Merde! O que a arte russa tem a ensinar à Aprendizagem Organizacional

 

Rodrigo Robinson

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Estatual de Maringá (UEM). Mestre em Administração pela UEM. Tem experiência na gestão de equipes criativas e como professor de Administração e Comunicação. E-mail: rodrigorobin@hotmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2768-7685

 

Marcio Pascoal Cassandre

Pós-doutor pela Danish School of Education da Aarhus University (2017). Tem experiência em aprendizagem organizacional, teoria da atividade histórico-cultural e metodologias intervencionistas. É professor do Departamento de Administração e do Programa de Pós-graduação em Administração (PPA) da Universidade Estadual de Maringá, Brasil. E-mail: mpcassandre@uem.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9415-4315

 

 

DATA DE SUBMISSÃO: 06/11/2016

DATA DE APROVAÇÃO: 19/05/2018

 

Resumo

Considerar o ser humano em sua integralidade e entendê-lo como um ser espiritual, que não separa o existencial do instrumental e que encontra e molda os significados do que vive na ação, pode ser um caminho para repostas mais adequadas à sociedade atual (LINCOLN; GUBA, 2006). No presente artigo, relacionamos conceitos e práticas na arte russa com a Aprendizagem Organizacional (AO). A partir das ideias de Vygotsky em Estimulação Dupla e o Ascender do Abstrato para o Concreto, utilizadas em teorias da aprendizagem como a Teoria da Atividade Histórico-Cultural, procuramos relacionar o potencial da arte de estimular e desenvolver a aprendizagem do homem como ser espiritual com a AO. A arte tem a possibilidade de despertar uma força espiritual que pode mover o homem e “acordá-lo” para o seu papel de agência, de transformador de sua vida e de sua realidade. Esta relação se estabelece com a proximidade de Vygotsky e Stanislavsky, e utilizamos o método do dramaturgo russo para propormos um esboço de método que considera a arte como remédio e cura para as organizações compreenderem o ser humano em sua integralidade e constituírem-se em espaços de desenvolvimento.

Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional, Arte, Espiritualidade.

 

Abstract

To consider the human being in its entirety is to understand it as a spiritual being, which does not separate the existential from the instrumental, which finds and shapes the meanings of what lives in the action can be a path to more adequate responses to the present society (LINCOLN; GUBA, 2006). In this article, we relate concepts and practices in Russian art with Organizational Learning (OL). From Vygotsky’s ideas on Double Stimulation and the Ascending from Abstract to the Concrete, used in learning theories like Cultural-Historical Activity Theory (CHAT), we sought to relate the art’s potential to stimulate and develop man learning as a spiritual being with OL. Art has the possibility of awakening a spiritual force that can move man and awaken him to his role of agency, transforming his life and reality. This relationship is established with the proximity of Vygotsky and Stanislavsky and we use the method of the Russian playwright to propose a draft method that considers art as medicine and cure for organizations to understand the human being in its entirety and to constitute spaces for development.

Keywords: Organizational Learning, Art, Spirituality.

 

1. Abram-se as cortinas!

Julgamos apropriado intitular este artigo com a expressão de origem francesa “Mérde!” que, para atores e pessoas envolvidas com o teatro, significa “boa sorte” ou “um bom espetáculo”. Conta a história que, na época em que as pessoas utilizavam carruagens como meio de transporte, quanto mais carruagens estivessem na frente do teatro, mais dejetos de cavalos eram deixados pelas ruas. Logo, as pessoas entravam no teatro com os sapatos sujos, fazendo a quantidade de “merda” deixada nos capachos um sinônimo de casa cheia.

Pontuamos que as emoções, às vezes, têm um “cheiro” que a maioria das organizações não está disposta a “sentir”. Segundo Campbell (2003), a supressão e a negação das emoções são parte do processo de racionalização, de virtude Puritana e do projeto Iluminista que tudo subordina à Razão, Progresso e Ciência. As organizações são, por excelência, local de vigilância e controle, dominadas pela racionalidade instrumental e orientadas para a eficiência, criando um ambiente desfavorável para a vivência das emoções e da aprendizagem.

Embora negligenciado durante anos, o tema das emoções tem sido abordado por diversas perspectivas. Inicialmente confinado a “guetos” de discussão, tem ganhado cada vez mais espaço. Biologistas, neurologistas, psicologistas, psicanalistas e até mesmo economistas têm se debruçado sobre a temática. Ainda que a filosofia de Platão e Descartes postule antagonismo entre emoção e razão, as emoções têm, cada vez mais, sido compreendidas como parte significante da decisão racional (VINCE; GABRIEL, 2011).

Nos postulados dos Estudos Organizacionais (EO), a contribuição fundamental da Aprendizagem Organizacional (AO) está em compreender as emoções como uma construção social, como adquiridas e aprendidas em experiências coletivas (HODDER, 2016; VINCE; GABRIEL, 2011).

Escrevemos este ensaio teórico a partir da troca de experiências entre professor e aluno no contexto da pós-graduação em Administração. O primeiro, baseado em compreensões teórico-empíricas sobre a Aprendizagem Organizacional. O outro, com a experiência de quem, ao longo da última década, dedicou-se ao gerenciamento de equipes de criativos em espaços corporativos: pessoas com o espírito artístico apurado, designers, publicitários, artistas, que procuram encaixar-se no ambiente organizacional e que, diariamente, negociam com as exigências que o mercado e as organizações lhes impõem e que, mesmo assim, envolvem-se emocionalmente com o fruto de seu trabalho, produzem significado a cada etapa do processo, sofrendo e deleitando-se, imprimindo suas marcas e sendo transformados enquanto o desenvolvem.

O presente ensaio é escrito pela perspectiva de quem acredita que o homem tem potencial para transformar a sua realidade quando inspirado por uma força espiritual que lhe é inerente, mas que pode permanecer adormecida por toda a vida. De quem entende que o homem, como ser social e histórico, sofre o peso da cultura e das estruturas de sua época e contexto. Estruturas que têm poder limitador de seu caminho e de sua trajetória até o momento em que essa força espiritual o desperta para assumir o seu papel de agente, de protagonista de sua própria vida, ressignificando suas relações e libertando seu potencial transformador de si mesmo e do mundo que o cerca.

É nessa vertente que a arte pode nos servir de estímulo, inspiração e método para a expansão do ser, para o desenvolvimento das potencialidades, para uma vida mais integral, que compreenda a totalidade do ser. A arte pode ser o remédio e a própria cura. Para Weber (1998) a racionalização e a burocratização da vida têm “engaiolado” o sujeito; Adorno (1999) vê a Indústria Cultural como impedimento para a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente, e enuncia que a arte tem o poder de libertar o homem dessas amarras, conferindo-lhe autonomia e humanidade.

Nosso objetivo neste artigo é relacionar o método de Stanislavsky com a AO, buscando aproximações que possam contribuir para a expansão do conhecimento e a internalização da aprendizagem. Procuramos caminhos pela conexão entre os russos Vygotsky, teórico da aprendizagem, interessado estudioso das artes como modelo do ensino-aprendizagem (WEDEKIN; ZANELLA, 2016), e Stanislavsky, seu contemporâneo, que, com seu método, revolucionou o teatro e até hoje é referência na busca de uma arte mais profunda, intensa, marcada pela individualidade e emoção do ser, em contraponto ao vazio da Indústria Cultural. Algumas teorias de aprendizagem, como a Teoria da Atividade (ENGESTRÖM; MIETTINEN; PUNAMÄKI, 1999; COLE; ENGESTRÖM, 2001; SANNINO, 2011; CASSANDRE, 2013; QUEROL; CASSANDRE; BULGACOV, 2014), têm utilizado conceitos vygotskyanos, como a Estimulação Dupla e o Ascender do Abstrato para o Concreto. Considerando esses conceitos é que iniciamos essa ligação, um exercício de reflexão, para posteriormente oferecer uma primeira proposta de método para aprendizagem com o auxílio do sistema de Stanislavsky.

Alguns esforços também têm sido envidados para a utilização da arte na AO. Vera e Crossan (2004) fazem uma aproximação entre o teatro de improvisação e a improvisação nas empresas e destacam aspectos importantes para se obter bons resultados. O primeiro é o reconhecimento da incerteza de sucesso em uma improvisação. O segundo é que, no teatro, para uma boa improvisação, a ênfase deve estar no processo, e não no resultado final, o que o diferencia do interesse organizacional. Por fim, apontam aspectos como acordo, consciência e colaboração para que a improvisação tenha bons resultados. Pässilä e Oikarinen (2014) oferecem a ideia de utilização de técnicas de teatro para criar um ambiente polifônico, em que os significados e as mudanças acontecem em uma experiência de aprendizado coletivo contínuo. Ainda citamos o relevante trabalho de Daved Barry (2008), que faz um resgate conceitual sobre a arte, sugerindo que a utilização desses conceitos pode representar uma ruptura no management. Esse autor cogita a ideia de trabalhadores agindo como artistas e modificando as organizações, ideia com a qual alinhamos nossa discussão neste texto.

Esta discussão se mostra importante para o ambiente organizacional, uma vez que as teorias de AO ainda são incipientes na compreensão do trabalhador como ser integral e no reconhecimento de que nem o momento nem o resultado da aprendizagem podem ser controlados; ainda muito mais reticente em permitir que isso aconteça a partir da organização, porque pressupõem flexibilidade e a aceitação de que é impossível controlar tudo. Porém, vemos que, ao favorecer que o ser humano desenvolva-se como ser espiritual, crie, imprima sua marca, mesmo que possa ser contrário aos objetivos organizacionais, esse processo poderá trazer, inclusive para a organização, uma desomogeneização imprescindível. Embora não haja garantias de sucesso, crescimento e incremento na compreensão mais positivista do termo, isso certamente abre espaço para a diferenciação, para a relevância, para a autenticidade, para a inovação, conceitos tão caros e muitas vezes distantes da realidade das organizações.

Estruturamos este artigo, em três seções, além da introdução, que é a primeira seção: contribuições teóricas, proposta de método e conclusões. Os títulos também são inspirados em expressões do teatro e procuramos explicitar o sentido dessa relação no início de cada seção. Na seção dois deste trabalho, discorremos sobre como as diferentes teorias da AO têm compreendido o trabalhador e em que pontos têm avançado no sentido de concebê-lo como um ser espiritual, capaz de ser autor de sua história. Na seção três, iniciamos a construção de uma proposta de método para a AO, procurando aproximar as ideias de Vygotsky e Stanislavsky. Na seção quatro, tecemos as conclusões e sugerimos encaminhamentos futuros para a continuidade dessa proposta.

 

2. Leitura de mesa

Leitura de mesa” é a expressão utilizada no teatro para a primeira leitura do roteiro de forma conjunta, em que cada ator entra em contato com as falas de seu papel. Nesta seção, referimo-nos à revisão teórica sobre a aprendizagem e o trabalho nas organizações.

 

2.1. O ambiente pouco saudável para a aprendizagem

Ao pensarmos a AO, queremos considerá-la em seu aspecto maior, ou seja, nas organizações inseridas em um sistema capitalista de produção industrial na sociedade de consumo. É nesse contexto que as relações de trabalho se dão, e é sob essa lógica de racionalidade, eficiência, especialização, utilidade, que as pessoas são medidas. Esse espaço de controle e busca pela eficiência não favorece os elementos que facilitam a aprendizagem, por isso o consideramos pouco saudável. Em um tempo em que palavras como “híbrida”, “ambidestra”, “líquida” e “multidisciplinar” são cada vez mais frequentes, é importante repensarmos a maneira como enxergamos o homem nas suas organizações e a sua relação com o trabalho.

Marx (1968) afirma que o trabalho é central na vida do homem, é a exteriorização do ser, é a materialização daquilo que existe de essencial, é forma de expressar a humanidade, de colocar para fora o que de mais individual existe, transformando o mundo e proporcionando a satisfação das necessidades. Por essa razão, considera a relação de trabalho capitalista como alienante, à medida que separa, pelo processo de especialização, o homem do fruto do seu esforço. Nessa premissa, o homem perde a relação com o produto final, porque este último não lhe pertence, só lhe resta o dinheiro do salário, pois a riqueza, o produto, o valor do que foi produzido não lhe pertencem. O produto deixa de ter valor de uso e passa a ter valor de troca.

Ao afastar-se do que produz, o homem perde toda a relação afetiva e emocional que tinha com o produto de seu trabalho, experiência que os artesãos mantinham com suas criações e os artistas ainda mantêm. Fayga Ostrower, artista reconhecida, professora e pensante das artes, considera este um processo de “dessensibilização das pessoas” (OSTROWER, 1981), ao argumentar que não percebemos mais o processo produtivo como um processo de transformação.

 

O próprio homem se torna mercadoria, substituível tão logo se coloque fora do chamado ciclo produtivo – de mercadorias, naturalmente... Acontece, porém, que as verdadeiras qualidades humanas – que são conquistas do homem: a criatividade, a imaginação, a coragem, o amor, a compreensão, a maturidade, a própria experiência de vida – não podem ser mercadorias e nem são substituíveis. São qualidades de crescimento e cada um de nós tem de conquistá-las para si. (OSTROWER, 1981, p. 2, grifo nosso)

 

Além da falta de relação com o produto do trabalho, o controle exercido sobre o ambiente organizacional também não favorece a aprendizagem. A falsa ideia de que se pode tudo controlar e a relação da produção com o tempo que se estabeleceu na Revolução Industrial, na busca de maior produtividade e eficiência, criando um lócus de controle e punição. Foucault (2014) evidencia a forma como essa lógica impregnou as organizações, não somente as organizações “produtivas”, mas também escolas, hospitais, sujeitando e docilizando os corpos para assimilarem o sistema.

É nesse espaço que as teorias de aprendizagem organizacional se desenvolveram e por isso apresentam em si mesmas uma característica paradoxal. Weick e Westley (2004) apresentam a antagonia dos termos que constituem essa expressão: enquanto organizar pressupõe ordem, diminuição da variedade, aprender implica desorganizar e aumentar a variedade. Em relação a esse oximoro, propõem uma revisão sobre a compreensão dos termos “organização” e “aprendizagem”.

Ao aceitar a organização como uma cultura, os caminhos para compreender a Aprendizagem Organizacional se abrem. Assim como a cultura pressupõe identidade, e esta é transmitida pela linguagem, pelos artefatos e pelas rotinas de ação para um grupo, assim também a aprendizagem organizacional é entendida como um processo coletivo que se mostra eficaz quando é assimilado e inserido na estrutura das organizações (WEICK; WESTLEY, 2004). A natureza contraditória dos termos é, para os autores, também o caminho para os momentos de aprendizagem, o que significa que não se trata de eliminar totalmente a ordem e nem de refutar qualquer iniciativa que fuja dos padrões. Trata-se de flexibilizar a racionalidade técnica (WEBER, 2004) e permitir que a criatividade encontre seu espaço, de a organização não perder a identidade cultural, mas permitir que as inovações sejam incorporadas, de encontrar espaço nas rotinas para que os momentos de aprendizagem aconteçam e possibilitem ressignificá-las ou alterá-las.

Na acepção de Bitencourt e Azevedo (2006), facilitar a aprendizagem passa por sensibilizar, abrir para as contradições, para o erro, para as múltiplas possibilidades, para o humor, como maneiras de questionar o que está cristalizado, de improvisar, como forma de experimentar novas alternativas. A aprendizagem confronta a visão positivista que tende a buscar uma resposta única e certa. O paradoxo, a contradição, a complexidade, a multiplicidade, a ruptura são características dessa justaposição ambivalente que permite a aprendizagem.

O entendimento sobre quem aprende na organização, ou seja, se o aprendizado se dá em nível individual ou se a organização aprende, continua aberto nas diferentes abordagens. Entretanto, parece uma tendência que a maioria das abordagens entendam a aprendizagem como um processo social, dialético. Na visão de Antonello e Godoy (2011), as pesquisas poderiam perseguir a ideia de que esse processo é interpessoal.

Gherardi (2007) pensa a aprendizagem por meio da participação ativa nas práticas diárias da organização, um processo que flui naturalmente, consciente ou não, que perpassa a vida organizacional, como parte da existência humana, e que envolve sua capacidade e seu conhecimento prerrefletido, tácito, sua consciência focada e seus subsídios, seus sentimentos e percepções, situados em um contexto histórico e social. O conhecimento é vivo, construído nas relações e nas reflexões necessárias nos momentos de ruptura.

Na visão marxista, a prática como força emancipatória, na produção e como resultado desse processo, é uma contribuição metodológica no sentido de como um sistema de atividades em que saber não é diferente de fazer. A prática também é importante na perspectiva da linguagem, construída socialmente em um jogo profissional como mediador para a criação.

Conforme de Reckwitz (2002) as Teorias de Prática Social são vistas como integrantes da teoria cultural, mas novos autores se distinguem das teorias clássicas pela forma como entendem e explicam a ação. As teorias clássicas fundamentam a compreensão do homo economicus, que explica a ação com base nos propósitos, intenção e interesses individuais, e a visão do homo social, que explicita a ação orientada por normas e valores coletivos. As novas teorias consistem em entender a ação como reconstrução das estruturas simbólicas do conhecimento, que permitem o sujeito interpretar o mundo e comportar-se de uma maneira correspondente. Trata-se de uma construção conjunta, coletiva, de cognições e estruturas simbólicas compartilhadas.

Na Teoria da Prática, o mundo social não está em qualidades mentais, nem no discurso e tampouco nas interações, e a prática social é vislumbrada como um tipo rotinizado de comportamento e compreensão, padrões de entendimento, de saber e desejar. A prática como um jeito de fazer e dizer, que aparece em diferentes lugares e tempos, realizada por diferente mentes e corpos. O corpo como o local das práticas sociais, a mente como o lugar do know-how para realizá-las, os objetos como portadores de significados particulares necessários para muitas práticas, o conhecimento como coletivo, compartilhado, profundamente implícito na história, na cultura e expresso em formas específicas de entender o mundo. A rotinização dos discursos e das estruturas movimenta o corpo para as práticas. O indivíduo é conceituado como o único capaz de interpretar o cruzamento dos corpos e mentes rotinizados pelas práticas sociais (RECKWITZ, 2002).

A literatura sobre a AO tem abordado duas premissas como opostas e concorrentes: uma abordagem cognitiva (aprendizado individual) e outra mais participativa (abordagens coletivas de prática). Elkjaer (2005) apresenta uma terceira via que não nega o papel da cognição, mas concebe as organizações como mundos sociais, em que o aprendizado acontece mediante a experiência de investigação para a solução de um problema e na qual o conhecimento realmente é elaborado pela reflexão ou o pensamento reflexivo.

A terceira via propõe o entendimento de que o pensamento é instrumental no processo de aprendizado participativo e que o aprendizado tem seu lugar no processo social. É um processo intuitivo, que une a individualidade do sujeito, seu corpo e emoção, suas experiências passadas e o ambiente na ação de buscar uma solução. Uma vez que o problema é resolvido, a reflexão permite criar relações entre a experiência e a solução, o que produz o conhecimento.

Ao apontar para uma terceira via, Elkjaer (2005) nos inspira a refletir sobre a dialética das transformações organizacionais que compreendem a Teoria da Atividade Histórico-Cultural (TAHC), tradição que tem sua primeira geração em Vygotsky e que avançou, com a contribuição de outros autores contemporâneos, para compreensões mais voltadas para o ambiente organizacional. Nessa linha, a compreensão de desenvolvimento deixa de se referir à ideia positivista do termo e se reporta ao processo de aprendizagem e expansão do indivíduo enquanto ele se relaciona com o trabalho, os artefatos, o contexto e as pessoas que o cercam.

Vygotsky (1978) inaugura um novo entendimento acerca do desenvolvimento e da aprendizagem, ao defender que o primeiro se dá em dois níveis, o real e o potencial. O desenvolvimento real seria a idade mental, aquilo que a criança consegue realizar sozinha; o desenvolvimento potencial é o que ela consegue realizar com a ajuda de outras pessoas, um adulto como o professor, por exemplo. O que está entre o real e o potencial é o que ele chamou de “Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)”, aquilo que será facilmente aprendido, o potencial, o que está para acontecer e não o que já se realizou. Por isso, a criança se desenvolve quando está diante de desafios que a princípio não consegue resolver quando é desafiada.

Respaldado nas ideias vygotskyanas, Veresov (2010) transpõe esses conceitos para a experiência da vida adulta ao conceituar a TAHC como o Real (o que é natural do indivíduo) e o Ideal (aquilo que é cultural). Para este autor, é na interação entre o Real e o Ideal que surge o aprendizado, o desenvolvimento.

Outra diferença da abordagem de Veresov para Vygotsky é a acepção de que o processo de aprendizado e desenvolvimento começa nas relações sociais e não no intelecto. Uma criança aprende as primeiras palavras para se comunicar com os adultos, mesmo antes de que tenha refletido ou assimilado seus significados. Nesse sentido, Veresov (2010) pontua que o aprendizado na TAHC é um processo que passa pela experiência social mediada por signos (significados) e artefatos (ferramentas).

 Veresov (2010) destaca que esses processos partem de uma experiência dramática de troca entre duas ou mais pessoas. Cita Vygotsky ao apontar que esses momentos em que as emoções afloram fazem com que os indivíduos possam refletir sobre suas posturas, rever suas posições e de fato mudar suas mentes, em um processo de desenvolvimento.

A TAHC tem, como um de seus pressupostos, a centralidade da atividade no processo de aprendizagem. No caso dos adultos, o trabalho como atividade principal (leading activity) representa a noção sociocultural do grupo, que deve ser manifestada por qualquer um que alcance a idade ou o nível de experiência “que se espera” (expectativa do grupo), em uma visão historicamente situada (COLE; ENGESTRÖM, 2001).

Outro conceito importante é o de que a aprendizagem é mediada por artefatos, ou seja, objetos são modificados pelos seres humanos como meios de regular suas interações, e estes reagem aos objetos de forma a estimular a aprendizagem (COLE; ENGESTRÖM, 2001). Nesse raciocínio, a ideia de Estimulação Dupla de Vygotsky é outro pilar dessa abordagem. A Estimulação Dupla consiste em colocar a pessoa diante de um problema além de suas capacidades: esse seria o primeiro estímulo. O segundo é proporcionar um objeto neutro (artefato) que possa despertar no indivíduo uma apropriação que lhe permita se desenvolver e solucionar o problema inicial (CASSANDRE; GODOI, 2013).

Vygotsky situa as emoções em lugar de destaque no processo de aprendizado e desenvolvimento, o que confronta a visão racionalista predominante nos ambientes organizacionais. Não apenas considerar as emoções, mas saber lidar com elas, parece-nos um grande desafio para o espaço organizacional. Por outro lado, é também a possibilidade de levar a compreensão e as experiências de desenvolvimento pessoal e organizacional para outros patamares.

Essas abordagens intervencionistas têm levado a sério a possibilidade de transformação, de expansão, de desenvolvimento do ser humano a partir da atividade que lhe é central na vida, o trabalho; e, portanto, localizada também no ambiente organizacional. Ao compreenderem a aprendizagem como um processo social, dialético, coletivo, interacional, contextualizado no tempo e no espaço, experimentado na prática, na vivência diária, que se dá de diferentes maneiras, em diferentes tempos, em diferentes lugares, e que surge a partir de paradoxos, contradições, da complexidade, da multiplicidade e da ruptura, essas abordagens têm procurado compreender o ser humano de uma maneira mais completa.

A completude do ser compreende seu intelecto, seu corpo, sua história, suas emoções e sua espiritualidade. Ao nosso ver, é preciso avançar no entendimento do ser humano e da importância de encará-lo como ser integral, especialmente em suas relações e vivências nas organizações. Nas seções seguintes, pretendemos lançar as bases de nossas compreensões sobre o homem como ser espiritual e a possibilidade de a arte contribuir como artefato para o desenvolvimento do potencial humano em sua atividade principal, o trabalho.

 

2.2. O ser espiritual e a espiritualidade

De maneira geral, a prática e o estudo do management têm privilegiado assuntos analíticos e facilmente quantificáveis, e sistematicamente evitado aspectos ligados às emoções e à espiritualidade (WADDOCK, 1999). Essa preferência pode ser compreendida a partir da “divisão cartesiana” profundamente arraigada na sociedade ocidental: a separação entre corpo, mente e espírito, entre o que não se pode conhecer e o real, entre o objetivo e o subjetivo, o material e o imaterial (WADDOCK, 1999).

Os EO têm feito esforços para incorporar aspectos sociais e uma compreensão mais completa da experiência humana nas pesquisas relativas às organizações. Como, por exemplo, a ideia de um homem refletido do Homem Parentético de Guerreiro Ramos (1981) e a ideia de “Homem” Emocional (Emotional “Man”), de Flam (1990), e mesmo as teorias culturalistas que entendem o homem como agente capaz de transformação social (RECKWITZ, 2002). Destarte, a compreensão da integralidade do ser humano, da inclusão das emoções e de uma possiblidade espiritual de extrapolar o racional e o biológico ainda carece de conceituação, especialmente para entendermos o homem nas organizações.

Estudiosos das organizações têm apontado para um futuro em que a espiritualidade seja mais retratada e investigada nas pesquisas das organizações. A esse respeito, Lincoln e Guba (2006, p. 190) asseveram: “Podemos estar entrando em uma era de maior espiritualidade dentro dos esforços de pesquisa. Apontam também para a possiblidade de compreensão e promoção de uma existência plenamente humana. Peter Reason (1993), por sua vez, afirma que a ciência secular é inadequada para os nossos tempos e argumenta sobre a necessidade de ressacralizar nossas experiências de nós mesmos e do mundo. É nesse contexto que propomos a compreensão do homem com ser espiritual, que pode viver sua integralidade a partir de sua atividade principal, o trabalho.

Para estabelecer as bases da espiritualidade como a entendemos, precisamos revisar algo que estava presente na compreensão de Martinho Lutero na Reforma Protestante e que não teve o mesmo impacto na sociedade do que as consequências da conduta ascética do Calvinismo. Para tanto, voltamos a Max Weber e à sua leitura sobre o Espírito do Capitalismo (WEBER, 2004). Weber pontua o entendimento sobre a vocação em Lutero, como um marco para uma mudança na relação do homem com o trabalho. Segundo o autor, Lutero, ao traduzir a Bíblia, ressignifica a palavra vocação (beruf), dando-lhe o sentido de um objetivo de vida, um campo sobre o qual trabalhar (WEBER, 2004). Nesse sentido, o homem é chamado por Deus para o trabalho. Segundo a leitura de Weber (2004), essa mudança permite a justificação moral do trabalho mundano, que, aliado à ideia de conduta ascética de Calvino, constituiriam a justificação para o processo de racionalização da sociedade.

No entanto, existe algo na compreensão de Lutero referente à vocação para o trabalho que ficou esquecido e nos inspira a repensar o papel da espiritualidade na prática e na compreensão da vida nas organizações. Weber (2004) aponta para a tradição monástica de Lutero e o entendimento de que a oração e o trabalho se completam no desenvolvimento da espiritualidade. Desse modo, a compreensão reformista do trabalho como vocação divina é de que ele faz parte do desenvolvimento espiritual e, portanto, é “expressão exterior do amor fraternal” (WEBER, 2004, p.7).

O ser espiritual, como o compreendemos, é o ser humano em sua integralidade. Isso abarca sua biologia, seu corpo, sua mente, suas vontades e emoções e sua espiritualidade, intuição e consciência. Ostrower (1981) alega que o espiritual é a dimensão que ultrapassa o biológico, é a essência do homem. O espiritual também tem sido compreendido como a alma do ser humano, a força vital do indivíduo, a força energizadora (KAHNWEILER; OTTE, 1997).

Acreditamos na possibilidade de uma experiência mais profunda, com mais significado e paixão, nas organizações e na relação com o trabalho. Essa possibilidade passa pela compreensão do trabalho como expressão de uma espiritualidade.

 

Se quisermos criar significado em nossas próprias vidas e quisermos ajudar nossos alunos, clientes, gerentes, a criar significado e paixão na vida deles, então (meu palpite) precisamos fazer muito mais para explorar os aspectos emocionais e espirituais do que as abordagens analíticas que a educação gerencial dominante agora permite. (WADDOCK, 1999, p.342-343, tradução nossa, grifo nosso)

 

Evidentemente, os conceitos apresentados nesta seção são ainda iniciais e inconclusivos e, dada a insuficiência de referências sobre a espiritualidade nas organizações, tornam-se um campo amplo para o desenvolvimento de novas pesquisas. Entretanto, eles nos parecem suficientes para entender o que chamamos de espiritualidade. Nas seções subsequentes, concentramo-nos no objetivo principal do trabalho: apresentar uma possibilidade de método que aproxima as compreensões de Vygotsky e Stanislavsky, oferecendo a arte como processo para o despertar da espiritualidade na experiência da Aprendizagem Organizacional.

 

2.2. A arte como estímulo para despertar o espírito criativo

Como referimos na introdução deste artigo, acreditamos que o indivíduo também pode ser despertado para o seu papel de agência e, portanto, transformado, liberando seu potencial criativo e transformador, quando tocado em sua espiritualidade. Compreender o indivíduo em sua integralidade implica reconhecê-lo como ser espiritual. É nesse aspecto que pretendemos aprofundar a discussão, oferecendo a arte como uma possibilidade de instigar o indivíduo a criar caminhos para solucionar seus problemas e a se desenvolver enquanto aprende nas organizações.

 

O potencial criador do homem realiza-se dentro de sua própria produtividade. Estimulado pelo desafio de necessidades a satisfazer, tarefas a cumprir a fim de sobreviver melhor, em seu trabalho o homem imagina soluções e as cria. Assim também a arte se caracterizaria como um trabalho, no sentido de ser útil para a sobrevivência do homem. Mais do que útil, porém, a arte afeta a essência humana do homem; acrescentando dimensões novas à existência, ultrapassa o ser biológico para caracterizar no homem um ser espiritual. (OSTROWER, 1981, p. 1, grifo nosso)

 

O sentido de ser espiritual remete à ideia de que o ser humano integral é mais do que físico, biológico, que possui uma essência. Tanto o artista como o espectador de alguma forma tocam, ou se deixam tocar no mais profundo do seu ser e se percebem mudados, transformados. A arte tem potencial para atingir a essência humana, de ultrapassar o físico, o biológico e tocar a inteireza do ser e, quando faz isso, cria coisas novas, modifica o homem, acrescenta novas dimensões, afeta a essência humana. De acordo com Stanislavsky, o trabalho do ator está diretamente relacionado à “completa concentração de sua inteira natureza física e espiritual” (GUINSBURG, 2008, p.312). A arte também possui uma utilidade, uma vez que, assim como as perspectivas intervencionistas de aprendizagem, dá-se na prática, na produção de soluções que permitem ao homem viver melhor.

Vista de seu aspecto mais amplo, a arte tem potencial de estimular o sujeito a fazer perguntas, a encontrar as contradições, a lidar com a complexidade e a multiplicidade das vivências e de capacitá-lo a encontrar caminhos para romper com o que é dado, para desenvolver-se e encontrar as soluções para os seus problemas. A arte não tem o compromisso de retratar fielmente a realidade, e ao mesmo tempo ela não surge no vácuo, está profundamente imersa em seu contexto histórico-cultural e é expressão de um conjunto de valores. Ela se refere diretamente à nossa vida, à consciência de cada espectador que a recebe só e sempre só. Dirige-se ao mais profundo do nosso ser (OSTROWER, 1959; OSTROWER, 1981). É nesse processo que se torna libertadora, pois encontra no ser humano algo que lhe é próprio, que lhe provoca o intelecto e as emoções e vai mais fundo, atinge seu subconsciente, como propõe Stanislavsky (1982). Por não se referir à realidade, a arte não tem necessariamente relações cognitivas estabelecidas e, mesmo que alguns signos possam ser comuns para indivíduos de uma mesma cultura, as relações e compreensões serão sempre individuais, por conta da história, das vivências, das emoções, da imaginação, de tudo o que envolve o ser. Nesse sentido, a arte se relaciona diretamente com as ideias de Vygotsky (1978), sugerindo que a arte pode servir de artefato para o segundo estímulo, despertando o homem para novas compreensões, ampliando os horizontes e oferecendo fonte de questionamento e contradição.

Stanislavsky será nossa inspiração e Vygotsky nosso intermediário para aproximarmos mundos aparentemente tão distantes e até mesmo antagônicos como Arte e Administração. De forma ousada, consideramos este todo burocracia e aquele, todo sentimento.

 

3. Iluminação - Proposta de Método: o espírito criativo como estímulo para a aprendizagem

O Teatro Arte de Moscou surgiu da insatisfação de Stanislavsky com o teatro historicista, baseado em pesquisas sociológicas, carregado de recursos técnicos, disciplina e pragmatismos que se produzia na época (GUINSBURG, 2010). Porém, Stanislavsky inquietava-se com suas próprias atuações. Enquanto passava férias na Finlândia, em 1906, refletindo sobre as causas de sua insatisfação com a forma como atuava, chegou à conclusão de que, em suas performances como ator, não estava dando aos papéis a flexibilidade e a organicidade vitais que deveriam apresentar. Teve a percepção de que atuava a partir dos estereótipos que acumulara em seu íntimo, o que não era muito diferente do velho convencionalismo do teatro que criticava. Em suas próprias palavras:

 

Eu copiava a ingenuidade, mas não era ingênuo. Eu dava passos apressados a fim de caminhar de uma certa maneira, mas não sentia nenhuma pressa interna para efetuá-los. Eu representava de um modo mais ou menos artificial, imitando as aparências externas da ação e a própria experiência. (GUINSBURG, 2008, p. 311)

 

Ao enfrentar esse problema, chegou à conclusão de que precisaria vivenciar essas experiências de uma forma emocionalmente mais profunda, com autenticidade psicológica e emoção verdadeira. E essa postura liga profundamente as obras de Stanislavsky e Vygotsky; o termo russo utilizado por ambos é o mesmo, perejivanie, que significa a vivência de experiências cognitivas emocionalmente relevantes (GUINSBURG, 2008). Não se trata de um emocionalismo fútil, mas de uma intensidade profunda, dramática, de experimentar no íntimo o que é externo, de vivenciar intensamente, de colocar-se inteiro naquilo que se vive.

 

A nossa arte, portanto, nos ensina, antes de mais nada, a criar conscientemente e certo, pois esse é o melhor meio de abrir caminho para o florescimento do inconsciente, que é a inspiração. Quanto mais momentos conscientemente criadores vocês tiverem nos seus papéis, maiores serão as possibilidades de um fluxo de inspiração. (STANISLAVSKY, 1982. p. 43)

 

O método de Stanislavsky surge dessas inquietações e das experiências que passou a fazer com sua companhia de teatro. Em seu livro “A preparação do ator”[1], Stanislavsky organiza didaticamente os passos ou sessões em cada um dos dezesseis capítulos. Nessa primeira aproximação, escolhemos os capítulos: II) Quando atuar é uma arte; III) Ação; IV) Imaginação por motivo de limitação de espaço e por necessidade de conceituar as bases para o desenvolvimento de um método para a AO. O método de Stanislavsky é bastante rico e com muitas possibilidades de conexões com a Aprendizagem Organizacional. Como este artigo se trata de uma primeira aproximação, nosso foco é a abordagem de alguns aspectos iniciais de um método para aprendizagem com base nas ideias de Stanislavsky, certos de que este é apenas um esboço, porém relevante, considerando a distância e a falta de estudos relacionando a arte com a aprendizagem organizacional. Dessa forma, apresentamos uma proposta de método para aprendizagem organizacional respaldada nos conceitos do livro “A preparação do ator”, de Stanislavsky.

 

a) Quando trabalhar é uma arte! (Perguntar)

Trabalhar como uma arte é colocar-se intencional e conscientemente de maneira inteira nas experiências vividas na prática do dia-a-dia. Não ignorar os sentimentos, as emoções; ao contrário, colocá-los naquilo que se faz. Pensemos em um método para aprendizagem organizacional, e o que Stanislavsky e Vygotsky afirmam é que se quisermos produzir algo que tenha relevância para nós mesmos e para o mundo, não podemos fazê-lo de modo mecânico, desvinculado do que somos e de como entendemos o mundo. Essa discussão se propõe a pensar a partir do trabalho e, portanto, da organização, uma forma mais integral, criativa, de viver esse espaço.

Em grande parte das vezes, parece que temos a capacidade de viver vidas completamente separadas: a vida profissional acontece em uma esfera, e a vida pessoal, em outra. Parece que somos capazes de separar completamente o que somos do que fazemos. No entanto, essa postura esquizofrênica, além de ser impossível na prática, esvazia de significados o trabalho de uma maneira tão profunda e alienante, que pode abafar até o ponto de apagar a chama criativa que arde no ser humano. O sistema capitalista e a especialização do trabalho colaboram para esse processo, porém, ao pensarmos em um ser humano espiritual, entendemos que sua capacidade não está encerrada no sistema, no contexto, na estrutura. Acreditamos que ele tem capacidade de extrapolar o que lhe está posto.

Mesmo que a pessoa tente viver essa vida dicotômica, em alguma circunstância essas linhas se cruzarão, e nesse momento existirá a possibilidade de desenvolvimento. Muitas vezes, esse momento ocorre em um rompante emocional, quando não conseguimos segurar mais a pressão interna, e o que realmente somos vem à tona. Quando isso acontece, verdadeiramente nos conectamos com aquele momento e tudo o que somos se mostra ali. O problema é que nem a organização e nem nós mesmos sabemos como lidar com isso e geralmente perdemos a oportunidade de utilizar aquela emoção para nos expandir e desenvolver.

O primeiro ponto do método propõe que façamos isso intencionalmente, que coloquemos nossas emoções, deixemos fluir o que estamos sentindo para a atividade e com ela possamos ressignificar e moldar a prática. Trata-se de refletirmos conscientemente sobre nossas emoções e permitirmos que elas nos indiquem objetivos que valham a pena serem perseguidos. Hodder (2016) explica que as emoções são genuínas e significantes; chama-as de instâncias de intencionalidade, por isso reveladoras de nossas reais intenções. Vejamos: nem sempre esse processo trará benefícios do ponto de vista progressista, nem sempre esse processo trará sucesso, aumentará a performance, maximizará os lucros. Pode, ao contrário, gerar conflitos, pedidos de demissão, mudanças dolorosas, crises. Embora haja pouco consenso, é comum o entendimento de que as emoções podem ter efeitos positivos e negativos sobre as pessoas e organizações (HODDER, 2016; VINCE; GABRIEL, 2011).

O desafio para as organizações é assimilar esses processos no sentido de permitir e estimular que as pessoas vivam de maneira mais autêntica o seu trabalho. Por outro lado, as organizações também podem se beneficiar desse processo, tornando-se, elas mesmas, mais autênticas e naturalmente diferentes das outras. Dessa forma, a angustiante busca por diferenciação no mercado poderia se dar de uma maneira mais natural, porque, enquanto seres humanos, somos naturalmente diferentes, heterogêneos, singulares.

A própria arte, enquanto expressão da singularidade e subjetividade do ser humano livre da lógica da Indústria Cultural se apresenta como remédio e cura para essa dicotomia. Remédio porque, mesmo como espectadores, como observadores, ela pode nos tocar a ponto de levantar perguntas, inquietações, desmascarar as mentiras nas quais acreditamos, revelar as estruturas que nos prendem.

 

Nunca é demais insistir: a arte trata de valores e não de informações. Assim se explica porque a arte deve ser criada pela totalidade do homem, dirigindo-se por sua vez à totalidade do homem, composta simultaneamente pelo seu intelecto e sua emoção. Nenhum julgamento poderá existir no vácuo. Sempre se relacionará e dependerá de situações definidas, limitadas, únicas que jamais comportam uma repetição mecânica. (OSTROWER, 1959, p. 2)

 

A arte também se apresenta como cura, porque uma vez que vivermos como artistas, como seres espirituais que somos, nunca mais conseguiremos viver na perspectiva do finito, das limitações do que conseguimos ver da realidade, no vazio pragmático e mecânico, na utilidade da troca salarial. Seremos impelidos a transcender e significar e, dessa forma, trabalhar como uma arte.

 

Assim no artista que tenta articular o espírito de sua época não devemos ver um adivinho que emite presságios sobre algum vago futuro, e sim, o homem que tenta penetrar a fundo na essência de sua própria vida, ganhando consciência ao fazê-lo. E é dessa consciência que participa o espectador, segundo as situações particulares em que se encontra. (OSTROWER, 1959. p. 2, grifo nosso)

 

Salientamos que não se trata de uma vida alienada da realidade, em um mundo ilusório. Não se trata de negar o capitalismo, de fazer de conta que a vida prática não existe, que ganhar dinheiro é desnecessário, que a saída é refugiar-se em um mosteiro, em uma caverna ou na floresta. Ao contrário: a proposta é que tenhamos tamanha consciência da nossa vida, da nossa história, do contexto social, do tempo em que vivemos e de nossa humanidade, que a partir dela deixemo-nos tocar por uma força espiritual que nos permita enxergar essa realidade como possibilidades de sermos o que quisermos.

Se não estamos acostumados a vivenciar as nossas próprias emoções e sentimentos, se não fomos estimulados a acessá-los, a própria arte pode servir de artefato para despertar as perguntas que nos levam em direção à nossa essência. “Consumir” arte pode ser um caminho para despertar a força espiritual que nos leva a vivenciar todas as esferas da vida de maneira mais integral, pode ser um caminho para vivenciar o trabalho como arte.

Esse ponto do método se apresenta como uma linha transversal que perpassa todo o método; cada ponto está impregnado dessa compreensão e dessa postura ontológica.

 

b) Ação (Experimentar)

A ação parte de uma atitude espiritual, ou seja, está diretamente relacionada com o primeiro passo desse método. Se nos colocarmos espiritualmente naquilo que estamos vivendo, nossas ações refletirão isso. Então, seremos impelidos a interferir, a propor soluções diferentes, a questionar os rumos, a usar nossas emoções e não as esconder. Isso exigirá da organização disposição para lidar dialeticamente com conflitos e contradições, e exigirá do indivíduo que saia de seu esconderijo e se exponha. É na ação que a espiritualidade se concretiza. “[...] no teatro toda a ação deve ter uma justificação interior, deve ser lógica, coerente e real” (STANISLAVSKY, 1982. p. 73), ou seja, o processo de colocar-se no que se está vivendo é um primeiro passo, consciente, em que a reflexão sobre as emoções nos conduzem a ações coerentes.

Assim também a aprendizagem se dá na prática, ela nunca será uma mera elucubração, ela ganha significado na ação. Esse segundo passo trata de exteriorizar de maneira objetiva e concreta o que cremos. É no produzir do trabalho que a criatividade aparece, é na ação que a espiritualidade se concretiza. “O potencial criador do homem realiza-se dentro de sua própria produtividade” (OSTROWER, 1959, p. 1).

No método, quando Stanislavsky (1982) aborda o tema “ação”, condiciona as ações tanto a uma postura anterior de objetivos e inteireza vistos no passo anterior, como a uma projeção imaginativa, que atrela a uma suposição, refere-se ao “e se”. Trata-se de um recurso de suposição que serve de gatilho para a imaginação. Por exemplo: “E se não entrasse um monstro por essa porta”. Essa suposição incita a imaginação, “[...] o se atua como uma alavanca que nos ajuda a sair do mundo dos fatos, erguendo-nos para o reino da imaginação” (STANISLAVSKY, 1982. p.73). Isso nos leva ao próximo passo do método, a imaginação.

 

c) A imaginação (Responder)

Vygotsky (2009) dedicou-se ao tema da imaginação, estudou como a imaginação se dá nas crianças e como o contexto social interfere na forma como constroem suas fantasias e imaginação. Deixa claro o papel positivo da imaginação como recurso para a expansão do conhecimento e para o desenvolvimento humano. A imaginação toca a realidade de quatro maneiras: mediante a acumulação e a riqueza de experiência de uma pessoa; por meio de sua relação com o tempo em um processo de incubação e transformação; na relação emocional presente no processo imaginativo; e por intermédio da fantasia cristalizada – momento máximo e final de um processo imaginativo. Desmistifica a ideia de que as crianças teriam mais capacidade de imaginação que os adultos, com o argumento de que seu repertório é menor e, portanto, teriam menos capacidade de conexões. Na concepção de Vygotsky (2009), a imaginação tem o poder de mudar a realidade e, consequentemente, é fundamental no desenvolvimento pessoal e social.

Stanislavsky considera a imaginação extremamente importante para o processo de criação do ator. Sem imaginação, é impossível criar. Apesar de considerar a imaginação um dom, tanto Vygotsky quanto Stanislavsky acreditam que ela está presente em todos os seres humanos e que, embora possa ser “dotada de iniciativa própria” (STANISLAVSKY, 1982. p. 90) em algumas pessoas que a desenvolvem sem esforço, pode ser estimulada ou retraída em todas as pessoas. Aqui, mais uma vez, a arte aparece como remédio; evidentemente, pessoas que foram estimuladas desde a infância poderão ter mais facilidade de desenvolver a imaginação e a criatividade, porém temos a capacidade de estimular nossa imaginação, e a arte pode ser um estímulo para que isso aconteça. Faria e Alencar (1996) fizeram uma lista de estímulos e barreiras para a criatividade no ambiente de trabalho, e os que mais se destacam dizem respeito ao suporte da chefia e colegas e à liberdade de arriscar novas possibilidades. As organizações podem estimular ou inibir a imaginação e a criatividade.

Imaginar é também responder! No método de Stanislavsky, a imaginação provocada pelos “e se” surge como resposta às perguntas levantadas no primeiro ponto do método. Para responder a uma pergunta, precisamos pensar, imaginar uma situação que sirva de resposta àquela questão. Imaginar é criar!

No processo de aprendizagem, de desenvolvimento, a imaginação e a criação são fundamentais na busca de soluções, são expressão do despertar do homem e refletem suas mais íntimas compreensões do mundo. Tudo o que o homem é se expressa na criação, ela é a representação de sua espiritualidade.

O primeiro esboço desse método fecha um ciclo de Perguntar > Experimentar > Responder. Ou seja, ao colocar-se inteiro na atividade, ao despertar sua espiritualidade, o homem constrói perguntas acerca do que está vivendo, perguntas que dizem respeito aos significados e objetivos que tem em relação à atividade. O primeiro passo então é PERGUNTAR. O segundo passo é experimentar na atividade o que se acredita, é vivenciar o dilema, as contradições, é exteriorizar as inquietações, é problematizar, é tensionar, esticar, enquanto se pode EXPERIMENTAR. O terceiro passo que fecha esse primeiro ciclo é imaginar soluções, é expandir as possibilidades, podendo usar a arte como artefato (o segundo estímulo proposto por Vygotsky), é extrapolar os limites das estruturas e do próprio ser humano, é ir além do que está dado para encontrar respostas. Imaginar é RESPONDER.

 

Figura 1 - Ciclo da proposta de método de aprendizagem

Fonte: Elaborada pelos autores.

 

O hexágono refere-se ao primeiro passo do método “Quando trabalhar é uma arte!” A ideia é que a pessoa, despertada pela arte, faz-se ARTISTA e se PERGUNTA sobre sua individualidade, buscando alinhar suas emoções, suas experiências, seu espírito e seu corpo, ou seja, sua integralidade, com o seu trabalho. Nesse passo, a pessoa leva para dentro de sua atividade profissional todos os aspectos que compõem sua totalidade. Por isso, o hexágono aparece menor no meio dos outros círculos que representam os outros passos. Ou seja, o primeiro passo é fundamental e está presente em uma dialética constante com a AÇÃO e a IMAGINAÇÃO, que representam os passos seguintes.

O círculo com o rótulo AÇÃO representa o segundo passo, quando o trabalhador se vê como um artista e leva sua individualidade para dentro de seu trabalho. As setas que saem do centro representam que o indivíduo, ao se posicionar como ARTISTA, levará para dentro da atividade também seus valores, suas contradições, seus conflitos, inquietações e dilemas. Isso faz com que o indivíduo se coloque integralmente na ação. É quando a integralidade do ser é vivenciada no trabalho que seus valores, contradições, inquietações e dilemas PROBLEMATIZAM, TENSIONAM e ESTICAM os significados e a própria ação, a própria prática do trabalho, e esse tensionar o leva para o terceiro passo.

O terceiro passo é representado pelo círculo com o rótulo IMAGINAÇÃO. Quando os valores do indivíduo revelam problemas, esticam a ação e permitem extrapolar o corriqueiro. As setas que agora extrapolam o círculo representam esse romper, ir além do comum. É o criar novas possibilidades, achar novas soluções, aprender, utilizando a arte como artefato desse transbordar criativo. A ideia central é que por meio dessa expansão do sujeito para a atividade é que se pode extrapolar o conhecido e aprender novos caminhos. Aprendizado, criatividade e inovação se tornam possíveis em um processo contínuo e orgânico. As setas maiores ao redor da figura representam essa dinâmica contínua.

Apesar de termos utilizado a palavra “passos”, utilizamos-na na perspectiva de que a aprendizagem é uma caminhada. Posteriormente, podemos explorar esse ponto do método de Stanislavsky que trata de uma linha contínua, no sentido de que liga o passado, o presente e o futuro, de que existem várias linhas que podem ser reiniciadas sempre que mudarem as perguntas.

Neste artigo, não chegamos ao ápice do método de Stanislavsky, que está em alcançar o subconsciente (capítulo XVI do livro “A preparação do ator”) como o ponto mais profundo e criativo do ser humano, de onde de fato brota toda a sua essência criativa. Não o fizemos por essa ser uma primeira abordagem e pela importância de entendermos como compreender o ser humano em sua integralidade, como ser espiritual um primeiro movimento para que novos trabalhos tratem de outros passos da preparação do ator com base em Stanislavsky. Outras disciplinas têm se dedicado, há muito, a essa compreensão, porém o utilitarismo tende a abafar essas abordagens.

 

4. O apagar das luzes

Neste artigo, objetivamos relacionar o método de preparação do ator de Stanislavsky com a AO, especificamente com as teorias vygotskyanas, buscando avançar na compreensão teórica e na construção de um método para a expansão do ser humano como ser espiritual também no ambiente organizacional. O método apresentado cumpre essa função, ao apresentar vários pontos de contato com teorias existentes e ao propor que avancem em alguns outros.

Nesse sentido, ao remeter à visão dialética da tradição russa, apresenta congruência e avanços para teorias como a Teoria da Atividade Histórico-Cultural, uma vez que compreende que o sujeito, ao se colocar inteiro na atividade, unindo sua individualidade, seu corpo, suas emoções, experiências, e a partir da contribuição de Stanislavsky, pode ter uma coerência espiritual. Essa coerência espiritual brota da essência do sujeito, que deixa fluir o que está sentindo para a atividade e com ela a possibilidade de ressignificar e moldar a prática. É nesse processo de experimentar a prática de maneira emocionalmente profunda (perejivanie), intuitiva, intensa, que o sujeito pode ascender do abstrato para o concreto, expandido sua realidade anterior e liberando seu potencial criativo e transformador de si e da sociedade à sua volta.

Os três passos propostos pelo método são possíveis de serem vivenciados nas organizações. No entanto, é preciso esforço dos dois lados, do próprio indivíduo e das lideranças das organizações. Ao mesmo tempo em que o ser humano na organização procura alinhar-se espiritualmente, a organização poderia oferecer espaços habituais, constantes e planejados de encorajamento para os indivíduos se colocarem de maneira integral na atividade que realizam (1º passo). Dessa forma, o indivíduo seria impelido a trazer seus dilemas, valores, inquietações para dentro da atividade; a organização precisaria dar espaço e estar apta a lidar com esses momentos de “desconforto” (2º passo), sabendo, porém, que é esse desconforto que permite que ambos, seres humanos e organizações expandam-se e aprendam, encontrem novos caminhos criativos, novas soluções, e vivenciem de fato inovações profundas. Na prática, não se trata de humanizar as organizações, mas de viver as relações humanas de forma mais humanizada.

Consideramos importante sublinhar ainda algumas discussões e entendimentos que desenvolvemos ao longo deste artigo, para iluminar certos assuntos que acreditamos serem pertinentes de serem inseridos na agenda de discussão da AO.

A percepção do ser humano: a AO possui a possibilidade de transformação da realidade a partir do sujeito que se apropria do conhecimento, analisa a realidade e transforma seu entorno e, consequentemente, a história. Porém, um alerta deve ser feito: na sociedade capitalista em que vivemos, essa autonomia pode ser apenas uma falsa ideia criada com fins específicos, tais como o maior envolvimento e comprometimento do sujeito na sua atividade. Apesar do cuidado que estamos sugerindo sobre a tal autonomia, em nossa visão (que talvez seja o ponto de maior contribuição que trazemos para essa discussão) é de que falta, nessas teorias, a compreensão do homem enquanto ser integral e que entende também suas emoções, espiritualidade e corpo. Nossa proposta neste artigo foi levantar essa questão e discutir a importância de considerar a integralidade do ser humano, de verificar que ele pode ser tocado em sua espiritualidade de diversas maneiras, em especial pela arte como sugerimos. A compreensão e a conceituação do homem como ser espiritual, e essa espiritualidade que envolve o trabalho, carecem de aprofundamento e merecem atenção em novos estudos.

As emoções: neste estudo, discorremos sobre as emoções como parte da integralidade do ser. Tratamos da necessidade de o sujeito alinhar-se, considerando suas emoções em seu trabalho como indicadores e motivadores do que realmente é importante e das quais podem surgir aprendizado e inovação. Julgamos ser esse um ponto importante para futuras pesquisas dentro da AO e dos EO. Ressaltamos nosso interesse em distinguir a utilização das emoções como instrumento de poder e manipulação para os interesses institucionais (MOISANDER; HIRSTO; FAHY, 2016), e sua compreensão como relevante para a integralidade da experiência humana nas organizações (WADDOCK, 1999; FLAM, 1990; REASON, 1993).

A arte como estímulo: quando Veresov (2010) utiliza os conceitos de possibilidades de desenvolvimento de Vygotsky (1978) (Real-Potencial, ZDP), aponta para a importância de artefatos (ferramentas) e signos (significados) para que o desenvolvimento aconteça do Real para o Ideal. Cole e Engeström (2001) também assinalam para o papel dos artefatos no processo de desenvolvimento. Nosso método propõe a arte como estímulo em duas perspectivas: 1) Arte como Artefato: o consumo da arte como artefato para o despertar da espiritualidade, ou seja, como estímulo para a cura de um estado de alienação. E um segundo aspecto, 2) Arte como Signo: como processo, como uma forma de colocar-se no mundo, especialmente na relação com o trabalho, ou seja, a arte como modo de significar ou ressignificar a relação com o trabalho. A arte tem sido resgatada e valorizada em estudos recentes nos EO (BARRY, 2008; PÄSSILÄ; OIKARINEN, 2014; VERA; CROSSAN, 2004), e a profundidade de Stanislavsky e o método da Formação do Ator se revela uma fonte ainda bastante rica para futuros estudos de aproximação com a AO.

A atividade principal (leading activity) como parte do que constitui o ser humano: a AO tem trabalhado com o conceito de que a atividade principal do sujeito é que organiza seu cotidiano (COLE; ENGESTRÖM, 2001). Nesse contexto, parece-nos relevante a reflexão sobre o trabalho como parte do que constitui a espiritualidade do ser humano. Quando discorremos sobre o homem como ser espiritual, recuperamos um ponto importante da Reforma Protestante que, como Weber (2004) nos mostra, acaba não sendo assimilado pela sociedade: a ideia de que o trabalho e a oração constituem juntos aspectos da espiritualidade (ora et labora). Esse sentido amplia a importância do trabalho como atividade principal da vida adulta e permite compreender seus significados para além dos aspectos instrumentais, considerando-o como constituinte da identidade e individualidade. Esse é outro tema que nos parece frutífero para novas pesquisas.

Ainda sugerimos, com Barry (2008), que os estudos avancem teórica e empiricamente. O método que apresentamos poderia ser utilizado em pequenas empresas em que os proprietários fazem parte da atividade principal da organização, ou em novas organizações como startups. Também poderia ser utilizado em nível gerencial, apresentado para funcionários e equipes de trabalho. Ainda, poderia ser utilizado como ferramenta na construção de novos arranjos organizacionais em períodos de início de novos negócios ou mesmo em tempos de mudanças organizacionais.

Por fim, acreditamos que se faz necessária a superação da divisão cartesiana, da separação entre corpo, mente e espírito, para a compreensão mais integral da experiência humana nas organizações. Se quisermos construir novas possibilidades de relação do homem com o trabalho, uma relação que compreenda sua espiritualidade, precisamos pensar em novas organizações.

 

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[1] Em seu livro “A preparação do ator”, Stanislavsky organiza didaticamente os passos ou sessões em dezesseis capítulos, sendo os seguintes: I) A primeira prova; II) Quando atuar é uma arte; III) Ação; IV) Imaginação; V) Concentração da atenção; VI) Descontração dos músculos; VII) Unidades e objetivos; VIII) Fé e sentimento de verdade; IX) Memória das emoções; X) Comunhão; XI) Adaptação; XII) Forças motivas interiores; XIII) A linha contínua; XIV) O estado interior da criação; XV) O superobjetivo; e XVI) No limiar do subconsciente.