas. Vale destacar, que a pesquisa desenvolvida pelos autores apresenta uma relação de 46 artigos, submetidos nos Encontros de Estudos Organizacionais da ANPAD, que tratam de diferentes formas a questão da diversidade.

Hasenbalg (1979) em seu estudo, que data do final da década de 70, indicou que o problema de desigualdade entre brancos e negros, não se limita a aspectos pertinentes a classe social, mas avança para a ocorrência de discriminação racial. Para o autor, a existência de fatores relacionados a discriminação racial em tratativas profissionais inviabiliza que o negro estabeleça a sua integração social plena, e assim o pleno exercício de sua cidadania, dificultando a ascensão econômica.

Santos (2006) utiliza do termo discriminação pela imagem, ao denunciar a pouca presença de trabalhadores negros em cargos de gerência ou chefia, bem como em funções que demandem atendimento ao público, em franca oposição ao mito da democracia racial que concebe existir no Brasil uma convivência pacífica das diferentes etnias em que todos possuem oportunidades iguais para o sucesso pessoal e profissional (JAIME, 2011). Jaime (2011) ressalta a importância do contexto social, ao buscar identificar as mudanças resultantes da construção das trajetórias dos executivos negros nas empresas, classificando-os em duas gerações: a primeira, a partir do contexto ditatorial brasileiro dos anos 1970 e a segunda, tendo como referência, a consolidação dos direitos sociais conquistados pelos afrodescendentes no século XXI.

Gonçalves et al. (2016) recorrendo a dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos evidenciou a ocorrência de menores salários para os negros quando comparados com os não-negros. Os autores, apontam ainda que os negros possuem maior taxa de não ocupação profissional, e em grande parte ocupam postos de trabalho precários, e em menor número nos cargos de chefia. Adicionalmente, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos (DIEESE, 2013) em sua pesquisa sobre a desigualdade de rendimentos, identificou que nas cidades de São Paulo e Salvador, os negros recebem salários inferiores aos não-negros.

Oliveira e Barreto (2003) analisam a pesquisa realizada pelo Centro de Articulação de População Marginalizada (CEAP) e o Núcleo de Pesquisas, informações e Políticas Públicas da Universidade Federal de Fluminense (DATAUFF) no Rio de Janeiro no ano de 2000 e apontam para uma contradição, segundo a qual, embora as pessoas afirmem ser isentas de preconceito racional, assumem que o preconceito e discriminação racial se encontram claramente impregnados na sociedade brasileira.

A adoção de políticas de diversidade não evidencia melhorias no desempenho financeiro das empresas, no entanto, conforme apontado por McKay et al. (2007), há indicações de melhoria no desempenho organizacional, quando o clima organizacional incorpora diversidade cultural é possível observar benefícios operacionais. Segundo os autores, nesta condição observam-se sentimentos positivos entre os empregados e os empregadores, que envolvem variáveis como satisfação com o trabalho, comprometimento organizacional e identificação com a tarefa. Assim, os autores afirmam que as empresas com maior diversidade, tendem a possuir melhores indicadores de qualidade nos produtos e serviços, melhor desempenho de produtividade e eficiência, e ainda menor rotatividade de mão-de-obra. Neste sentido, Puente-Palacios, Seidl e Silva (2007), também indicam que a diversidade cultural colabora para um melhor desempenho dos grupos de trabalho.

Apesar dos potenciais benefícios da adoção da diversidade cultural, Coutinho, Costa e Carvalho (2010) mostram as dificuldades de se distinguir as empresas que promovem um ambiente multicultural por acreditarem nos benefícios desta prática, daquelas que promovem esta postura por questões de marketing, ou em atendimento a pressões da sociedade e do governo. Para Serrano e Brunstein (2007) a inserção da diversidade nas empresas ocorre como resposta destas, a crises e conflitos com grupos externos. Assim, a adoção da diversidade cultural está associada ao atendimento de políticas, como a de cotas raciais, ou de consumidores que desejam que as empresas possuam maior Responsabilidade Social. A posição dos autores aqui tratados, indica que ainda há divergência da motivação das empresas a adotarem maior diversidade cultural em suas estruturas organizacionais.

Como elemento a favorecer a ampliação da diversidade cultural nas organizações identificam-se as ações afirmativas e as políticas públicas. Galeão-Silva e Alves (2002) entendem como ações afirmativas o conjunto de políticas compensatórias, destinadas a compensar excluídos de diversas oportunidades. Iizuka (2006) explica que as políticas compensatórias se destinam a grupos sociais que foram excluídos de possibilidades de igualdade no passado, e que necessitam de ações que os capacitem a competir em igualdade no mercado de trabalho. Ao passo que para Valentin (2005) ações afirmativas se apoiam no entendimento de que os fenômenos sociais não são naturais, logo a ocorrência de imperfeições devem ser objeto de políticas que possibilitem o estabelecimento de igualdades por meio da reversão da desigualdade e da exclusão. Observa-se que no Brasil, os negros (salário médio de R$1.534,00) possuem salários inferiores aos brancos (salário médio de R$2.697,00), fator este que atua como estimulo de políticas destinadas a reversão das desigualdades (Portal G1, 2018).

Dados de 2017 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgados pelo IBGE (Portal G1, 2018) apontam que os negros recebem salário médio mensal inferior aos brancos (R$1.534,00 contra R$2.697,00). Adicionalmente, a pesquisa indica que a proporção de trabalhadores negros sem carteira assinada é mais elevada, 21,8% dos negros e 14,7% dos brancos; assim como a taxa de desocupação (14,5% dos pretos, 13,6% dos pardos e 9,5% dos brancos), e analogamente, o acesso à educação dessa população é menor, sendo que apenas 8,8% dos negros com mais de 25 anos de idade frequentou o ensino superior, contra 22,2% da população branca. Dados de 2016 da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portal G1, 2018) confirmam que profissões como engenheiro, professor do ensino superior, e piloto e comissário de aeronaves são predominantemente ocupadas por trabalhadores brancos, enquanto trabalhos em cultivo rural, operador de telemarketing, entre outras ocupações sem exigência de formação específica, são predominantemente ocupadas por trabalhadores negros. Esses dados indicam resultados mais positivos para os indivíduos de raça branca, em relação aos de raça negra.

Assim, de modo geral, pode-se apontar que a discriminação racial no campo do trabalho ocorre de modo amplo, abrangendo desde os processos de admissão, as rotinas de ascensão funcional até os parâmetros de remuneração.

O capítulo seguinte apresenta a metodologia empregada neste estudo.

 

3. METODOLOGIA

 

Este estudo classifica-se como uma pesquisa documental e bibliográfica. A análise documental se apoia no processo de identificar, verificar e examinar documentos, a fim de obter informações contidas em documentos, que por sua vez são contextualizadas frente a fatos em estudo. A análise documental caracteriza-se por desenvolver a investigação em textos que não se posicionam como bibliográficos (BASTOS, 2009). Esta investigação a se realizar se caracteriza como uma pesquisa documental apoiada em relatórios e anuários disponibilizados por órgãos oficiais.

A pesquisa documental se apoia nos dados disponibilizados pelo Instituto Ethos (2016). O documento “Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas”, desenvolvido e publicado pelo Instituto Ethos com a Colaboração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), apresenta pesquisa quantitativa desenvolvida por meio de aplicação de questionário de autopreenchimento enviado pela internet. Adicionalmente, a pesquisa complementou os dados por meio de entrevista com os gestores das empresas respondentes. Esta etapa da pesquisa foi realizada de forma amostral.

O questionário foi encaminhado para as 500 maiores empresas brasileiras, relacionadas no anuário Maiores e Melhores de 2014 (REVISTA EXAME, 2014). Este anuário é uma publicação da Editora abril, que apresenta os resultados na revista Exame. O questionário encaminhado se destinava a funcionários e dirigentes.

Das 500 empresas convidadas a participarem da pesquisa, registrou-se o retorno de 117 empresas como respondentes, e que se posicionam universo desta pesquisa. O período de resposta dos participantes foi de 9 de dezembro de 2014 a 28 de maio de 2015. Nos dados de 2015, dentre as empresas que compõem a amostra há predomínio do setor industrial (52,1%), seguido pelos setores de serviços (17,1%), comércio (17,1%) e produtos agrícolas (13,7%). As matrizes dessas organizações situavam-se majoritariamente nas regiões sudeste (57,3%) e sul (21,4%), sendo que dentre aquelas localizadas na região sudeste 62,7% estavam sediadas no município de São Paulo. A maioria das empresas respondentes (57,3%) apresentou faturamento de até 500 milhões no ano da coleta de dados, 64,6% possuía mais de 1000 funcionários.

Destaca-se que a nomenclatura utilizada BRANCOS, NEGROS, PRETOS, PARDOS, AMARELOS e INDÍGENAS é a mesma empregada pelo BID e pelo Ethos no relatório divulgado. Nesta pesquisa não se desenvolve nenhuma análise de valor sobre a adequação destes termos.

A opção metodológica de utilizar dados disponibilizados por instituições e ou entidades oficiais, se aproxima da empregada por outras pesquisas como a de Yang, Xu e Shi (2017) que utilizou o anuário disponibilizado pelo governo central Chinês, a de Webb, Hawkey e Tingey (2016) com dados disponibilizados pelo governo do Reino Unido, e de Mrkajić, Anguelovski (2016) que se apoia em dados fornecidos pela cidade de Novi Sad na Servia. Destaca-se, ainda, a pesquisa desenvolvida por Gonçalves et al. (2016), que avaliou a participação de negros e de mulheres em cargos de chefia nas empresas brasileiras. Para desenvolver a pesquisa, os autores utilizaram dados originários do Balanço Social e de Relatórios Anuais das 30 maiores organizações de acordo com a publicação Maiores e Melhores de 2013 da Revista Exame. Evidencia-se assim, a adequação de se utilizar documentos divulgados por instituições públicas ou de instituições de classe. O capítulo seguinte apresenta e analisa os dados da pesquisa.

A pesquisa bibliográfica teve como eixo teórico a discussão crítica tendo como referência autores relacionados aos três grandes pilares do preconceito racial:

 

a.      A tradição sociológica europeia e norte-americana (principalmente a de Chicago) que, historicamente, sempre negaram a existência de preconceito racial, e de grupos raciais no Brasil, argumentando que esses grupos seriam classes e não castas, ou seja, grupos abertos à mobilidade e, portanto, não propriamente “raças” (PIERSON, 1971).

b.     A antropologia cultural inspirada nas ideias de Freyre (1933) e seguidores, na qual, com o conceito de “democracia racial”, de certa forma, buscou reatualizar, na linguagem das ciências sociais emergentes, o precário equilíbrio político entre desigualdade social, autoritarismo político, e liberdade formal presentes no Brasil moderno;

c.      Ao ativismo político, concretizado em suas duas componentes: as organizações governamentais e as não-governamentais, que perpassam desde a luta por cotas até a proposição da práxis negra, ou seja, um contra discurso alternativo à modernidade eurocêntrica disseminada na cultura brasileira (MOURA, 1983).

 

Desta forma, na primeira perspectiva, a concepção de negação das raças, e a releitura das diferenças entre os povos humanos em termos de “cultura”; na segunda, o racismo é definido não em termos da afirmação de diferenças físicas ou culturais entre as raças, mas da sua hierarquização e eventual opressão; na terceira, o conceito de ações afirmativas, cuja expressão política das demandas e da agenda do movimento negro devem ser manifestas em linguagem étnica, visto que, a democracia racial não passa de mito, ilusão ou farsa.

 

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

 

Esta seção apresenta e analisa os dados da pesquisa utilizando como base o referencial teórico selecionado. Inicialmente apresenta-se o perfil dos funcionários das empresas respondentes que foram organizados em categorias de raça, conforme mostra Tabela 1.

 

 

Tabela 1. Distribuição das raças por níveis hierárquicos nas empresas

Nível Hierárquico

Indígenas

Amarelos

Brancos

Total Negros

Categoria de Negros

Pretos

Pardos

Conselho de Administração

0,0

0,0

95,1

4,9

0,0

4,9

Quadro Executivo

0,0

1,1

94,2

4,7

0,5

4,2

Gerência

0,1

3,5

90,1

6,3

0,6

5,7

Supervisão

0,1

1,8

72,2

25,9

3,6

22,3

Quadro Funcional

0,2

1,3

62,8

35,7

7,0

28,7

Trainees

0,0

0,5

41,3

58,2

2,5

55,7

Estagiários

0,2

2,0

69,0

28,8

4,4

24,4

Aprendizes

0,4

0,5

41,6

57,5

12,2

45,3

Fonte: Relatório Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas – Instituto Ethos (2016).

Nota: As duas últimas colunas da Tabela 1 que apresentam a classificação, pretos e pardos, são um desdobramento da coluna anterior – Total de Negros.

 

Os dados revelados na Tabela 1 indicam que os níveis hierárquicos: Conselho de Administração, Quadro Executivo, Gerência, Supervisão e Quadro Funcional, posicionados nos níveis mais altos das empresas, possuem predomínio de pessoas da raça branca. Este desempenho aponta baixa diversidade nos principais cargos de gestão das organizações, não possibilitando assim a estas empresas os benefícios apontados por Fleury (2000), McKay et al. (2007) e Puente-Palacios, Seidl e Silva (2007). Os níveis Trainees e Aprendizes são os únicos que não apresentam predomínio da raça negra, apesar de se posicionarem nos primeiros níveis da hierarquia, indicam uma maior diversidade no futuro. No entanto, caso isto realmente seja uma possibilidade, ela não está relacionada a existência de medidas, nas empresas, destinadas a ampliação da presença de negros nas empresas. Esta falta de medidas para ampliar a presença de negros nas organizações pode ser observada na Figura 1, que indica, adicionalmente, que a ausência de ações de incentivo para os negros é observável em todos os Níveis Hierárquicos.

 

 

Figura 1. Presença de medidas a incentivar a presença de negros nas empresas.

 

Fonte: Relatório Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas – Instituto Ethos (2016).

 

Observa-se um afunilamento conforme se move na hierarquia organizacional, isto é, embora haja predomínio da raça negra nos níveis da base da pirâmide (aprendizes e trainees), sua progressão aos níveis mais elevados não ocorre, em especial nos níveis gerencial, executivo e conselho de administração. Adicionalmente, a pesquisa observou que muitas das empresas participantes da pesquisa não possuíam políticas de efetivação dos jovens aprendizes (apenas 58,1% responderam a essa questão, e destas somente 64,7% afirmaram possuírem políticas efetivas para esses jovens), o que ajuda a compreender a sub-representação dos negros nos níveis hierárquicos superiores.

Nos dados gerais, 88% das empresas afirmaram não possuir políticas para promoção da igualdade de oportunidades entre as etnias. Apenas 9 das 117 empresas afirmaram ter pelo menos uma ação afirmativa voltada à igualdade racial independentemente do nível hierárquico, predominantemente o estabelecimento de programas de capacitação profissional visando a qualificação do negro para ocupar cargos nos níveis hierárquicos mais elevados.

Esses dados sugerem que a diversidade nas organizações ocorre mais de forma não-intencional do que devido à gestão e planejamento desse recurso, o que corrobora a argumentação de Nóbrega, Santos e Jesus (2014). Ainda, a pesquisa de Diniz, Carrieri, Gandra e Bicalho (2013) observou, nas entrevistas realizadas, uma crença de que as políticas de diversidade implementadas nas organizações estão fortemente relacionadas à imagem de responsabilidade social, que se deseja transmitir ao mercado, e não ao desejo de fato de se fomentar a diferença como recurso e vantagem competitiva. A Figura 2 apresenta a relação entre brancos e negros nos cargos de: Quadro Executivo, Gerência, Supervisão e Quadro Funcional no período de 2003 a 2005. Os dados indicam que no período de análise há um aumento da presença de negros em relação aos brancos, em todos os níveis hierárquicos pesquisados; no entanto, nos cargos mais estratégicos, o Quadro de Executivos e Gerência, a tendência se apresenta muito discreta. Vale destacar, que a Figura 2 não apresenta os dados referentes a indígenas e amarelos, razão pela qual a soma dos valores não totaliza os cem por centos.

 

 

Figura 2. Composição por cor nos principais cargos das organizações.

Fonte: Relatório Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas – Instituto Ethos (2016).

 

Por outro lado, em termos gerais, observou-se uma preocupação das organizações pesquisadas com a questão da diversidade, já que 68,4% delas possui código de conduta que estabelece princípios de diversidade e igualdade, 85,5% oferece bolsas de estudos para qualificação dos funcionários, 69,2% capacita a liderança em princípios de igualdade e suas consequências no ambiente corporativo, 76,1% possui algum canal de denúncia para casos de discriminação e assédio, 53,8% difunde boas práticas de gestão que culminam no respeito aos direitos humanos e na inclusão. Desta forma, constata-se que há, majoritariamente, ações globais voltadas ao fomento da diversidade; porém, poucas delas voltadas especificamente aos profissionais afrodescendentes, de forma que a efetividade daquelas ações poderia ser potencializada, se houvesse foco em grupos específicos de vulneráveis, não apenas negros, mas também mulheres, pessoas com deficiência, público LGBTIQ, etc.

Parte da pesquisa questionou os gestores das organizações pesquisadas sobre sua percepção acerca da representação dos negros em seus quadros de funcionários e 36% consideram a proporção de profissionais dessa etnia adequada no quadro executivo, 45% a considera adequada nos cargos de gerência, 54,1% nos cargos de supervisão e 62,2% no quadro funcional. Constata-se, portanto, uma percepção de adequação maior quanto mais baixo o nível hierárquico. Nota-se, todavia, que é expressiva a proporção de gestores que considera a presença de negros adequada nos cargos mais elevados, mesmo esta sendo de apenas 4,7% no quadro executivo e 6,3% no nível de gerência. Estes dados sugerem a necessidade de ações de fato efetivas na busca pela igualdade étnica organizacional, que vão além dos manuais de boas práticas e canais de denúncia de abusos. É necessária, além de ações e políticas organizacionais, a mudança de cultura que incorpore no dia-a-dia da organização a diversidade na sua forma mais ampla e multifacetada, seja nas rotinas de recrutamento e seleção, seja na progressão de carreira. Este cenário pode ser observado na Figura 3.

 

 

Figura 3. Adequação da presença de negros nas organizações na visão do gestor

Fonte: Relatório Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas – Instituto Ethos (2016).

 

 

Ao se questionar sobre as razões para a proporção de profissionais negros estar abaixo do adequado, 48,3% dos gestores pesquisados atribuem tal fato à falta de qualificação desses profissionais, e 41,4% o atribuem à dificuldade das empresas em lidar com o cenário de igualdade. Esse resultado está em consonância com os achados do estudo de Diniz, Carrieri, Gandra e Bicalho (2013), que analisou as políticas de diversidade nas organizações sob a perspectiva dos trabalhadores homossexuais. Em seu estudo os autores constataram um descolamento entre o discurso e a realidade as práticas de gestão, não apenas no que se refere a representação de diferentes orientações sexuais, mas na diversidade como um todo.

A correlação entre a percepção de adequação da proporção de negros e a representatividade dessa etnia nos diferentes níveis hierárquicos é de r=0,96, indicando que quanto mais se concebe a proporção de afrodescendentes como adequada, maior a proporção real desses profissionais na empresa. Em suma, o apoio da gestão à implementação da diversidade é fundamental para que a pluralidade étnica se instaure no ambiente organizacional.

Confirmou-se, portanto, que apesar das políticas sociais implementadas, a democracia racial constituiu um mito, visto que, a discriminação social em termos de oportunidades no mercado de trabalho, ainda constitui um mito evidenciado fortemente nas relações empresariais. A situação de empregabilidade e ascensão social dos negros enfrenta inúmeras barreiras para se consolidar como democrática.

Diante dessa constatação de estereótipos e preconceitos disseminados em relação à população negra, buscou-se encontrar um conjunto de fatores para minimizar essa discriminação e, em decorrência, diminuir as desigualdades e aumentar as oportunidades de inserção dos afrodescendentes no mercado de trabalho.

Com base na análise dos dados bibliográficos coletados (FLEURY, 2000, BARRETO, 2003, BIDERMAN; GUIMARÃES ARAÚJO, 2004, FIGUEIREDO, 2004, OSÓRIO, 2004, GUIMARÃES, 2004 e 2006, QUEIROZ; ÁLVARES; MOREIRA, 2005; COSTA RIBEIRO, 2006, SANTOS, 2006, SILVA; REIS, 2011, JAIME, 2011, TOSTA; ALVES, 2013, UHR et al., 2014, FERREIRA et al., 2015, MARQUES; FERREIRA, 2015, OLIVEIRA, 2016; GONÇALVES et al., 2016, MAIO, 2017, ROCHA, 2017) identificaram-se possíveis alternativas elencadas como respostas associadas a um conjunto de fatores, dos quais merecem destaque os seguintes:

 

1.     Formulação de políticas públicas específicas para o setor;

2.     Aplicação efetiva das cotas raciais em concursos públicos;

3.      Respeito ao Estatuto da Igualdade Racial;

4.     Rigor na punição de crimes de racismo, com um sistema de denúncias eficiente que receba, registre e encaminhe queixas para os órgãos competentes;

5.     Apoio a programas de diversidade étnica nas empresas, públicas e privadas;

6.      Incentivo à contratação, e à promoção de funcionários afrodescendentes;

7.      Programa de erradicação do trabalho infanto-juvenil (PETI) com ênfase nas famílias afro-brasileiras;

8.     Criação do sistema de reserva de vagas em concursos públicos através da Lei 12.990 de junho 2014.

 

Comumente, as experiências dos movimentos sociais apontam que apenas com longos períodos de crescimento econômico em conjunto com ações de políticas afirmativas, especialmente as voltadas à educação, é possível diminuir as desigualdades no mercado de trabalho, e melhorar as oportunidades de inserção para a população negra. Ocorre que, o desempenho desfavorável da economia e seus reflexos no mercado de trabalho a partir de 2014 levou ao aumento da taxa de desemprego mais intenso entre os negros, do que entre os não negros, além de cortes significativos nos programas e políticas para a igualdade racial. O capítulo seguinte desenvolve a reflexões a partir dos dados levantados.

 

5. REFLEXÕES SOBRE OS RESULTADOS

 

A crença de que no Brasil não existem conflitos raciais é resultado da difusão do conceito de democracia racial, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Essa crença difundida implicitamente na obra de Freyre (1933), “Casa Grande e Senzala”, disseminou a ideia de que no Brasil brancos e negros mantêm relações raciais pacíficas e harmoniosas; Embora, conforme adverte Guimarães (2004), o próprio autor nunca tenha adotado explicitamente em seus escritos a denominação “democracia racial”, mas sim, a expressão sinônima, “democracia étnica”, nas suas comunicações a partir de 1944.

Transcorridos mais de sete décadas da publicação da clássica obra de Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala” (FREYRE, 1933), inspiradora da concepção do mito da democracia racial em nossa contemporaneidade, no universo empresarial, em decorrência da evolução nas políticas de integração voltados para aqueles que foram excluídos no passado, a democracia racial pode ser considerada um mito. A discriminação e o preconceito racial constituem barreiras à integração e ascensão dos afrodescendentes no mercado de trabalho, e ainda se manifestam ideologicamente.

 

Apesar de ter descrito em Casa Grande e Senzala situações em que as relações entre brancos e negros eram marcadas não apenas por uma assimetria, mas pelo sadismo, preferiu celebrar o Brasil como um paraíso racial. Isto porque, do seu ponto de vista, quando comparada ao modelo colonial inglês, a colonização portuguesa seria mais amena ao que se refere às relações raciais, permitindo e até estimulando a miscigenação. Resultou daí a ideia de que o Brasil levava para o mundo a mensagem de democracia racial, isto é, de uma nação mestiça no qual brancos, negros e índios vivem harmonicamente (JAIME, 2011, p. 162).

 

Apesar dos avanços nas últimas décadas, a discriminação e o preconceito ainda predominam no universo empresarial. Além da falta de oportunidades para a população negra, destaca-se a não efetividade de um mercado etnicamente segmentado.

 

Em termos de mercado consumidor, historicamente, no Brasil, não se tem tido a criação de um mercado etnicamente segmentado. Ainda que o mercado brasileiro se constitua como racialmente diferenciado, isto é, na configuração do mercado de trabalho, os negros concentram sua participação nas atividades de menor renda e status em oposição aos brancos sobre representados nas categorias ocupacionais de maior remuneração, status e prestígio (FIGUEIREDO, 2012, p. 181).

 

Em termos políticos, Oliveira (2016) faz reflexões sobre a influência que a cor e/ou a identidade racial dos candidatos exercem na definição das estratégias discursivas dos políticos negros em relação aos seus adversários nas campanhas eleitorais.

 

(...) vivemos em uma sociedade multirracial e de classe como a brasileira, em que as representações raciais não só orientam as expectativas de papéis sociais, como também proporcionam vantagens materiais e simbólicas aos atores em vários campos da sociedade, especialmente no campo político-eleitoral, é inevitável que questões de identidade e de interesses de grupos sejam inseridas nos discursos políticos. Assim sendo, é inevitável que a “alusão” à cor dos candidatos influencie nas estratégias discursivas quando um candidato negro disputa corridas birraciais no Brasil (OLIVEIRA, 2016, p.28).

 

Em termos de inserção no mercado de trabalho e ascensão profissional, Jaime (2016) através de pesquisa etnográfica no estado de São Paulo buscou identificar as mudanças que aconteceram na construção das trajetórias dos executivos negros nas empresas, dividindo-os em duas gerações: a primeira, a partir da década de 1970 e a segunda, tendo como referência, o início do século XXI.

Para esses primeiros, ainda na ditadura militar (1964-1985), o contexto era amplamente desfavorável à própria afirmação de si mesmos como negros, e também à construção de suas trajetórias como executivos. Visto que, o racismo era concebido em uma simples contravenção penal, o que contribuía para aumentar as possibilidades de sua manifestação no cotidiano das pessoas. Comumente, esses profissionais afrodescendentes tinham em torno de 50 anos, e certa tendência à negação da existência e dos efeitos do racismo. Para se proteger do preconceito e da discriminação, no ambiente de trabalho utilizavam estratégias defensivas e evitavam conflitos, tendendo a contornar situações explícitas de racismo.

O contexto da segunda geração apresentou características singulares em relação à primeira. O Estado passar a assumir novas posturas frente à questão racial, com a criação de políticas de governo para ajudar no combate ao racismo, ao mesmo tempo que cresciam as pressões para o atendimento de antigas demandas do movimento negro. As empresas se viram obrigadas a se adaptar ao novo contexto, passando a promover a gestão da diversidade para valorizar a inserção de negros em seus quadros.

Assim, o contexto social promoveu diferenças significativas na atuação dos executivos negros. Os executivos da primeira geração tiveram que construir isoladamente a trajetória de sua carreira, os da segunda geração, em um novo contexto, tendem a partir de uma ação coletiva pela possibilidade de desenvolver uma percepção positiva da sua identidade negra, apesar das situações de constrangimento racial ainda persistirem, a própria postura adotada é fruto de uma afirmação mais positiva da identidade.

Genericamente, Theodoro (2014) evidencia que os índices de desigualdade da população negra se expressam por meio da constatação empírica da precariedade das condições de vida dos afrodescendentes brasileiros, inclusive do ponto de vista da naturalização desse fenômeno. Portanto, a falta de oportunidades para a população negra é a consequência mais grave do racismo.

Daí as ações afirmativas se constituírem em elemento estratégico essencial para minimizar a discriminação racial, incluindo as cotas, não visando promover apenas relações sociais mais justas no que diz respeito aos aspectos internos da empresa, visto que, buscam principalmente ajudar no enfrentamento do racismo institucional, e suas bases culturais.

A convivência pacífica entre brancos e negros, atualmente não se concretiza nas grandes empresas, sobretudo nas posições mais altas. Buscar conscientizar ou sensibilizar para a discriminação e preconceito sem a participação dos negros não se apresenta como proposta viável ou mesmo efetiva.

Consequentemente, o enfrentamento do racismo envolve, por princípio, o desvelamento de relações de poder historicamente construídas. Isso implica uma revisão crítica das práticas consolidadas em nosso país.

 

A rigor, não há uma decisão formal sobre o veto a negras e negros no mercado de trabalho. Trata-se de um acordo tácito, em que ninguém precisa falar nada; está tudo subentendido. A política que discrimina os negros no trabalho raramente é deliberada formalmente – trata-se de um dado cultural internalizado por todos. Essa é uma das características do “racismo cordial” brasileiro. Ele funciona – e bem – sem que ninguém combine nada. Tudo flui impulsionado por uma cultura de exclusão do negro (SANTOS, 2006, p. 21).

 

O relatório "A Distância que nos Une: um retrato das desigualdades brasileiras", publicado e divulgado pela organização não governamental, Oxfam (2017), mostra que no Brasil 67% dos que recebem até 1,5 salário mínimo são negros, e que cerca de 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos e ainda para cada negro com rendimentos acima de 10 salários mínimos, há quatro brancos. A pesquisa conclui que as rendas de negros e brancos só estarão equiparadas no Brasil em 2089 (OXFAM, 2017, p.27-28). Evidencia-se, o preconceito étnico, concebido como uma antipatia baseada em uma generalização errônea e inflexível, que busca impedir os membros de um determinado grupo de usufruírem remunerações condizentes aos recebidos pelas outras etnias.

Os dados do relatório retratam o preconceito racial nas diferentes camadas da população negra. As desigualdades raciais no mercado de trabalho também atingem os negros pertencentes às classes médias e altas, ou seja,  mesmo para o reduzido número da população negra inserida em estratos economicamente mais elevados da sociedade, que chegam a galgar posições no topo da hierarquia social, observa-se obstáculos para converter a afluência de sua condição econômica em posição de status (FIGUEIREDO, 2004; BIDERMAN; GUIMARÃES ARAUJO, 2004; SILVA; REIS, 2011; TOSTA; ALVES, 2013; ROCHA, 2017). Condição discriminatória agravada ainda em um processo de aculturação que remete a ideia do branquear-se fisicamente e socialmente para dispor de oportunidades de ascensão pessoal e profissional (MAIO, 2017) e que, cuja discriminação e preconceitos se tornam mais intensos na condição da mulher negra de baixo poder aquisitivo. Conforme aponta Bairros (1991, p.192), “(...) “mais do que o sexo”, a raça carrega determinações contundentes na definição de uma participação menor das trabalhadoras negras nas ocupações socialmente mais valorizadas e, evidentemente, com melhor remuneração”.

Nessa cultura de discriminação e exclusão do negro se requer o resgate da práxis negra como categoria-chave com o processo de reconstrução simbólica do negro, isto é, o resgate de sua negritude, na condição de sujeito político que possa operar no plano simbólico, e subjetivo que estejam fundamentadas em novas percepções acerca da integração e superação da marginalização dos negros, como grupo social subalterno na sociedade ocidental.

 

(...) a negritude como método de observação participante representa a unidade entre a teoria e a prática no sentido de desalienar não apenas as populações negras, mas todos aqueles estratos populacionais que, de uma maneira ou de outra, se sentem oprimidos e/ou marginalizados pelo sistema dominante em qualquer parte (MOURA, 1983, p. 43).

 

Nessa perspectiva, o termo negritude significa consciência histórica, coletiva, forma de encetar a ação política, com o intuito de superar uma situação de marginalização objetiva e, em decorrência, combater o mito da democracia racial, não no sentido de uma fábula, mas sim, no sentido de examinar suas consequências práticas. Conforme destaca Guimarães (2003, p. 104) o “Mito não é só falsa ideologia, mito (...) é um discurso sobre a origem das coisas, um discurso sobre o dia-a-dia, que não precisa ser real, ao contrário, é efetivo apenas na medida em que orienta a ação das pessoas, em que dá sentido às relações sociais do dia-a-dia”. A superação desse mito requer atitudes estratégicas de enfrentamento. Em termos ideológicos, entre outros embates, envolve também enfrentar a pressão que a mídia e os intelectuais do sistema exercem sobre os estudiosos e militantes que afirmam a existência de um problema racial no Brasil (AZEVEDO, 1996).

Portanto, as ações propostas de combate ao racismo em nosso país, demandam a adoção de políticas sociais que incorporem o conceito de práxis como as ações afirmativas. Requerem, primeiramente, não simplesmente boas intenções, mas a operacionalização de uma reflexão que problematiza, e questiona as bases de organização da sociedade brasileira. Daí a imperiosa necessidade do conceito de práxis, ou seja, um contra discurso alternativo à modernidade eurocêntrica (GILROY, 2001), que possibilite avançar além do silêncio e a negação, que acompanham a complexidade do tema, historicamente associado à controvérsias e disputas. O capítulo seguinte apresenta as considerações finais.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A democracia racial constitui-se em mito ainda presente na cultura brasileira, e não se explica simplesmente tendo como referência as classes sociais, mas sim, indica o preconceito racial como elemento presente em nossa cultura.

Os dados da pesquisa apontam que o problema da desigualdade racial precisa ser encarado de frente e, não meramente ser escamoteado como questão resultante apenas da desigualdade socioeconômica. Isso porque, uma vez que, se o único problema de desigualdade no Brasil se remetesse apenas ao fosso entre pobres e ricos, logicamente, haveria uma representação paritária de negros, tanto nas classes populares, quanto nas classes dominantes.

Evidencia-se a necessidade de se pensar políticas sociais que minimizem essas desigualdades em questão, já que apenas o modelo clássico de políticas sociais não tem revertido o quadro de desigualdade entre brancos e negros. Há uma urgência em se focalizar este segmento da população, pois o processo de produção e reprodução do racismo continua a destituir essa população dos acessos mais básicos. É, então, no bojo desta questão que se faz necessária a incorporação da discussão das políticas de ação afirmativa no meio profissional. Identificou-se com a pesquisa que o apoio da gestão a implementação da diversidade é fundamental para que a pluralidade étnica se consolide no ambiente organizacional. Assim, para inserção do negro no mercado de trabalho de forma equânime se efetivar, é necessária a conjunção de políticas públicas afirmativas, e, no nível organizacional, fazem-se necessárias práticas que estimulem a diversidade nas empresas, o que implica por vezes, mudança de cultura organizacional.

Ao final da pesquisa, na perspectiva da definição de raça proposta por Guimarães (2003), confirma-se que, no Brasil, a democracia racial é um mito. Particularmente, no mercado de trabalho, observa-se reduzida participação dos afrodescendentes nas empresas brasileiras e, mesmo, para a ínfima proporção daqueles que alcançaram posição de destaque, os preconceitos e os estereótipos se fazem presentes. Evidentemente essa pesquisa possui limitações, se por um lado, oferece respostas importantes para o tema que os autores se propuseram a discutir, por outro, deixa sem respostas questões sobre as quais outros pesquisadores irão se interessar e, uma dessas questões, está relacionada aos riscos de dissolução e descaracterização de políticas públicas relacionadas às ações afirmativas que se constituem em importante elemento da erradicação da discriminação racial nas empresas, e de forma mais ampla na sociedade. Para futuras pesquisas sugere-se, em decorrência das mudanças no panorama global, analisar influências e peculiaridades das políticas públicas no combate do mito da democracia racial, que contínua sendo um obstáculo para se reconhecer o problema do racismo no Brasil

 

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DATA DE SUBMISSÃO: 29/09/2017

DATA DE APROVAÇÃO: 24/07/2018