Empreendedorismo negro e salões étnicos: possibilidades de resistências na (re)construção social da identidade negra

 

Black entrepreneurship and ethnic beauty salons: possibilities for resistance in the social (re)construction of black identity

 

 

Ana Flávia Rezende

Doutoranda do Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). E-mail: anaflaviarezendee@gmail.com. ORCID: 0000-0002-1926-0174

 

Flávia Luciana Naves Mafra

Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras (PPGA/UFLA). Doutora em Ciências Sociais - Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: flnaves@gmail.com. ORCID: 0000-0003-2501-8904

 

Jussara Jéssica Pereira

Doutoranda da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP). E-mail: jussarajpereira@gmail.com ORCID: 0000-0003-3202-8414

 

Resumo: Este trabalho aborda o caso de cinco empresários negros que possuem empreendimentos voltados para um público que há anos tem a sua estética e traços fenotípicos negados. Esses espaços, nomeados de salões étnicos, têm como finalidade cuidar do cabelo crespo e/ou cacheado de mulheres e homens negros. Frente a essa contextualização, pergunta-se: como empreendedoras e empreendedores negros enfrentam uma lógica de colonialidade nas relações sociais, mediante criação de negócios que partem da valorização e da identidade dos negros? Realizou-se a pesquisa de campo por meio de observações e entrevistas, e a partir destas colheram-se narrativas. As narrativas passaram por processos de síntese e de análise que permitiram sinalizar as motivações que dão suporte a esses empreendimentos, bem como o movimento de aceitação étnico-racial presente nesses espaços. Dessa forma, a principal contribuição deste texto é discutir a categoria cabelo como elemento constitutivo da identidade racial negra e a oportunidade de uma inserção mais autônoma no mercado de trabalho.

Palavras-chave: Colonialidade; identidade negra; salões étnicos e empreendedorismo.

 

Abstract: This paper addresses the case of five black entrepreneurs who own businesses dealing with a public that for years has denied its aesthetic and phenotypic traits. These spaces, branded as ‘ethnic salons’, aim to take care of the curly and / or Afro hair of Black men and women. In the face of this context, we ask: how can Black entrepreneurs and enterprises, confront colonial mentality in social relations, by creating businesses aimed at giving value to, and appreciating the identity of Black men and women? The field research was conducted via observations and interviews, collecting narratives from both. The narratives went through synthesis and analysis processes that allowed us to flag the motives behind these enterprises, as well as the racial/ethnic acceptance present in these spaces. Thus, the main contribution of this paper is to discuss ‘hair type’ as a constitutive element of Black racial identity, and the opportunity for more autonomy when entering the labor market.

Keywords: Coloniality; black identity; ethnic entrepreneurship and beauty salons.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Negro, negrinho, negritude e negrura não são só adjetivos sobre a cor ou o tom de pele, mas também “uma construção social persistentemente concebida como uma oposição à brancura”. Uma oposição que não só define o que é brancura, mas o que por ela é inferiorizado (MAPEDZAHAMA; KWANSAH-AIDOO, 2017, p. 1). Existe um peso em ser negro (AUSTIN, 2004) e esse peso se manifesta, dentre outras coisas, em estereótipos problemáticos e em construções sociais, (in)visibilidade, ônus da dualidade racial e fardo da minimização do racismo.

A trajetória dos negros, não só no Brasil como em outros lugares (EUA e França), foi marcada por desigualdade social, discriminação e preconceitos advindos de uma construção histórica e cultural de escravidão a partir da qual traços fenotípicos e cultura afro foram tratados como inferiores em comparação aos dos brancos (FANON, 2008).

O cabelo, nesse contexto, se mostra como um importante elemento constitutivo da identidade negra que, uma vez negado, impõe uma barreira para o enfrentamento da inferioridade e, até mesmo, reforça o racismo. A inferioridade perpassa, de acordo com Austin (2004), por aquilo que foi socialmente construído como preto, já que os significados que lhe são atribuídos são negativos (MAPEDZAHAMA; KWANSAH-AIDOO, 2017). A exótica, a mulata boa de cama, a negrinha, a nega do cabelo duro e o cabelo de “bombril” são alguns desses significados pejorativos. Portanto, não se trata de ter esta ou aquela ascendência ou de ter certa cor de pele e textura de cabelo, mas de ser socialmente construído como inferior.

Tal inferioridade resulta numa constante luta para não sentir vergonha dos cabelos crespos. Então, as pessoas passam a procurar alternativas e tratamentos químicos que alisam ou transformam os cabelos crespos em um símbolo de autoestima, consumo e orgulho pessoal (SANTOS, 2000). O discurso de autoestima está interligado a uma beleza concatenada aos padrões estéticos daquele que não é branco, mas também não tem a aparência/fenótipo negro. Essa aparência pode aumentar as possibilidades de melhor inserção no mercado de trabalho e, até mesmo, de ascensão social. Nota-se uma negação do cabelo crespo e, consequentemente, a proposição de uma identidade que nega a raça.

Por outro lado, na contramão da negação da identidade negra, nos últimos anos assiste-se ao fortalecimento de abordagens como Strong Black Woman (SBW) nos estudos organizacionais, erudição sobre a feminilidade negra ligada aos discursos pós-modernos sobre identidade e resistência (NELSON; CARDEMIL; ADEOYE, 2016) e, no Brasil, movimentos sociais como o Slam Resistência. Há, também, o fortalecimento dos empreendimentos econômicos de caracterização racial, associados à construção de uma identidade étnica (SANTOS, 2000). Dentre tais iniciativas, estão os salões de beleza voltados para o público negro, os quais defendem e compartilham a ideia de que o cabelo crespo é tão belo quanto o liso e de que a aceitação do fenótipo é parte de um processo de fortalecimento da autoestima e da identidade racial.

Os salões de beleza étnicos são empreendimentos mercantis que se constituem como empresas e locais alternativos para o consumo de outro padrão de beleza, uma vez que os discursos reproduzidos nesses empreendimentos seguem na direção de uma reafirmação étnica. Esses salões possibilitam a criação de uma estética "alternativa" em relação às imagens dominantes na estética ocidental (SANTOS, 2000).

No entanto, mesmo com o crescimento desses empreendimentos, sua proposta e sobrevivência enfrentam desafios cotidianos que podem ser observados a partir da perspectiva decolonial. Tal perspectiva se propõe a romper com paradigmas eurocêntricos e hegemônicos que assumem um ponto de vista universalista, neutro e objetivo, ocultando e calando o sujeito que fala, bem como o lugar epistêmico e geopolítico das estruturas de poder colonial (MALDONADO-TORRES, 2007). Sem esse rompimento, é impossível, de fato, compreender a violência, preconceito e racismo que se consolidam e operam por meio da colonialidade.

Apesar da força da colonialidade, Lugones (2015) sinaliza que não se deve pensar o sistema global capitalista como exitoso na destruição de povos, relações, saberes e economias, pois há uma resistência constante a esses processos. O colonizado deve ser pensado a partir do lócus fraturado, ou seja, do espaço duplamente construído pelo colonizado em tensão constante entre resistência e colonialidade.

A noção de lócus fraturado ajuda a compreender os salões étnicos, objeto de estudo deste trabalho, pois apesar de o cabelo crespo ser visto como uma marca de inferioridade, nesses espaços, por outro lado, existe a possibilidade de valorização e de ressignificação do estereótipo na luta contra a subalternização e na construção da identidade racial. Tal valorização pode ir além do indivíduo, chegando, até mesmo, ao grupo racial ao qual o sujeito pertence (GOMES, 2003). Além disso, essas empreendedoras e os empreendedores encontram na valorização do cabelo crespo, no desenvolvimento de técnicas específicas para tratá-lo, uma melhor inserção no mercado de trabalho. Mesmo com toda apropriação do sistema capitalista, entende-se esse tipo de empreendimento como uma forma um pouco mais autônoma do que a convencional de inserção de empreendedoras e empreendedores negros no mercado de trabalho.

Diante do exposto, tem-se a seguinte questão de pesquisa: como empreendedoras e empreendedores negros enfrentam uma lógica de colonialidade nas relações sociais mediante criação de negócios que partem da valorização da identidade dos negros? Assim, o objetivo deste trabalho é compreender como empreendedoras e empreendedores negros do ramo de salões de beleza especializados resistem à lógica da subalternidade e contribuem para a construção da identidade racial.

A contribuição deste trabalho se dá no âmbito das ações coletivas e antirracistas que estão se desenvolvendo na sociedade brasileira (JAIME, 2016). Primeiro porque se embasa empiricamente em trajetórias concretas de empreendedoras e empreendedores negros para discutir a categoria cabelo como elemento constitutivo da identidade racial. Segundo porque os resultados obtidos sugerem que existe a oportunidade de uma inserção mais autônoma no mercado de trabalho nos empreendimentos étnicos e, portanto, de uma oportunidade menos subalterna de inserção de tais empreendedoras e empreendedores negros. Assim, eles podem valorizar sua estética e oferecer aos seus clientes e funcionários condições menos colonizadoras para tratar o cabelo e, por meio dele, cultuar sua identidade.

Para apresentar o estudo realizado com base nas narrativas de empreendedoras e empreendedores negros proprietários de salões de beleza, estruturou-se este artigo em cinco sessões, sendo a primeira delas esta introdução. Na segunda sessão, discutem-se questões como colonialismo, colonialidade, subalternidade, racismo, empreendedorismo negro e salões étnicos, que subsidiaram teoricamente a construção do texto. Na terceira sessão, apresentam-se os procedimentos metodológicos e a análise dos dados. Na quarta sessão, tecem-se as considerações e, por fim, na quinta sessão, disponibiliza-se as referências utilizadas.

 

DO COLONIALISMO À COLONIALIDADE: SUBALTERNIDADE E RACISMO

 

A crítica ao mundo ocidental moderno e a resistência ao colonialismo podem implicar a forma como se escolhe gerenciar, trabalhar, pensar e decidir nas organizações contemporâneas (PRASAD, 2003).

Alguns autores revelam a prevalência de uma colonialidade epistêmica nos estudos organizacionais na América Latina (IBARRA-COLADO, 2006). Outros sugerem um desconforto em relação a um possível posicionamento colonizado dos pesquisadores brasileiros (MISOCZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005) e há também aqueles que abordam os efeitos do colonialismo no mundo contemporâneo, reconhecendo a necessidade de se descolonizar o campo de estudos organizacionais (ROSA; ALCADIPANI, 2013), bem como a necessidade de ouvirem-se vozes periféricas, ou seja, aquelas que não estão localizadas nos centros globais (ALCADIPANI et al., 2012).

A presença de múltiplas identidades no território brasileiro é um processo histórico (ROSA, 2014). Se, por um lado, o processo de colonização foi fundamental para as condições de multiplicidade entre essas identidades, ele também desencadeou o surgimento uma série de desigualdades relacionadas à experiência de dominação colonial que ainda permeia algumas sociedades contemporâneas (QUIJANO, 2005). A natureza colonial de um fenômeno se apoia no poder hegemônico da Modernidade (LANDER, 2005; QUIJANO, 2007).

Ao reconstruir histórica e politicamente a Modernidade tem-se, na Europa, uma noção coletiva de que a identidade europeia é superior em relação à dos povos e culturas não europeus. Tal noção advém do contraste entre o “nós” europeus e “aqueles” (ou “outros”) não europeus, consolidando a cultura europeia hegemônica. Tal construção da superioridade europeia garante e legitima vários tipos de racismo, imperialismo e visões dogmáticas do outro (SAID, 2007). É preciso, pois, reconhecer o mundo como um sistema além da Europa (DUSSEL; IBARRA-COLADO, 2006), mesmo que os padrões e modos de pensar eurocêntricos continuem a predominar na maioria dos lugares do globo (WALSH, 2012).

A colonialidade, face oculta da Modernidade, caracteriza-se pela violência justificada na superioridade da civilização europeia. Assim, a violência tornou-se parte do processo de modernização hegemônica que orientou uma razão emancipadora como razão libertadora. Os padrões estabelecidos pela Europa guiaram a formação do restante do mundo e, por isso, considerou-se justificável sacrificar e negar o outro em sexo, gênero e raça (DUSSEL, 2000).

A Modernidade se apresenta como um fenômeno do qual o mundo faz parte, mas cada parte possui posições distintas de poder (MIGNOLO, 2005). Assim, a perspectiva decolonial busca tanto a crítica à Modernidade e ao eurocentrismo como recuperar as contribuições latino-americanas do pós-colonialismo, mesmo que isso signifique afastar-se do cânone pós-colonial (BALLESTRIN, 2017). Trata-se de um “giro decolonial” que incita um movimento epistemológico para a renovação crítica das ciências sociais na América Latina no século XXI e que defende uma opção decolonial (BALLESTRIN, 2013).

O discurso de emancipação defendido pela Modernidade se apresenta como um mito (MIGNOLO, 2007) uma vez que ao mesmo tempo em que a Modernidade inclui (aqueles que lhe interessa - os dominantes), ela é usada como justificativa para práticas de violência (utilizada pela Europa em sua expansão mundial) contra todos aqueles não pertencem a esse grupo de emancipados (MIGNOLO, 2007; QUIJANO, 1992; DUSSEL, 2000).

Mesmo com o fim da colonização, a colonialidade ainda permanece como um esquema de pensamento que legitima discriminações e diferenças. A noção de colonialidade retoma as ideias do sociólogo peruano Aníbal Quijano, que elaborou o conceito de colonialidade do poder com o intuito de compreender o quadro histórico de desigualdades na América Latina. Essa colonialidade permite observar um padrão de poder constituído junto ao capitalismo moderno/colonial que se iniciou com a conquista da América em 1492 (BERNARDINO-COSTA, 2013).

A partir dessa conquista, instaurou-se o sistema-mundo moderno/colonial que originou um padrão de poder mundial pautado na ideia de raça. Assim, os sujeitos passaram a ser classificados e suas identidades raciais foram associadas a hierarquias, lugares e papéis sociais que respondiam a um padrão de dominação (QUIJANO,  2005)

A diferença colonial se articula, de acordo com Mignolo (2005), a partir das discussões acerca da etnorracionalidade, do lugar dos ameríndios na economia, da cristandade e silenciava-se diante da escravidão africana. O sistema mundo-moderno foi responsável por definir categorias que hierarquizaram pessoas a partir da raça. Desse modo, definiu-se quem eram os índios, os negros, os brancos e os mestiços (QUIJANO, WALLERSTEIN, 1992).

De acordo com Quijano e Wallerstein (1992), a categoria raça não foi apenas uma categorização imposta. As famílias socializavam os seus filhos nas formas culturais associadas a identidades étnicas, reforçando tais diferenciações que foram (e ainda são) amplamente utilizadas para dominar e explorar povos, as quais tomam forma com o racismo.

A partir da categoria raça, justificou-se a exploração do trabalho e os colonizadores definiram uma nova identidade, negativa, para as populações nativas colonizadas. Assim, pessoas vindas de diversas regiões da África, por exemplo, foram classificadas a partir de uma identidade colonial negativa, passaram a ser “os negros”. Já os colonizadores se auto identificaram como espanhóis, portugueses, ibéricos, britânicos, europeus ou brancos. Aqueles que eram fruto das relações entre as agora diferentes raças passaram a ser identificados como mestiços. Tal distribuição de identidades foi base para a classificação social da população das Américas (QUIJANO, 1999)

O racismo, segundo Fernandes e Souza (2016), dificulta a interação entre os diferentes grupos que compõem uma sociedade, pois ele é responsável por criar fronteiras simbólicas rígidas que criam binários e opostos, como natural/não natural; bom/ruim; autêntico/não autêntico (THOMPSON, 2009) ou até binário identitário, como ser branco/ ser negro (FERNANDES; SOUZA, 2016), que se pautam em estereótipos negativos que atribuem aos negros uma essência de inferioridade.

Os negros são incessantemente associados a posições sociais, econômicas e intelectuais inferiores aos brancos. Muitas pessoas, ao verem um negro, classificam-no como pobre e/ou duvidam de sua capacidade intelectual quando comparado aos brancos. Nesse cenário, os negros aprendem a conviver com a negação de seu posicionamento social e recorrem à naturalização do “lugar” do negro, do “papel” do negro (PATTILLO, 2003). É o que Fanon (2008) chama de construção do sujeito colonizado a partir de um discurso estereotípico, o qual estabelece uma falsa imagem que permite as práticas discriminatórias e os discursos racistas.

Quando Fanon (2008) escreve sobre os negros na França, nos anos de 1960 e 1970, em sua obra “Pele negra, máscaras brancas”, descreve um negro que quer embranquecer.  Que vê no branco a possibilidade de legitimação. É preciso pensar que a identidade negra não é construída apenas pela força do dominador, mas também pela aceitação e incorporação do subalterno. Identidade para Quijano (1992) não pode ser tratada como algo dado ou um atributo de entidades isoladas, nem algo que deve ser descoberto ou assumido: “A questão da identidade foi estabelecida na América Latina desde a violenta destruição das sociedades/culturas aborígenes pelos invasores europeus” (QUIJANO, 1992, p. 74). Diante dessa realidade, é preciso pensar a identidade como uma solidificação de relações produzidas, reproduzidas e modificadas, sendo assim, mutáveis, em processo e permanentemente inacabada. Uma vez que a legitimação de um povo ou a identidade dele depende do reconhecimento de sua cultura, seu modo de vida, sua língua, seus costumes e de suas especificidades inerentes a um grupo social, pode-se dizer que a identidade é construída em um processo de interação e de diálogo estabelecidos com os outros(FERNANDES; SOUZA, 2016; SOUZA, 2012; QUIJANO,1992).

Discutir, portanto, sobre identidade, estereótipos, cor da pele e questionar a naturalização dos atributos negativos vinculados aos negros é fundamental para enfrentar o racismo e estimular mudança social. A inferiorização dos negros perante os brancos ao longo dos séculos fixou no imaginário social das pessoas a ideia de que o negro é naturalmente inferior e que somente poderá ser reconhecido embranquecendo, seja pela miscigenação ou pela autoviolência estética.

 

EMPREENDEDORISMO NEGRO E SALÕES ÉTNICOS

 

A inclusão dos negros no contexto empresarial, como qualquer outro grupo que sofre com o preconceito, é complexa e paradoxal. Isso porque as chances de ascensão profissional não são iguais para todos, principalmente quando consideramos mulheres e homens negros (JAIME, 2016). Assim, inserção dos negros no mercado de trabalho brasileiro é marcada pela desigualdade racial (CHADAREVIAN, 2011), visto que, desde muito cedo, precisam enfrentar uma desvantagem significativa para serem reconhecidos profissionalmente e intelectualmente. Frequentemente, são associados ao caminho “torto” do crime e da violência ou pela fuga desse caminho pela trilha do trabalho desqualificado (MACIEL; GRILLO, 2009).

O preconceito na acessão e promoção dos negros (anos 1970) para cargos de destaque em grandes corporações fez com que estes adotassem estratégias individuais e defensivas que beiraram o autoembraquecimento. Todavia, no século XXI, os negros têm a oportunidade de se realizar nas organizações em que trabalham por meio das ações coletivas e antirracistas que estão se desenvolvendo na sociedade brasileira (JAIME, 2016).

É no contexto dessas ações que o empreendedorismo negro pode ser observado como uma forma ou tentativa de superar as relações desiguais e subalternas no mercado de trabalho. Existe uma influência social das relações étnicas brasileiras nas atividades empreendedoras. Além dos desafios que são inerentes às atividades de empreendedorismo no Brasil, as questões étnicas influenciam essa dinâmica, principalmente quando se fala em atividades de captação de recursos, de relacionamento com clientes, fornecedores e funcionários (OLIVEIRA; PEREIRA; SOUZA, 2013).

As relações raciais são, portanto, um aspecto do contexto social e histórico do Brasil que pode configurar as organizações como espaços de segregação social. Isso porque muitas organizações vão se constituindo ao longo de sua história como espaços simbolicamente privativos a determinados grupos sociais (NASCIMENTO et al., 2015). Em muitos desses espaços, as discussões raciais e sobre os problemas que atingem os negros na sociedade podem não ser bem vistas.

Os empreendimentos dos salões étnicos são espaços que permitem que os negros falem sobre questões relativas ao cabelo afro. Esses salões têm um papel fundamental no fornecimento de serviços de modelação do cabelo para mulheres negras, promovendo até o empoderamento dessas mulheres na comunidade. Apesar de o principal objetivo desses ambientes ser modelar o cabelo, ao entrar em um salão, negros encontram também um lugar de refúgio, no qual podem compartilhar experiências. Além disso, esses espaços oferecem oportunidade para empreendedoras e empreendedores negros estabelecerem seus próprias negócios, alcançando assim algum grau de liberdade  econômica (HARVEY, 2005; NIMOCKS, 2015).

Wingfield (2008) argumenta que o racismo sistêmico de gênero é um fator significativo e importante para as experiências de negócios das mulheres negras que atuam, principalmente, como proprietárias de salões de beleza. Nesse contexto, encontram-se os salões de beleza étnicos que têm claramente definido que o seu público-alvo são os negros e que buscam conquistar sua clientela por meio de um discurso que reúna identidade étnica, beleza negra e solidariedade por meio da valorização do cabelo afro.

Esses espaços são responsáveis por resgatar, produzir e desenvolver referências estéticas e identitárias que se contrapõem ao modelo hegemônico ocidental. Os salões étnicos estão no cerne das tensões que envolvem a construção da identidade negra no Brasil, uma vez que “nesses espaços, a identidade negra, enquanto processo, é problematizada, discutida, afirmada, negada, encoberta, rejeitada, aceita, ressignificada e recriada” (GOMES, 2002, p. 179).

Outro fator de impacto nessas questões é o racismo sistêmico de gênero, como sugere Wingfield (2008), que induz a padrões de negócios entre as mulheres negras entendidos como “economias de cunho racial”. Esses, por sua vez, refletem em realidades de raça e de gênero como fatores sistêmicos para a criação de experiências empresariais únicas, muitas vezes negligenciadas pela academia em gestão.

Ao se autodenominarem “étnicos” e se apregoarem como divulgadores de uma autoimagem positiva dos negros em uma sociedade racista, os salões se colocam no centro de uma luta política e ideológica. “A questão racial, em um país racista, sempre será política e ideológica” (GROSSI, 2005, p. 164), pois se contrapor ao racismo é se contrapor a práticas, posturas e ideologias. Exige posicionamento e mudança de comportamento (GOMES, 2002).

Para Sansone (2000), é possível falar por meio do cabelo, uma vez que ele pode ser manipulado e adornado de diferentes maneiras. Existe um movimento que reconhece as mudanças das representações sobre o corpo negro e o cabelo black, apesar de este, muitas vezes, ser representado como cabelo duro. Assim, assumir o cabelo crespo natural que toma a forma de black colabora para uma eclosão de uma estética negra que contribui para a ressignificação do cabelo crespo.

O cabelo é simbólico e assume significados nas várias dimensões da cultura e da vida negra. Em algumas culturas, ele possui até mesmo conotação religiosa e espiritual. Na África, por exemplo, o cabelo era usado para designar idade, religião, posição social e até estado civil. O cabelo é intrinsecamente ligado à identidade cultural de um povo. Os europeus, durante a escravidão negra, com a intenção de desumanizar os africanos, cortavam os cabelos dos escravizados que chegavam às Américas. Cortar o cabelo significava cortar a cultura africana. Representava, também, a remoção de qualquer vestígio da identidade africana, por conseguinte, a remoção dos cabelos dos escravizados por seus donos era a primeira forma de suprimir-lhes a identidade (JOHNSON; BANKHEAD, 2013; SYNNOTT, 1987).

Os movimentos sociais de fortalecimento da identidade negra contribuem, de certa maneira, para uma nova representação sobre os negros e o seu cabelo. Tal mudança encontra suporte por meio do acesso a espaços de beleza direcionados ao cuidado com o corpo e com os cabelos afro, além de mudanças na forma como os negros lidam com a diferença racial inscrita em seus corpos e nos seus tipos de cabelo. A abordagem de tais aspectos contextualiza e fundamenta a realização deste estudo qualitativo, cujos procedimentos metodológicos e a análise dos dados obtidos apresenta-se a seguir, na sessão seguinte deste trabalho.

 

PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS E ANÁLISE DOS DADOS

 

Este estudo qualitativo foi realizado em cinco salões de beleza localizados na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Estes são classificados por suas empreendedoras e seus empreendedores como espaços dedicados à valorização da estética negra ou da beleza étnica africana, considerando a diversidade humana, ou como salões de beleza étnicos.

Para a coleta de dados, utilizou-se a observação nos espaços e dos momentos de interação nos salões de beleza, além de entrevistas via história oral (GODOI; BANDEIRA-DE-MELLO; SILVA, 2006; VERGARA, 2005). As entrevistas de história oral permitiram colher informações a respeito dos empreendimentos, considerando-se o negócio como uma extensão da vida dos sujeitos. A escolha da história de oral se justificou pela necessidade de escutarem-se as histórias dos sujeitos e de identificar como estes constroem sentidos sobre si mesmos e narram os fatos que lhes aconteceram, bem como de compreender as contradições (colonialidades) em suas narrativas.

As entrevistas foram realizadas com três empreendedoras e dois empreendedores, todos negros e proprietários dos salões de beleza. No Quadro 1, é possível observar o perfil dos entrevistados. No intuito de preservar-lhes a identidade, optou-se por utilizarem-se nomes fictícios para representá-los.

 

 

Quadro 1 - Quadro sintético do perfil dos sujeitos da pesquisa

Entrevistados

Sexo

Idade

Profissão

Grau de escolaridade

João

Masculino

43 anos

Cabeleireiro

Graduado em Gestão Ambiental

José

Masculino

49 anos

Cabeleireiro e maquiador

Ensino Médio completo

Joana

Feminino

55 anos

Empresária e cabeleireira

Ensino Médio completo

Juliana

Feminino

25 anos

Empresária

Graduada em Ciências do Estado

Júlia

Feminino

61 anos

Empresária e cabeleireira

Ensino Médio incompleto

Fonte: elaborado pelas autoras

 

 

Analisaram-se os dados obtidos por meio do método Análise de Narrativa (BASTOS; ANDRADE BIAR, 2015). Através das narrativas, os sujeitos conseguem expressar experiências de vida a partir da construção de sentido sobre si mesmos. As histórias contadas pelos sujeitos permitem compreender acontecimentos da vida social.

As categorias de análise, a) o salão com espaço de discussão e militância negra e b) a luta constante pela afirmação da identidade negra no contexto capitalista, surgiram da leitura e da análise detalhada dessas narrativas, buscando-se identificar significados compartilhados pelos narradores em suas falas. Em um primeiro momento, cada entrevista foi analisada separadamente. Num segundo momento, as narrativas foram lidas de modo integrado, buscando-se identificar aspectos e eventos marcantes na trajetória e na construção da identidade dos sujeitos. Tais aspectos e eventos foram sinalizados e denominados respeitando-se as palavras e as expressões utilizadas pelos entrevistados. Assim, surgiram as primeiras categorias de análise. Após a análise prévia, reagruparam-se os discursos em um número menor de categorias. Tal redução se mostrou pertinente ao objetivo da pesquisa e também coerente com a abordagem teórica que suporta este trabalho.

 

O salão com espaço de discussão e militância negra

 

Os salões estudados foram criados, em sua maioria, para suprir uma necessidade pessoal ou familiar de identidade e de sobrevivência. Representam a busca por uma posição no mercado que, historicamente, tem sido negada aos negros. Além da inserção no mercado de trabalho, o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e confiança necessários para a realização desses empreendimentos surgiram no âmbito da família. Todos os entrevistados são negros e cresceram em famílias negras, nas quais vivenciaram, diariamente, as demandas específicas para cuidar do cabelo afro. Tais questões despertaram o interesse em investir em negócios para atender a esse público, como exemplificado nas narrativas seguintes:

 

Excerto 1: José

“Entrei na profissão para resolver uma necessidade de família. Nós somos sete irmãos, sendo quatro homens e três mulheres, e era uma constante decepção quando íamos no salão. Mamãe para ter satisfação quando cuidava do dela, ela percorria longas distâncias para procurar pessoas que sempre cuidaram dela e que, na maioria das vezes, não estavam atendendo ou atendiam quando queriam. E, quando ela se entregava nas mãos de qualquer outro, não dominavam cabelo crespo. Então, era uma necessidade de resolver a necessidade do crespo em casa. Foi assim que eu parti pra profissão, eu percebi que boa parte da família sofria do mesmo problema e os meus primeiros clientes passaram ser a própria família” (JOSÉ, 2016).

 

Excerto 2: Joana

“Trabalhei trinta anos aqui no fundo do quintal. Trabalhei, assim, comecei com família, trabalhei no cabelo da família, trabalhei no cabelo dos amigos, sabe ...” (JOANA, 2016).

Juliana (excerto 3) relata que a motivação de abrir o seu próprio salão surgiu do desejo de oferecer aos potenciais clientes um espaço no qual não se utiliza nenhum tipo de produto químico para tratamento ou cuidado com o cabelo crespo.

 

Excerto 3: Juliana

“Eu tentei chegar a dialogar com alguns salões de Belo Horizonte, pra eles abordarem essa forma [cuidar do cabelo afro sem utilizar produtos químicos que alisam o fio] e eles foram muito resistentes. Até porque, economicamente, financeiramente, a química é a maior receita do salão. Então, você abrir mão disso é você abrir mão de dinheiro” (JULIANA, 2016).

 

De todos os espaços analisados, o salão de Juliana (excerto 3) é o único que não oferece tratamentos químicos para alterar a estrutura dos cabelos crespos, adotando uma postura mais radical. Nos outros salões estudados, apesar de ser possível passar por processos químicos que alteram a estrutura do cabelo, a primeira opção a ser oferecida ao cliente são sempre os tratamentos não químicos. Existe uma conversa com o cliente no intuito de mostrar a ele as possibilidades de usar os fios sem nenhum processo químico ou até mesmo penteados alternativos, que também remetem ao conceito de identidade racial, como é o caso das tranças.

Em todos os casos, porém, a busca por um tratamento capilar oferece a oportunidade de discussão sobre o significado do cabelo, dos padrões de beleza, das escolhas e sobre a autoestima. Além dessas questões, com essa forma de trabalho, os salões enfrentam, também, padrões relativos ao modelo hegemônico de negócio ao questionarem ou evitarem o uso de produtos químicos. O produto químico é um dos elementos centrais da indústria da beleza: além de gerar mais receita também gera patentes quando se desenvolve um novo produto. Todavia, quando se utilizam técnicas manuais para o cuidado capilar, que não estão disponíveis de forma abrangente no mercado, como as tranças, isso significa uma perda de receita para o salão ou para o desenvolvedor da técnica - se compararmos com a opção de uso dos produtos químicos.

Todos os entrevistados tiveram que lidar com a dificuldade de capacitação profissional para manter o seu negócio. Apesar de possuírem muito conhecimento oriundo da prática e das vivências no seio familiar, as empreendedoras e os empreendedores negros relataram que gostariam de ter desenvolvido suas habilidades em cursos profissionalizantes - o que não desmerece o conhecimento e o modo de organizar-se e de empreender desses profissionais (CARRIERI; PERDIGÃO; AGUIAR, 2014). Todavia, segundo os relatos, os cursos que existiam ou não ofereciam aprofundamento nas técnicas de tratamento natural do cabelo crespo ou eram voltados principalmente aos processos de alisamento do cabelo, como Júlia relata no excerto 4.

 

Excerto 4: Júlia

“Então, você chegava lá [nos cursos profissionalizantes], você tinha que aprender a alisar o cabelo. Então, eu alisava tudo mal alisado, porque aquele negócio ardia. Eu decidi: “Eu não quero mexer com esse negócio de alisar não”. E a professora falou: “Não? Se você não fizer esse alisamento, você não passa. Então, eu deixava de fazer as escovas, tanto é que hoje eu não faço escova em cabelo nenhum. Eu tinha birra de deixar aquele cabelo muito liso. Então, mais pra frente, eu fui ver o porquê do meu questionamento. Era desculpa pra não deixar aquele cabelo tão liso. Porque eu não tinha aquele cabelo tão liso...” (JÚLIA, 2016).

 

No excerto 4, Júlia afirma que os cursos profissionalizantes voltados para o cuidado do cabelo crespo buscavam perpetuar um padrão branco de beleza, no qual os cabelos bonitos eram os lisos e compridos (SANTOS, 2000). Mesmo assim, Júlia, ao relatar que “alisava tudo mal alisado” (excerto 4), resiste a essa colonialidade, ao padrão eurocêntrico cujo poder ainda determina vários âmbitos da sociedade. Quijano (1992) sinaliza que essa colonialidade possui a capacidade de pressionar para a imitação e a reprodução, justamente o que aconteceu no curso profissionalizante de Júlia, que afirmou só ser possível terminá-lo depois de aprender a alisar cabelos crespos.

Em função disso, as empreendedoras e os empreendedores tiveram dificuldades de contratar pessoas para trabalhar nos salões. Frequentemente, contratavam-se familiares, pessoas que compartilharam as dificuldades e a trajetória de autoaprendizado ou, então, pessoas que eram capacitadas pelas empreendedoras e pelos empreendedores dentro dos próprios salões. Dois dos cinco salões oferecem cursos de capacitação para o público que tem interesse em aprender a cuidar de cabelos afro. As aulas acontecem nas segundas-feiras, único dia em que os salões não atendem ao público. Os cursos são pagos, mas também se ofertam bolsas para alunos carentes.

Foi assim que muitos se tornaram instrutores em cursos criados para atender às demandas específicas de um público negro. Com tudo isso, esses espaços se mostraram mais do que simplesmente lugares para cuidar dos cabelos. Neles, negros compartilham experiências e lutam por uma maior aceitação racial, como é relatado por José, excerto 5.

 

Excerto 5: José

“Para o negro era escola [o salão era visto pelo negro como uma escola]. E quando tinha um negro na cadeira e essa mesma atitude eu tomava, ele ajudava o outro a compreender. Porque, muitas vezes, como eu disse, a maior dificuldade não foi fazer o branco aceitar as novas técnicas e possibilidades, ele não aceitou. Foi fazer o negro que estava com os hábitos perturbados entender as possibilidades que tinha. Então ele, muitas vezes, questionava muito para poder compreender. E quem é que ajudava ele [cliente 1] a compreender? Era o cliente [cliente 2]. Não era eu, era o cliente que já tinha compreendido. Então ele se metia na conversa com o outro. Então a interação entre clientes de mesma etnia, de mesmos hábitos, de mesmo tipo de cabelo, ele [cliente 2] ajudava o outro [cliente 1] a compreender” (JOSÉ, 2016).

 

Na narrativa de José (excerto 5), observa-se que a experiência nos salões contribui para uma mudança de foco: os clientes negros não estão preocupados (agora) com a aceitação do padrão estético branco, e sim com a mobilização dos negros (JAIME, 2016). Isso é uma mudança significativa quando se pensa sobre a busca pelo embranquecimento que muitos negros vivenciaram (FANON, 2008): trata-se de um movimento oposto a essa busca por se transformar em quem não se é. Hoje, os negros (ou os clientes negros) buscam reconstruir sua própria identidade tendo como referência padrões estéticos diferentes dos padrões hegemônicos.

Os negros que outrora tinham dificuldades em cuidar de seus cabelos nos salões ditos tradicionais encontram, nesses espaços, um lugar onde o natural é valorizado. A narrativa de José, excerto 5, revela uma mudança nessa realidade; os salões afro passaram a possuir status de escola, uma vez que neles acontece “a interação entre clientes de mesma raça, de mesmos hábitos, de mesmo tipo de cabelo” e o próprio sujeito “ajudava o outro a compreender” (excerto 5).

Os salões de beleza étnicos, ao mesmo tempo em que são empresas (empreendimentos mercantis), são também espaços alternativos para a construção de um padrão de beleza afro, uma vez que os discursos nesses ambientes fortalecem uma afirmação étnica e racial. Dessa forma, tais espaços de valorização estética cumprem importante função política no contexto das relações raciais estabelecidas na sociedade brasileira (GOMES, 2002; SANTOS, 2000).

 Os empresários e os clientes que compreendem o movimento preocupam-se em mostrar para os novos clientes que eles são belos com seus cabelos naturais. Que o fio liso é um padrão de beleza imposto e que optar pelo uso do cabelo natural deve ser uma escolha esclarecida e não uma imposição ou uma atitude cujo intuito é de se tornar menos negro (pelo menos aparentemente). Assumir o cabelo natural é um processo longo no qual a pessoa conhece o seu próprio cabelo e redescobre a sua identidade racial simultaneamente. Os aspectos que outrora se ocultavam em consequência da busca por um padrão de beleza branco-europeu (FANON, 2008) fortalecem, nesse contexto, a identidade racial. Como mostra Juliana (excerto 6), ao narrar o que motivou a criação do salão:

 

Excerto 6: Juliana

“...quando eu pensei aqui [o salão], eu pensei assim: “Não quero vender solução pro cabelo de ninguém”. Porque o cabelo não é um problema pra ser solucionado. A gente vai fazer o seu cabelo ser o seu cabelo. É, e tem umas questões também, assim, muito legais. Eu atendo mulheres militantes, que sempre se preocuparam... Mas, assim, sempre usaram cabelo natural, pererê, parará e que nunca frequentaram o salão. E, pela primeira vez, elas acharam um ambiente que elas se sentem à vontade... E mesmo aqui, nesse ambiente, que está todo mundo sempre conversando muito e aí, a gente se descobre e se fortalece, né. Vira uma rede de articulação” (JULIANA, 2016).

 

É importante observar que a busca pelo cabelo natural não é repentina. O uso do cabelo natural se dá por um processo lento de aceitação. Muitas mulheres que alisavam os seus cabelos desde a infância e que aceitavam um ideal embranquecido de beleza procuraram os salões étnicos na busca de um alisamento perfeito. É possível observar na narrativa de Juliana (excerto 6) que os salões étnicos se tornaram espaços seguros, também, para quem é militante do movimento negro, por exemplo.

Corroborando com a narrativa de José (excerto 5), Juliana (excerto 6) sinaliza que se posicionando como militantes ou não, nos salões étnicos, as pessoas podem compartilhar experiências que as fortalecem enquanto identidade racial e conversar sobre as lutas dos negros na sociedade brasileira.

Os salões voltados para o público afro exercem um papel de rompimento com estereótipos relacionados ao cabelo crespo e apontam a necessidade de desenvolver-se um empoderamento estético a partir da valorização da beleza negra. A dinâmica dos salões, narrada pelos entrevistados, reforça a ideia de que cabelo é um símbolo de resistência ao racismo. Então, é preciso (re) descobrir os cabelos - a estrutura e textura real dos fios sem processos químicos, sem alteração com ferro quente – e, assim, (re) construir a identidade negra.

 

Excerto 7: João

“Cliente que chega com algumas ideias estereotipadas sobre cabelo crespo, a gente explica. Ah, cabelo ruim, cabelo ruim, tem que ser cortadinho, tem que ser baixinho, tem que ser raspado. E a gente explica que não tem cabelo ruim, existe cabelo maltratado. Então, cada um tem o cabelo da sua etnia. E o cabelo crespo ele não é liso, ele é crespo. Ele tem volume, tem vida própria, ele tem tudo. A gente tenta justificar isso na cabeça da pessoa pra ela entender, aí, depois disso, a pessoa entende.  ‘Ah, é mesmo´, meu cabelo é assim mesmo, é isso mesmo. Hoje em dia, as pessoas estão aceitando um pouco mais.” (JOÃO, 2016).

 

Ao chegar nos salões étnicos com ideias estereotipadas sobre o cabelo crespo como, por exemplo, “ah, cabelo ruim tem que ser cortadinho, tem que ser baixinho, tem que ser raspado”. (excerto 7), os clientes externam o que Fanon (2008) trata como o complexo de inferioridade que os negros sofrem. Ocorre uma epidermalização da inferioridade, na qual nasce uma necessidade de não ser preto.

 A epidermalização da inferioridade foi utilizada por Franz Fanon (2008) como uma metáfora. A intenção é tornar mais didático o conceito que ele apresenta sobre a inferioridade que os negros sentem quando se relacionam com os brancos. Em outras palavras, é o comportamento que emula o homem branco. Assim, os negros se transformam em sujeitos escravos de sua aparência. Observa-se que existe uma tentativa de reduzir a construção social dos negros ao oposto do que seriam os brancos, levando-os a elaborar um esquema corporal histórico-social de acordo com elementos fornecidos por um outro, o branco, e não por eles próprios (FANON, 2008).

 

A luta constante pela afirmação da identidade negra no contexto capitalista

 

Os negócios voltados para o público negro se mostram promissores diante de um aumento de 21,4 milhões de pessoas para 23,5 milhões (quase 10%) entre os anos de 2003 a 2013 (BEDÊ, 2015). Desses negócios, 22% estão no ramo de cabeleireiros. Apesar desse cenário promissor, tudo aquilo que é voltado para a beleza negra ainda sofre muito preconceito, temática abordada nesta categoria de análise. Até a proposta de negócio (salões étnicos) não é bem vista, tanto por clientes (brancos) quanto pelo próprio mercado da beleza. José (excerto 9 e excerto 10) e Joana (excerto 11) sinalizam as dificuldades de se possuir um negócio voltado para o público negro.

 

Excerto 9: José

“[...] Nós não tínhamos mais a timidez de assumir [assumir o salão como um espaço voltado para o público negro], de dizer... automaticamente a gente viu essa clientela [os clientes brancos] ser penhorada, e realmente quem não estava confortável foi pouco a pouco se evadindo” (JOSÉ, 2016).

 

Excerto 10: José

“Quando chegava e encontrava o salão cheio de jabuticaba [termo usado, pela comunidade negra, para caracterizar pessoas negras], falavam: “seu trabalho é diferente, né”! Esse diferente doía no meu íntimo. Meu trabalho é diferente?” (JOSÉ, 2016).

 

Excerto 11: Joana

“É enfrentar mesmo uma batalha ... Porque a discriminação é muito louca. Teve um dia que falaram com uma professora assim: “Você não vai no salão de gente normal. Não é normal. Me chamam de louca, me chamam de burra.” (JOANA, 2016).

 

A imagem dos salões étnicos é estigmatizada. A pele é usada como significado chave para as diferenças culturais e raciais que se estabelecem no estereótipo (BHABHA, 1998). O cliente branco e os colegas de profissão não conseguem perceber uma possibilidade de negócio quando é direcionado para um público que há anos é marginalizado. Existe uma negação em relação ao fato de que produtos, serviços ou negócios orientados para o público negro sejam promissores, apesar das mudanças econômicas e sociais pelas quais os negros passaram. E empreendedoras e  empreendedores são taxados de “burros”, “loucos”, pois precisam enfrentar a questão do não reconhecimento profissional e intelectual aos quais os negros são submetidos (JAIME, 2016).

Para sobreviver nesse contexto os empreendedores resistem a uma lógica de dominação e se aceitam como negros e defensores de uma causa. O fato de se intitularem “étnicos” e tomarem para si o papel de divulgar e estimular a autoimagem positiva do negro em uma sociedade racista, os salões e suas donas e donos se colocam no centro de uma luta política e ideológica (GOMES, 2002). Essa luta se manifesta desde quando as empreendedoras e os empreendedores buscam uma área para alugar e iniciar as atividades, como Júlia conta no excerto 12.

 

Excerto 12: Júlia

Meu pai tinha carro próprio, nós temos casa própria, graças a Deus e tal ... Aí, ela [a responsável pelo aluguel de imóveis] pediu o fiador com renda. O meu pai tinha... Era esse fiador com renda e com imóvel. Aí, ela pediu mais um com renda. Beleza, arrumei. Aí, ela pediu um terceiro. Aí, eu questionei ela: Por que um terceiro, se ela me falou que são dois fiadores? Aí, ela: Ah..., né. Aí, eu entendi o porquê, entendeu? Aí, não adianta a pessoa falar: ah não! Vocês que são preconceituosos, são racistas. Eu estava na [nome de um bairro nobre da cidade de Belo Horizonte], uma negra falando de salão, né, em 87 [1987], 86 [1986], falando de salão afro. .... Aí, eu arrumei o terceiro, que foi o meu padrinho, que ele tem várias casas alugadas. Aí, eu arrumei o terceiro e falei: Aqui, olha. Aí, ela olhou e tal e tal: Ah, esses imóveis são todos dele? São todos dele” E tal e tal... E aí, beleza, assinou lá e estou aqui há trinta anos (JÚLIA, 2016).

 

Júlia (excerto 12) narra os empecilhos que foram colocados por uma funcionária de uma imobiliária para que ela alugasse um espaço para abrir seu salão de beleza afro. Por ser negra e estar em um bairro nobre da cidade de Belo Horizonte - MG, falando sobre uma proposta de negócio voltado para o público negro, foram exigidos de Júlia mais de dois fiadores (número suficiente) para que ela conseguisse alugar o imóvel. A desconfiança pautada no preconceito fez com que Júlia tivesse que se esforçar mais do que o esperado, superar todos os obstáculos colocados pela imobiliária e assim conseguir alugar o espaço (OLIVEIRA; PEREIRA; SOUZA, 2013). Como se constata no relato de João (excerto 13).

 

Excerto 13: João

As negras estão se aceitando melhor, elas querem chegar em uma loja e comprar produtos para si. Então, os donos de lojas e empresários, eles querem dinheiro. Não interessa se é preto, se é branco, eles querem o dinheiro. Aí eles vendem. Mas não é por que eles querem vender para o negro. Se ele pudesse ter o dinheiro deles e não ver ninguém, eles não viam. Não sei se é o dinheiro das pessoas negras é diferente, não sei. Eles acham que negro não bebe leite, não anda de carro, não desfila, não compra nada. Mas você chega lá com seu dinheiro, até as pessoas que têm dinheiro, mesmo impondo o poder financeiro em cima, ainda não são aceitas nessa sociedade, a sociedade não aceita (JOÃO, 2016).

 

O relato de João (excerto 13) retrata a apropriação e o desvirtuamento que o mercado faz das demandas de identidade negra. Mesmo numa sociedade capitalista na qual é possível conquistar um determinado poder aquisitivo, o negro permanece sendo discriminado. A narrativa de João (excerto 13) mostra que, mesmo possuindo poder aquisitivo, negros ainda não são tratados como consumidores (ou quando o são, devem consumir produtos que foram feitos para outros perfis de consumidores). Sendo assim, recebem pouca atenção do mercado da beleza e são tratados como inferiores, inclusive em suas demandas. Essa contradição é sustentada por meio da colonialidade do poder (QUIJANO, 2005) que, ao classificar as pessoas com base em hierarquias raciais, associa mulheres e homens negros à determinadas posições sociais.

Pela ótica do consumo, ocorreram mudanças nas quais os negros passaram a ser tratados de uma nova forma, como João (excerto 13) sinaliza ao falar que os donos de lojas e empresários buscam dinheiro e as negras estão dispostas a pagar por produtos, por exemplo atualmente existe uma variedade de produtos para cabelos afros e cacheado. Dessa forma, muitos empresários vendem por diferentes motivações que não incluem oferecer ao público negro algo que lhes foi tirado, como um tratamento que reforce sua identidade racial, mas por vislumbrar as leis capitalistas cuja oferta e demanda geram ganho em capital.

É preciso analisar que o mercado tradicional foi direcionado para o padrão de beleza hegemônico e não para as demandas específicas dos negros. Ou seja, há uma disputa ainda maior por um público negro que pode – graças a várias conquistas – consumir.

 

Excerto 14: Joana

... eu estou falando pra você que eu ouvi: “Que dia, Joana, que você vai parar de trabalhar para preto, pobre? .... Que eu vi um empresário... uma pessoa falando: preto não tem dinheiro nem pra comprar sabonete, vai comprar produto importado? (JOANA, 2016).

 

Excerto 15: Juliana

... aí, o fornecedor, tipo assim, ele não entende como que você vai sustentar o negócio sem mexer com química. Então, não, mas tem esse aqui. Ele não tem cheiro. Meu bem, o problema não é cheiro. O problema é que minhas clientes têm um cabelo maravilhoso já e elas não precisam de química. Não! Mas não é cabelo ruim que você trabalha? Não, cabelo ruim.... Aqui, a gente não trabalha com cabelo ruim não. A gente trabalha com cabelo. Entendeu? A gente trabalha com cabelo. As pessoas acham que o negro não possui dinheiro para comprar um produto que custa mais do que $10,00 reais ... (JULIANA, 2016).

 

Mesmo percebendo uma mudança no padrão de consumo por parte da clientela negra, fornecedores e o próprio mercado ainda enxergam esse público como pessoas sem potencial de consumo. Essa forma de enxergar os negros, vinculando identidade racial com perfil econômico, reflete as arbitrariedades e as dificuldades de se empreender na realidade brasileira (OLIVEIRA; PEREIRA; SOUZA, 2013). Para as empreendedoras e os empreendedores negros, existem ainda mais obstáculos em nossa sociedade e eles se perpetuam até os dias de hoje. Após o fim da escravidão, os negros, totalmente submetidos ao sistema escravista, assumiram o papel de desempregados ou migraram para postos de trabalhos menos qualificados. Como consequência, adquiriram rendimentos (salários) menores (MACIEL; GRILLO, 2009).

Ao longo dos anos, os negros alcançaram muitas conquistas e modificaram essa realidade. Porém, ainda existe um imaginário e colonialidade, no qual todo preto é pobre e, por isso, não é vantagem trabalhar para ele, já que não tem condições “nem para comprar sabonete”, como Joana relata no excerto 14. O sistema capitalista alimenta e reproduz preconceito e racismo quando usa tais argumentos para classificar um negócio, um empreendedor ou um consumidor.

Contrariando esse imaginário em um ambiente de consumo, negros querem adquirir produtos e serviços desenvolvidos especificamente para eles.  No entanto o mercado, as indústrias e as lojas não estão preocupados em atender às demandas dos negros como consumidores em potencial. É por causa desse fato que antigamente existiam poucos produtos de cabelo para esse público. Todavia, hoje o sistema capitalista já incorporou essa crítica e oferta uma gama de produtos para cabelos afro e cacheados nas prateleiras das lojas. 

 

Excerto 16: José

Via um megahair sendo feito na frente, uma trança afro sendo feita no meio, um outro lá bacana, um outro lá fazendo um trabalho para poder cachear com um produto que não era tão cheiroso, porque os produtos infelizmente, para mexer em cabelos crespos eles não são perfumados como os produtos para cabelo branco (JOSÉ, 2016).

 

Mesmo tendo os mesmos recursos financeiros e demandando mercadorias, o produto para cabelos crespos é de pior qualidade. O mercado se apropria das demandas dos negros e oferece a eles um único produto, químico, com atributos inferiores àqueles desenvolvidos para consumidores brancos. O problema dos produtos vai além do mau cheiro que é sinalizado por José (excerto 16) e Juliana (excerto 15). De acordo com Nimocks (2015), muitas mulheres sofrem com os produtos utilizados para alisar os fios crespos, uma vez que eles possuem substâncias químicas que causam desde queimaduras no couro cabeludo até problemas sérios de saúde, como câncer.

Os salões de beleza étnicos, com todo seu potencial de mudança e de suporte à construção de uma identidade racial (ou, talvez, exatamente por isso), enfrentam dificuldades que perpassam desde o perfil dos clientes - que enraízam os padrões hegemônicos; de mercado - na resistência de prestadores de serviços e de fornecedores que insistem em não reconhecer direitos de empreendedoras e empreendedores, oferecendo-lhes produtos de baixa qualidade; de concorrentes - que desqualificam as iniciativas. Todas essas atitudes reforçam o padrão hegemônico de beleza.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este trabalho buscou compreender como empreendedoras e empreendedores negros do ramo de salões de beleza especializados resistem à lógica de subalternidade e contribuem para a construção da identidade racial. O preconceito no Brasil não é quebrado pela atuação dos salões étnicos ou pela aceitação do cabelo afro, o que acontece é a emergência de uma cultura que há tempos vem sendo silenciada. Nesse movimento, negros sinalizam a necessidade de terem as suas demandas atendidas e a sua identidade respeitada.

Os salões étnicos são espaços que permitem o cuidado com o cabelo afro ao agrupar vários negros que possuem essa demanda em comum. Nesses espaços, tais clientes são ensinados a conhecer o seu cabelo na sua forma natural e existe todo um trabalho de desconstrução dos padrões estéticos estabelecidos. Sendo assim, os salões de beleza étnicos também se apresentam como uma forma de resistência à colonialidade na medida em que produzem, reproduzem e mantêm conhecimentos específicos, fora do eixo capitalista dominante.

Desenvolver uma pesquisa com e dentro do ambiente dos salões étnicos fortalece empiricamente o projeto desenvolvido a partir da noção de colonialidade do poder. Este projeto sinaliza a necessidade de recuperar histórias até então silenciadas pela dinâmica Modernidade/racionalidade. Com ações nesse sentido, subjetividades até então reprimidas e conhecimentos que eram subalternizados ganham status de protagonistas.

A partir da análise de todas as categorias selecionadas neste trabalho, percebe-se que existe uma luta pela aceitação do cabelo afro, o qual reflete em maior aceitação racial uma vez que ele é tão externo quanto a cor da pele. Sendo assim, ao assumir seus fios naturais, mulheres e homens negros se movimentam na direção de uma aceitação étnica racial. Aceitar o cabelo crespo é um grande passo em direção à autoaceitação dos sujeitos como negros.

Ao descrever suas próprias relações familiares, nota-se nos relatos dos entrevistados que as motivações que dão suporte aos empreendimentos surgem de necessidades pessoais, representam um movimento do interior do pesquisado para o seu exterior. Vivenciar a dificuldade das próprias mães/avós ou até deles mesmos diante do trato com o cabelo crespo despertou o interesse em criar um negócio voltado para esse público, que possui poucas opções de salões quando o assunto é o trato do cabelo afro natural e não apenas o tratamento químico dos fios. 

Apesar do poder político que a consciência dos processos de colonialidade possui, ela não é totalmente exitosa. Ao assumir o cabelo crespo ou natural, mulheres e homens negros demonstram a valorização de um fenótipo negado desde a escravidão. O cabelo crespo assume o status de protagonista na luta por humanização e respeito para com o outro, para com aquele que não é branco e representa mais da metade da população brasileira. Ao observar essa nova demanda, empreendedoras e empreendedores negros idealizaram negócios que se caracterizam como salões étnicos, ou seja, salões de beleza que têm o público afro como público-alvo. Nesses ambientes, os negros são ensinados a cuidar dos seus cabelos naturais e relacionam-se com outros negros que possuem experiências em comum. Os salões dão suporte a uma articulação social que busca valorizar e apreciar a identidade racial negra.

Mesmo diante da importância dos salões étnicos para a construção de uma identidade racial negra, eles são considerados como inadequados pelo contexto capitalista. É difícil perceber e aceitar um salão que seja voltado ao público negro como uma proposta viável de negócio, principalmente quando o empreendedor é negro.

Manter um estabelecimento como esse aberto é um grito de resistência, que escancara a necessidade de romper padrões impostos. Todos os dias, dentro do próprio salão, os proprietários enfrentam preconceito. Todos os dias, quando deixam de comprar produtos químicos que alisam e contradizem padrões embranquecidos da indústria da moda, enfrentam a hierarquização étnica.

 

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DATA DE SUBMISSÃO: 28/08/2017

DATA DE APROVAÇÃO: 24/07/2018