Ressonância Estratégica e Inovação em Serviço de Segurança Pública no Brasil

 

Sueli Menelau

Professora do Núcleo de Gestão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Professora do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia para Inovação (ProfNIT) e Coordenadora do LabPOP/UFPE. Doutora em Administração pela Universidade de Brasília. E- mail: suelimenelau@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5479-7292

 

Luiz Akutsu

Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Doutor em Administração pela Universidade de Brasília. E-mail: luiz_akutsu@yahoo.com.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6581-5460

 

Antônio Isidro-Filho

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília (PPGA/UnB) e Coordenador do LineGov/UnB. Doutor em Administração pela Universidade de Brasília. E- mail: antonio.isidro.filho@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1174-8586

 

Antônio Sérgio Araújo Fernandes

Professor do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia (NPGA/UFBA). Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo com pós-doutoramento na University of Texas at Austin na LBJ School of Public Affairs. E-mail: antoniosaf@ufba.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4171-7759

 

 

DATA DE SUBMISSÃO: 13/09/2016

DATA DE APROVAÇÃO: 14/12/2017

 

Resumo

O objetivo do estudo foi testar, com a construção de duas escalas, uma contribuição exploratória de um modelo da relação entre ressonância estratégica (RE) e inovação em serviço de segurança pública (ISSP). O objeto de análise são os Postos Comunitários de Segurança (PCSs) da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). O modelo da relação foi testado utilizando uma modelagem de equação estrutural de variáveis explicativas de ISSP e RE. Resultados mostram que as relações estruturais postuladas entre as variáveis são corroboradas pelas análises da amostra global, obtendo-se evidências de validação das escalas. Conclui-se que os PCSs são uma ISSP nos quais é possível perceber que o policiamento está atrelado às interações entre população e PMDF em uma relação composta por características humanas, estruturais e operacionais do serviço. Destacam-se como principais contribuições desta pesquisa a proposição da relação entre RE e ISSP e o desenvolvimento e a validação de duas escalas que medem esses dois construtos.

 

Palavras-Chave: Inovação em Serviço de Segurança Pública; Ressonância Estratégica; Polícia Militar; Postos Comunitários de Segurança; Modelagem de Equação Estrutural.

 

Abstract

The objective of the study was to test, with the construction of two scales, an exploratory contribution of a model of the relationship between strategic resonance (SR) and innovation in public safety service (IPSS). The object of analysis is the Community Security Stations (Postos Comunitários de Segurança - PCSs) of the Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). The relationship model was tested using a structural equation modeling of IPSS and SR explanatory variables. Results show that the postulated structural relationships among the variables are corroborated by the analyzes of the global sample, obtaining evidences of validation of the scales. It is concluded that PCSs are an IPSS in which it is possible to perceive that policing is linked to the interactions between population and PMDF in a relation composed of human, structural and operational characteristics of the service. The main contributions of this research are the proposal of the relationship between SR and IPSS and the development and validation of two scales that measure these two constructs.

 

Keywords: Innovation in Public Security Service; Strategic Resonance; Military Police; Community Stations; Structural Equation Modeling.

 

1. Introdução

Para conceberem e fornecerem serviços públicos as organizações públicas, muitas vezes, precisam associar fatores organizacionais e ambientais estrategicamente, modificando suas características mediante inovações cujo efeito pode ser avaliado em sua performance (Choi & Chang, 2009; Naranjo-Gil, 2009). O espaço para atuar estrategicamente e inovar é um desafio considerável para organizações que atuam no setor público (Leonard-Barton, 1982), principalmente as que fornecem serviços de segurança pública (Rolim, 2007). Após busca de artigos publicados no período de janeiro de 2001 a dezembro de 2015 usando a palavra chave "segurança pública" nas bases de dados Scielo e Spell, verificou-se que, no Brasil, o campo de estudos relacionado à segurança pública vem crescendo. Adorno e Dias (2014) e Lima, Ratton e Azevedo (2014) destacam, contudo, que esse campo de estudos carece ainda de inserções acadêmicas sobre algumas de suas nuanças, entre elas, a de discussões sobre políticas de segurança pública que imponham regulação a um país pontuado, nesse mesmo período, pelo aumento da violência policial. Cruz e Barbosa (2002a), Sapori (2002) e Lima, Ratton e Azevedo (2014) acrescentam que, apesar da importância em se obter inovação em serviço (IS) prestado pelo Sistema de Justiça Criminal brasileiro (constituído por sistema judiciário e carcerário, Ministério Público e instituições policiais), responsável pela atividade exclusiva do Estado de manutenção da ordem pública, geralmente serviços de segurança pública ofertados por organizações militares não são estudados com uma abordagem organizacional . Enquanto muitas pesquisas têm focado a inovação política-institucional que envolve as organizações públicas policiais, a literatura de gestão pública – sem desmerecer esses estudos – apresenta falhas do ponto de vista da análise dessas entidades (Cruz & Barbosa, 2002a; Lima, Ratton, & Azevedo, 2014).

Pesquisas sobre inovação em serviço de segurança pública (ISSP), especificamente sobre policiamento, geralmente enfocam a IS seja em nível institucional (por exemplo, Beato Filho, 1999; Craig & Heikkila, 1989), seja em nível individual (vide Mesquita Neto, 2004), em vez do organizacional. Além disso, estudos tendem a enfatizar inovações nos modelos de policiamento (Oliveira Júnior & Silva, 2010) e de governança (Chalom, Léonard, Vanderschueren, & Vézina, 2001; Poncioni, 2013), em vez dos processos pelos quais a inovação é implementada. Pesquisas têm sugerido ainda (vide Robertson, 1998; Shearing & Stenning, 1987; Sparrow, 2014) que as características específicas dos serviços de segurança pública tornam o processo de inovação em organizações do setor público distinto do que ocorre no setor privado. McKenna (2014) destaca que estudos no campo da segurança pública não levam em conta como as características funcionais dos serviços de policiamento são afetadas no processo de adição de valor. Bayley e Skolnick (2002) e Coelho (1986) acrescentam que os estudos sobre o tema raramente se conectam ao alinhamento do ambiente com a função de operações das organizações policiais como contribuinte estratégico para o desenvolvimento e à manutenção da IS, configurando uma disjunção entre o aparelho policial e a administração da polícia.

Nas discussões de pesquisas realizadas no contexto organizacional que enfatizam a inovação como importante conceito estratégico, inclusive para organizações do setor público (vide, por exemplo, Mulgan & Albury, 2003), emprega-se, predominantemente, a abordagem integradora de inovação (Djellal & Gallouj, 2012a, 2012b) e parâmetros de estudos realizados em organizações do setor privado. A posição central dessa abordagem é que o processo de inovação de produtos (que podem ser serviços ou bens) se desenvolve a partir da modificação de suas características funcionais genéricas e está centrado na relação entre usuário-provedor (Gallouj, 1994, 2002, 2007). Muitos dos autores que pesquisam o tema salientam a importância de aspectos comuns aos bens e aos serviços no processo de inovação, e desenvolvem tipologias dos modos de inovação a partir da mobilização de características do produto resultante do processo (Vargas, Bohrer, Ferreira, & Moreira, 2013). A inovação é considerada como um complemento à perspectiva tradicional de produto, por ter uma noção abrangente e multidimensional que envolve várias funções, tanto dentro como fora da organização (Carlborg, Kindström, & Kowalkowski, 2014). Aspectos tecnológicos e não tecnológicos, assim como particularidades que distinguem a maioria dos serviços de produtos (como inseparabilidade entre produção e consumo, intangibilidade, baixa negociabilidade e heterogeneidade) são vistos como uma condição importante para agregar valor ao processo (Gallouj & Savona, 2010; Gallouj & Windrum, 2009).

Decorrente do objetivo deste estudo, outra premissa importante é a influência que o alinhamento organizacional, tanto com o ambiente quanto com os recursos e processos da empresa, exerce no estabelecimento de um curso de ação de uma organização, impactando em suas inovações. Nesse sentido, garantir ligações contínuas e harmonização entre o ambiente e as capacidades de operações da organização, entre essas capacidades e a estratégia corporativa, e entre todas as funções e todos os níveis da organização, é visto como um fator crucial para encontrar ressonância estratégica (RE) (Brown, 2000). Para Brown e Cousins (2004) e para Wang e Cao (2008), a planta operacional e a transformação do desenho organizacional para uma estrutura menos burocrática, também são vistos como relevantes e eficazes à promoção da RE. As investigações sobre RE têm se destinado a entender os processos sob os auspícios do paradigma de fabricação industrial (ver Naqshbandi & Kaur, 2011) e se concentrado, em geral, nas atividades da indústria automobilística (Brown, 2000; Brown & Bessant, 2003). Embora exista pouca evidência empírica, constatou-se que a RE é fundamental à inovação (Brown, 2001) e à estratégia sustentável (Spetic, Marquez, & Kozak, 2012).

Em outros países, experimentos que contemplam um processo de reforma organizacional de polícias e lhes traga métodos de solução de problemas (ao invés de resposta a ocorrência criminal), remontam a pelo menos, 60 anos, como os conduzidos pelas próprias polícias entre as décadas de 1950 a 1990 nos Estados Unidos (Ribeiro, 2014). No Brasil, entretanto, a inexperiência na implementação de políticas de prevenção em segurança pública (Silveira, 2014) faz com que as ações impetradas pelas polícias diferenciem substantivamente (Ribeiro, 2014), sem que tenha avultado em suas corporações estaduais, destacando-se apenas a do Distrito Federal e a de mais cinco estados brasileiros, de um total de 27 unidades federativas (Bondaruk & Souza, 2012). No que se refere a trajetória da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), desde 1995, a organização vem buscando ofertar, intermitentemente, o serviço de PC por meio da criação de conselhos, patrulhas e tentativas de aproximação da população (ver GDF, 2005; PMDF, 2007; UNODC, 2011).

Com esse escopo em vista, considerou-se o serviço de policiamento comunitário (PC) uma IS de policiamento e uma nova estratégia organizacional, estabelecido em torno da relação de parceria entre a Polícia Militar (PM) e a população, que passa a participar da elaboração de ações de preservação da ordem pública e civil (Brodeur, 2002; Gaines, Trojanowicz, & Kappeler, 2009; Menelau, Vieira, Macedo, Adaid-Castro, & Nascimento, 2015). Sua dinâmica se dá por meio do trabalho policial ostensivo e preventivo correspondente ao complexo exercício da função policial definida pelo compromisso inalienável com a construção social da paz e do bem-estar, com o respeito aos direitos humanos. Assim, este trabalho tem como objetivo geral evidenciar a influência que a RE pode ter sobre a ISSP, tomando como caso de análise os Postos Comunitários de Segurança (PCSs) da PMDF. Como contribuição incremental à literatura da área e do campo de policiamento traz a construção de duas escalas que medem tanto a RE quanto a inovação do serviço de policiamento. Com este intuito o artigo está estruturado em três seções, além desta introdução e de uma seção de conclusões. A seção 2 aborda os conceitos de RE e de ISSP; a seção 3 descreve o caso dos PCSs da PMDF e apresenta os procedimentos para desenvolver o modelo adotado, por meio do método de Modelagem de Equações Estruturais (MEE); a seção 4 aborda os resultados da análise da relação entre RE e ISSP, no caso em tela.

 

2. Ressonância Estratégica e Inovação em Serviço de Segurança Pública

Entendendo-se que para haver adição de valor ao serviço é requerida não apenas a mobilização de competências internas/externas, como também de características técnicas internas/externas (materiais/imateriais), o foco desta pesquisa está no nível meso de análise, no estudo de subunidades da organização que fornece o serviço (Wagner III & Hollenbeck, 1999)span style='mso-bidi-font-weight:bold'>. Assim, a construção se fundamenta na abordagem integradora de inovação, proposta inicialmente por Gallouj e colaboradores (Djellal & Gallouj, 2012a, 2012b; Gallouj, 2002; Gallouj & Weinstein, 1997), e na abordagem de RE desenvolvida por Brown e colaboradores (Brown, 2000; Brown & Blackmon, 2005; Brown & Fai, 2006). Desse modo, o foco da atenção dirige-se ao nível operacional da organização que contribui diretamente à prestação do serviço (Bayley & Skolnick, 2002). No modelo proposto observa-se como vetores funcionais, competências e características técnicas (de prestadores e usuários) influenciam ou são influenciadas pelas funções operacionais da organização, pelo alinhamento estratégico dentro delas e pelo ambiente em que atuam.

Com o intuito de explicar adição, subtração, associação, dissociação ou formatação de diferentes mudanças existentes em uma inovação (Djellal & Gallouj, 2012b; Gallouj, 2002) na área de segurança pública, os pesquisadores têm ora se concentrado na visão de policiais do núcleo estratégico (Sparrow, 2014), ora visualizam a inovação sob o enfoque do ambiente e o modo como incide no contexto institucional (como em Beato Filho, 1999; Cruz & Barbosa, 2002a, 2002b). Nesta pesquisa, essas peculiaridades das operações do serviço de policiamento são examinadas de acordo com os vetores de características que as constituem, como descritas por Gallouj e Weinstein (1997) e aperfeiçoadas para a área pública por Djellal e Gallouj (2012b). Para tal, competências devem ser entendidas como modos de processamento do conhecimento, enquanto que características técnicas se compreendem as operações que convergem à concretização do serviço (Gallouj, 2002).

Ao se considerar o processo de inovação no setor público há lacunas de pesquisa tanto no aspecto de análise do processo quanto na importância do ambiente externo para as estratégias que conduzem as organizações públicas à inovação (De Vries, Bekkers, & Tummers, 2014). Lacunas essas que, segundo Lima e Vargas (2012), são devidas às inovações das organizações do setor público possuírem especificidades que não estão presentes nas demais que operam em ambientes com a presença do capital. O modo das organizações prestadoras de serviços públicos gerenciarem seus relacionamentos com o ambiente, estrategicamente ressonando, é um dos antecedentes importantes às competências e às características técnicas do processo operacional de inovação (Brown, 2000; Brown & Fai, 2006; Cousins & Stanwix, 2001).

A RE deve ser buscada por meio de um processo descentralizado e de baixo para cima, no qual o alinhamento do nível operacional e do ambiente com a formulação da estratégia corporativa é identificado como significativo ao alto desempenho das operações (Brown, 2000). Internamente, os mecanismos principais que contribuem ao processo de RE são: (i) identificação e desenvolvimento das habilitações de operações, especialmente as competências centrais relacionadas com pessoas, processos, produtos e relacionamentos; (ii) melhoria da consistência da decisão dos gestores do nível corporativo em relação às competências das operações no processo estratégico; e (iii) melhoria do envolvimento e da influência de gestores das operações no processo estratégico (Brown & Blackmon, 2005; Brown & Fai, 2006). Fatores como decisão de investimento da estrutura, demandas fragmentadas, velocidade de entrega e flexibilidade têm influência na adequação do ótimo desempenho das operações ao ambiente (Brown, 2000; Slack & Lewis, 2011). Portanto, juntamente com a necessidade da organização se basear em seus recursos para alinhar suas estratégias está o imperativo do ambiente.

A integração e o equilíbrio desses dois tipos de interesses da organização conduzem ao que Brown e Blackmon (2005) determinam como flexibilidade estratégica. De igual parte de importância ao processo de inovação é a busca do alinhamento de suas operações às necessidades do ambiente, que Brown (2000) classifica como RE. Essa visão também é compartilhada por Slack e Lewis (2011), para os quais as operações devem ser condicionadas ao entendimento que a organização possui do ambiente. Via de regra ambiente e recursos são elementos centrais dos estudos clássicos sobre a estratégia que conduz a inovação (Brown & Fai, 2006; Mintzberg, Lampel, & Ghoshal, 2006). No campo da Administração Pública, estudos recentes sobre organizações policiais têm sugerido que a introdução de inovações pode ser afetada pelo ambiente e pelas características de suas operações. Por exemplo, Cruz & Barbosa (2002a) e Oliveira (2011) argumentam que a estrutura organizacional burocrática que caracteriza as organizações policiais tem influência sobre a implementação da inovação. Craig e Heikkila (1989) e Rolim (2007) se concentraram em como a política e o ambiente complexo entram em jogo durante o processo de ISSP. Portanto, as características específicas das organizações policiais públicas (Bayley & Skolnick, 2002) podem influenciar a desejável RE durante o processo de inovação (ver Mesquita Neto, 2004; Oliveira Júnior & Silva, 2010).

O argumento aqui proposto é que o papel da RE é fundamental à ocorrência de ISSP. A Figura 1 apresenta as principais variáveis latentes (também denominadas variáveis não observáveis, construtos ou fatores) do quadro referencial teórico desta pesquisa. Da RE se espera que tenha um efeito direto sobre a IS que, por sua vez, é o conjunto de vetores que representa o serviço de PC. Estudos anteriores sugerem que ao se evitar demandas conflitantes entre os três fatores preditores de RE (tomada de decisão estratégica, demandas do ambiente e capacidades operacionais) pode-se obter inovação (Brown & Blackmon, 2005). Como tal, a RE também pode contribuir diretamente à criação de estruturas organizacionais menos burocráticas, descentralizadas e mais ágeis, estimulando uma nova postura dos membros da organização e a reorientação das operações realizadas (Brown, 2000). Assim, o contexto específico das organizações policiais influencia a implementação da ISSP, ao mesmo tempo estimulando (ou restringindo) o comportamento do nível operacional da organização.

Figura 1. Relação entre Ressonância Estratégica e Inovação em Serviço de Segurança Pública.

 

3. Procedimentos de Pesquisa

A pesquisa foi realizada em 2015 e teve como unidade de análise os PCSs do DF. Para analisar a relação entre IS e RE na PMDF e estudar a existência e magnitude das variáveis visadas conduziu-se uma pesquisa quantitativa (Brewer & Hunter, 2006), exploratória e descritiva (Churchill, 1999) e de caráter transversal (Malhotra, 2001). Dados primários foram obtidos através de uma survey aplicada face a face a uma amostra de policiais militares que prestam o serviço de PC nos PCSs.

 

3.1 Objeto de estudo: Postos Comunitários de Segurança

A PMDF é uma organização pública brasileira constituinte do Sistema Judiciário nacional, com presença em todas as 33 Regiões Administrativas do Distrito Federal (RA/DF), por meio de 45 unidades com responsabilidade de área – Batalhões da Polícia Militar (BPM) – e um regimento, instalada definitivamente na localidade em 1966. A PMDF é o órgão de segurança pública responsável pelo serviço de policiamento ostensivo e pela preservação da ordem pública no DF, além de, subsidiariamente, exercer função de força auxiliar e reserva do Exército do País. A organização foi reconhecida internacionalmente por seu programa de PCSs, que surgiram de uma proposta de governo à área de segurança pública visando à instalação de 300 postos policiais com essa nomenclatura (Menelau et al., 2015).

Um PCS é uma unidade física de equipamento público comunitário, arquitetado para servir como pontos-base de agentes de segurança pública e para atendimento da comunidade, garantindo-lhe segurança e fornecendo um referencial a buscar em situações de risco iminente, emergências diversas ou necessidade de mediação de conflitos (PMDF, 2007). Tais postos não significariam somente instalações físicas para isolar os policiais da comunidade em que atuam, mas, ao contrário, seriam um ponto de apoio e de proximidade entre o Estado (representado pela segurança pública) e a população (UNODC, 2011). Atualmente existem 75 PCSs, hierarquicamente dependentes (com gerência e suporte) de um BPM e alojados por RA/DF.

Através do PCS é possível avaliar a relação entre a polícia e a comunidade (Cardoso, 2011). A inovação do PCS na PMDF consiste em a organização fornecer o serviço de PC em coprodução com a população, identificando, priorizando e solucionando problemas, não restritos apenas aos crimes, podendo envolver medo resultante da insegurança na comunidade, entre outros, que afetem a segurança pública (PMDF, 2007). Logo, os PCSs podem ser considerados inovações por aproximarem-se da tipologia II (de processo) retratada por Schumpeter (1982) e das premissas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005), pois a implementação decorre de mudança significativa na maneira como a PMDF opera no serviço que presta (Menelau et al., 2015).

 

3.2 População, amostra e procedimentos de coleta e análise dos dados

A amostra é probabilística (Formiga, 2011) devido a coleta ter sido realizada em todos os PCSs do DF, ressaltando-se que os respondentes consultados se dispuseram a participar, tendo sido assegurado o anonimato às respostas. Para limitar vieses geodemográficos empregou-se a segmentação de entrevistados, guiada pelos parâmetros: (i) seleção dos respondentes (se buscou diversificação de cargos e graduações da PMDF); (ii) lugar de aplicação do questionário (o próprio de trabalho e em diferentes RA/DF); e (iii) período de realização (aplicação durante 45 dias, proporcionando ampla coleta). Foram obtidos 603 questionários respondidos de 1.360 policiais alocados nos PCSs (44,34%), sendo praças (subtenente, primeiro sargento, segundo sargento, terceiro sargento, cabo, soldado e soldado de segunda classe) e oficiais gestores (primeiro e segundo tenentes).

Houve alguns desfalques por ausência de dados (os entrevistados não chegaram a preencher 50% dos itens). A análise de frequências, a MVA (Missing Values Analyses) e a distribuição de dados ausentes demonstraram que a percentagem desses valores (questionários com dados ausentes) estava abaixo de 5% (2,5%) e a análise de correlação de valores omissos demonstrou que estavam aleatoriamente distribuídos (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tathan, 2009; Tabachnick & Fidell, 2007). Procedeu-se então à exclusão dessas observações, restando à amostra 588 observações válidas, em que não constavam missings, atendendo a Marôco (2010), que avalia ser suficiente 10 a 15 observações por variável manifesta.

Para explicar as inter-relações entre as principais variáveis do estudo empregou-se o método de Modelagem de Equações Estruturais – MEE (Marôco, 2010). Viu-se como vantajosa essa abordagem, em oposição, por exemplo, a uma regressão linear múltipla, pelo fato de se poder avaliar simultaneamente a influência de múltiplas variáveis independentes em multíplices variáveis dependentes, além de considerar a teoria para definir os itens de cada fator (Marôco, 2010). Isso é possível porque a MEE apresenta indicadores de ajuste que permitem decidir objetivamente sobre a validade do construto da medida analisada em comparação com outras escalas exploradas (Formiga, 2011). Utilizando MEE pôde-se testar o modelo inteiro, em vez dos relacionamentos separadamente. A modelagem foi empregada para testar até que ponto o referencial teórico proposto se ajusta aos dados (Marôco, 2010), e como tal, em que medida pode servir como um quadro explicativo da relação entre RE e ISSP.

 

3.3 Medidas

O instrumento de pesquisa se subdivide em duas escalas. A primeira, com 25 itens, corresponde à mensuração de ISSP e compreende quatro fatores que caracterizam a IS para o contexto do policiamento. A segunda escala corresponde a 18 itens (também denominadas variáveis observáveis) que objetivam medir o construto RE. Essa escala busca avaliar o grau de concordância para cada sujeito quanto ao alinhamento estratégico entre PMDF e PCSs, medindo: demandas do ambiente, tomadas de decisão e capacidades operacionais. Ambas são organizadas em escala tipo de Likert de 10 pontos, variando de 1= discordo totalmente a 10= concordo totalmente. Para as escalas se realizou separadamente uma etapa qualitativa (para construção dos itens) por análise de conteúdo (Bardin, 2009) e obedeceu-se também sua formação teórica (ver Menelau, 2015). Posteriormente sucedeu-se uma análise fatorial exploratória (AFE) e uma análise fatorial confirmatória (AFC), conforme Marôco (2010). Na Tabela 1 a descrição dos fatores elaborados mediante a etapa qualitativa, assim como os itens que posteriormente compuseram o questionário.

 

Tabela 1. Fatores da Análise e Itens do Questionário.

 

Fatores

Descrição

Escopo

Itens

Características técnicas do prestador

Instrumentos empregados (como métodos e tecnologias) para operacionalizar o processo de prestação do serviço de PC nos PCSs

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Contemplam o conhecimento e as rotinas dos PCSs

- A disponibilidade de viaturas é compatível com a realização do meu trabalho.

- A estrutura física do meu local de trabalho é adequada para a realização das minhas atividades.

- A quantidade de policiais lotados em meu local de trabalho é adequada para a realização das atividades de policiamento comunitário.

- A utilização do policiamento a pé (POG) contribui para a melhoria do serviço da PMDF.

- O canal de comunicação da PMDF permite a consulta e o recebimento de informações pertinentes ao meu trabalho.

- O estoque de equipamentos de proteção individual (colete, armamento, entre outros) é compatível com a quantidade de policiais do meu local de trabalho.

- Os materiais de consumo (material de escritório, material de limpeza, entre outros) fornecidos pela PMDF são suficientes para o funcionamento do meu local de trabalho.

- Os materiais de suporte ao serviço (como cone, rádio, transceptor, computador etc.) fornecidos pela PMDF são suficientes para o funcionamento do meu local de trabalho.

Competências do prestador

Procedimentos de processamento do conhecimento dos policiais (ou da PMDF) que fornecem o serviço de PC nos PCSs, podendo ser adquiridos por meio de experiências, rotinas e aprendizagem organizacional

- As ações do dia a dia do meu trabalho com policiamento comunitário permitem a construção da minha confiança na comunidade.

- As ações sociais (palestras, cursos etc.) realizadas pela PMDF para a comunidade promovem habilidades para o desenvolvimento do meu trabalho.

- As contribuições do meu trabalho se relacionam com a melhoria do serviço da PMDF.

- As informações obtidas com meus colegas de trabalho favorecem a aquisição de conhecimentos sobre minha rotina de trabalho em policiamento comunitário.

- O curso de formação contribuiu para a realização de minhas atividades de policiamento comunitário.

- O policiamento comunitário favorece a cordialidade no relacionamento entre os policiais da PMDF.

- Os dados obtidos com os moradores do local (comunidade próxima) facilitam a realização do meu serviço.

- Os manuais e as normas da PMDF orientam as ações da minha rotina de policiamento comunitário.

- Os treinamentos que realizei na PMDF contribuíram para adquirir novos conhecimentos e habilidades necessários a realização de minhas atividades de policiamento comunitário.

Características técnicas do usuário

Dispositivos empregados (como procedimentos e tecnologias) para operacionalizar o processo de prestação do serviço de PC nas RA/DF dos PCSs

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abrangem o conhecimento e as rotinas da população atendida pelos PCSs

- A comunidade se organiza nas redes sociais para aumentar a segurança da região.

- A presença do policiamento comunitário diminui a construção de recursos de segurança (como grades, altura do muro etc.) nas moradias da comunidade.

- A presença do policiamento comunitário diminui a instalação de recursos de segurança (como cerca elétrica e câmera de vídeo) nas moradias da comunidade.

- A presença do policiamento comunitário diminui na contratação de serviços de vigilância privada pela comunidade.

Competências do usuário

Fruto das ações de PC (palestras, cursos etc.), representam o conhecimento e as habilidades adquiridas pela população ou pelo indivíduo atendido

- As ações sociais realizadas pela PMDF desenvolveram novas habilidades de segurança na comunidade.

- As ações sociais realizadas pela PMDF possibilitam a multiplicação de novas ações sociais organizadas pela própria sociedade.

- Minhas ações de trabalho facilitam o surgimento de novos comportamentos voltados à prevenção de crimes entre os integrantes da população.

- Minhas ações rotineiras permitem a construção da confiança da comunidade no trabalho da PMDF.

Demandas do ambiente

Influências do ambiente externo (como o Governo, os órgãos de controle e a mídia) nas decisões relacionadas à operacionalização dos PCSs

 

 

 

 

 

 

 

 

Influenciam a ressonância da estratégia dos PCSs

- A preocupação com os problemas da comunidade afeta o modo como realizo meu trabalho.

- As atividades por mim desempenhadas refletem o desejo da comunidade por segurança pública.

- As decisões do alto comando sobre o emprego do policiamento comunitário refletem o desejo da comunidade por segurança pública.

- As informações veiculadas pela mídia afetam a tomada de decisão estratégica pelo alto comando sobre as ações de policiamento comunitário.

- As informações veiculadas pela mídia afetam o modo como realizo meu trabalho.

- As práticas de gestão dos PCS são desempenhadas de acordo com as regras definidas a priori pelo alto comando, independentemente dos interesses da comunidade.

- O posicionamento de outras organizações (GDF, SENASP, SSP, MP, Poder Legislativo, entre outros) afeta a tomada de decisão estratégica pelo alto comando sobre as ações de policiamento comunitário.

- O posicionamento do Ministério Público e do Poder Judiciário afeta o modo como realizo meu trabalho.

Capacidade operacional

Condições internas (equipamentos, viaturas, mobiliário, estrutura física dos PCSs) para operacionalização do PC

- A cooperação entre o policiamento comunitário e as diferentes áreas de trabalho é encorajada pela PMDF.

- As demandas da comunidade influenciam na permanência dos PCS em determinado local.

- Os policiais integrantes dos PCS contam com recursos para realizar ações sociais na comunidade.

- Os policiais integrantes dos PCS participam do processo de planejamento realizado pelo alto comando sobre policiamento comunitário.

- Os recursos materiais trazidos pela comunidade influenciam o funcionamento dos PCS.

 

Tomada de decisão estratégica

Integração entre os níveis superiores de tomada de decisão (Comando-Geral e Comandantes de Batalhões) e os gestores de PCSs na formulação de estratégias à operacionalização do PC nos postos

- As ações sociais por mim desempenhadas refletem as decisões do alto comando sobre policiamento comunitário.

- As informações por mim transmitidas aos meus superiores favorecem a modificação de rotinas já estabelecidas pelo alto comando.

- As necessidades verificadas na rotina do policiamento comunitário interferem nas decisões do alto comando.

- Os recursos humanos da PMDF influenciam nas metas estabelecidas pelo alto comando para alocação dos PCS.

- Os recursos materiais da PMDF afetam as metas estabelecidas pelo alto comando para alocação dos PCS.

 

Os fatores da escala de RE foram formados pelos itens demandas do ambiente, capacidade operacional e tomada de decisão estratégica. A escala de ISSP é formada pelos fatores características técnicas do prestador, características técnicas do usuário, competências do prestador e competências do usuário. Os itens se agruparam conforme a etapa exploratória sugeriu e a organização dos fatores se deu como na Tabela 2:

 

Tabela 2. Organização dos Fatores.

 

Escala

ISSP

RE

Fatores

Características técnicas do usuário

Competências do usuário

Características técnicas do prestador

Competências do prestador

Demandas do ambiente

Capacidade operacional

Tomada de decisão estratégica

Sigla

CTE

CE

CTI

CI

EA

CO

TDE

Itens

4

4

8

9

8

5

5

Alfa de Cronbach

0,82

0,75

0,87

0,77

0,80

0,76

0,81

 

O indicador alfa de Cronbach foi empregado para validação dos constructos como medida de confiabilidade interna (Field, 2009; Pasquali, 2010).

 

4. Resultados

Digitação e análise dos dados foram executadas no SPSS 15, no qual também se calculou as análises correlacionais, de comparação de média e análises multivariadas de covariância, e Amos 7.0, utilizado para análise da MEE. O banco de dados apresentou nível de confiança aceitável, pois as frequências para as variáveis da pesquisa apresentaram um total válido maior que 95% (Fonseca & Martins, 1996). Também foram elaborados itens para caracterização sociodemográfica e controle estatístico de atributos que pudessem interferir diretamente nos resultados. Os entrevistados se distribuíram nos graus hierárquicos: soldados (18,8%), cabos (12%), sargentos (53%), subtenentes (5,2%), tenentes (0,2%) e outros (11%). A idade variou entre 19 e 59 anos, sendo metade dos respondentes com mais de 41 anos. Entre os entrevistados predominaram os do sexo masculino (80,1%) e casados (71,5%). Quanto à escolaridade, os participantes distribuíram-se em ensino superior (67,7%), ensino médio (18,9%) e outros níveis de escolaridade (13,4%). Metade tem 20 anos de serviço ou mais na PMDF.

A análise e a discussão dos resultados são demonstradas em duas etapas. Em primeiro são apresentadas as AFE e AFC realizadas para avaliar em que medida o modelo de mensuração inteiro se ajusta aos dados, utilizando-se o programa AMOS 7.0. Em seguida, a MEE é proposta de acordo com o referencial teórico, sendo testada para avaliar as relações entre as variáveis individuais no modelo, assim como o ajuste da estrutura como um todo. A apuração dos resultados leva em conta o valor do escore médio (quanto maior o valor, mais os respondentes concordam com o fator auferido).

 

4.1 Análises fatorial exploratória e confirmatória

A AFE foi executada conforme as recomendações de Hair et al. (2009) cuja sugestão é que se observe em até quantos fatores o autovalor permanece acima de 1. O objetivo foi investigar se as covariâncias ou as correlações do conjunto de variáveis observadas poderiam ser explicadas em termos de um número menor de construtos não observados, denominados variáveis latentes ou fatores comuns, promovendo a análise dos dados (Ribas & Vieira, 2011). O procedimento adotado para a extração dos fatores de análise fatorial foi o método PAF (Principal Factor Analysis) com rotação direct oblimim.

Do ponto de vista psicométrico, como observa Damásio (2012), há uma lacuna sobre o consenso da aceitabilidade dos índices obtidos à variância explicada. Nesse sentido, Figueiredo Filho e Silva Júnior (2010) adotam, para as Ciências Sociais, a solução fatorial de 40% como um limite tolerável em AFE. Para este estudo, entretanto, adotou-se a solução fatorial que explica, pelo menos, 50% da variância total, conforme Damásio (2012). Para a escala de RE a solução apresentou três fatores independentes e responsáveis por explicar 53,2% da variância total e para ISSP a solução indicou quatro fatores independentes e responsáveis por explicar 50,2% da variância total. Todos os fatores obtiveram alfa de Cronbach acima de 0,70 como recomenda Pasquali (2010), indicando escalas confiáveis (Field, 2009) e consistentes (Formiga, 2011) (ver Tabela 2) para estudos exploratórios. Em sequência, perpetrou-se as AFCs, por meio de máxima verossimilhança (Maximum Likelihood - ML), a análise de caminhos, com o intuito de examinar os constructos sem relacioná-los com as diversas variáveis (Marôco, 2010).

Para tanto, considerou-se dois parâmetros compostos cada um por dois indicadores. Primeiramente, os índices CFI (Comparative Fit Index) e RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) para contrapor o modelo completamente independente com o correlacionado e para ratificar quais variáveis adicionadas melhoram a estimação dos índices, respectivamente. Em sequência, verificou-se os indicadores SRMR (Standardized Root Mean Square Residual) (para observar se o modelo está bem ajustado) e χ2/G.L (Qui-quadrado dividido por graus de liberdade) (por a amostra ser considerada grande, dividiu-se χ2 para ajustá-lo) (Marôco, 2010).

Alguns itens de alguns fatores não atingiram a variância aceitável, avaliada pelo alfa de Cronbach (devendo permanecer acima de 0,5, conforme Hair et al., 2009). Apenas todos os itens do fator características técnicas dos usuários foram mantidos. No fator competências do usuário foram extraídos CE2 e CE4; no fator características técnicas do prestador foram extraídos quatro itens (CTI2, CTI5, CTI7, CTI8) e em competências do prestador extraíram-se três itens (CI5, CI6, CI8). A análise confirmatória da Escala de ISSP apresentou SRMR=0,05, RMSEA=0,05, CFI=0,95 e χ2/G.L=2,7.

Todas as saturações (Lambdas, λ) estão dentro do intervalo esperado |0 - 1|, significando não haver problemas de estimação da proposta (Hair et al., 2009). Ademais, todas são estatisticamente diferentes de zero (τ > 1,96, ρ < 0,05) e o alfa de Cronbach (Tabela 2) alto. Atendida a avaliação da fidedignidade e validade estrutural da primeira escala na forma exploratória e a partir do MEE, para ambas as análises os 16 itens da escala apresentaram segurança estatística em sua mensuração, segundo a proposta teórica de Djellal e Gallouj (2012a). Assim, essa escala poderá ser descrita como indicadores de ISSP, medindo competências do prestador e do usuário e características técnicas externas e internas à organização no policiamento comunitário, afiançada por meio de uma maior confiabilidade fatorial e evidências empíricas, aqui demonstradas.

Observando a correlação entre os fatores, esses apresentaram independência e correlações dentro do aceitável (abaixo de 60%, segundo Byrne, 2011). A exceção se deu entre os fatores competência do usuário e competência do prestador, com 88% de correlação, significando que as variáveis envolvidas podem estar sob a influência de um mesmo fator (Ribas & Vieira, 2011). Entretanto, ainda que exista uma correlação alta (acima de 80%), é desejável manter os fatores no modelo pois existe um apontamento teórico robusto indicando essa divisão (Marôco, 2010) e por este ser um primeiro estudo exploratório relacionado à escala proposta.

Assim como na escala anterior, itens de alguns fatores não atingiram a variância aceitável, avaliada pelo alfa de Cronbach (Hair et al., 2009). No fator demandas do ambiente (EA) foram extraídos EA1, EA4, EA5, EA6 e EA8; no fator capacidades operacionais (CO) foram extraídos três itens (CO1, CO2, CO5) e em tomada de decisão estratégica (TDE) extraíram-se dois (TDE3, TDE5). Verificou-se que os itens TDE1 e TDE4 encontram-se correlacionados. Como ocorreu na escala de ISSP, as saturações estão dentro do intervalo esperado e são estatisticamente diferentes de zero, e o alfa de Cronbach (Tabela 2) alto (Hair et al., 2009). Atendido o pressuposto de avaliação da fidedignidade e validade estrutural da segunda escala na forma exploratória e a partir da MEE, para ambas as análises os oito itens da escala de RE exibiram segurança estatística em sua mensuração, conforme proposta teórica. Os índices apresentados pela análise fatorial confirmatória são SRMR=0,4 RMSEA=0,06 CFI=0,97 e χ2/G.L=2,5 indicando ajuste adequado dos itens em seus respectivos fatores.

Os diversos critérios empregados para definição do número de fatores a serem extraídos (Kaiser, Cattel e análise paralela, conforme Byrne, 2011) reforçam a solução apresentada segundo Brown (2000). Na presente escala (como na anterior), dos itens mantidos não houve nenhum com escores insuficientes e que poderiam acarretar inconsistência de sua interpretação. Avulta-se a correlação apresentada por capacidade operacional e tomada de decisão estratégica, de 74%, assim como a relação inversamente proporcional, mas não significativa, entre CO e EA. Procedeu-se justificando os fatores teoricamente, pois assim deve ser procedido para correlações acima de 60% (Byrne, 2011). Por conseguinte, essa escala poderá ser descrita como indicadores de RE (que avaliam as demandas advindas do ambiente, a relação entre os níveis e as funções e as capacidades operacionais da organização), avalizando a essa pesquisa, juntamente com a escala anteriormente apresentada, maior confiabilidade fatorial e evidências empíricas para sua aplicação e mensuração em outras organizações militares e com outras variáveis.

 

4.2 Testagem do modelo estrutural

Para explicar a ISSP a partir da RE, considerou-se e testou-se um modelo recursivo estrutural que representa as relações descritas na Figura 1. Na MEE as relações entre os construtos foram examinadas e após as devidas modificações nos ajustes de erro, encontrou-se um modelo adequado, apresentando os índices de ajuste de SRMR=0,6 RMSEA=0,06 CFI=0,90 e X2/G.L=3,3, indicando acomodação apropriada do modelo de caminhos. Algumas correlações são fixadas em zero, justificando-se teoricamente (Byrne, 2011). A Figura 2 apresenta o modelo integrado da relação testada da RE como preditora de ISPP.

 

Figura 2. Modelo Estrutural.

 

Como pode ser visto na Figura 2, o modelo estrutural indica que as demandas do ambiente (EA) e a tomada de decisão estratégica (TDE) são preditoras de competência do prestador (CI), 99%, enquanto tomada de decisão estratégica (TDE) e capacidade operacional (CO) são preditoras de característica técnica do prestador (CTI), 96%. Competência do usuário (CE) é predito a um nível de 71% por demandas do ambiente (EA) e característica técnica do usuário (CTE) é predito a um nível de 41% por tomada de decisão estratégica (TDE).

 

4.3 Análise

Os resultados revelaram confiabilidade na disposição item-fator e na sua estrutura. Ao se considerar a escala ISSP reflete-se em torno do processamento do serviço que, segundo Djellal e Gallouj (2012a, 2012b), no contexto público é composto por quatro vetores, haja vista que em sua concepção o usuário é produtor do serviço juntamente com o prestador. Essa condição permite pensar que o PC não se refere apenas a uma retórica inconsistente, mas que seu processamento nos PCSs apresenta indicadores que contemplam agregação de valor tanto à PMDF quanto à população atendida, os quais estão inter-relacionados visando à melhoria da segurança pública da localidade que compartilham. Comprovou-se essa possibilidade na medida em que se buscou elucidar, em nível meso de análise, ou seja, a partir da explicação do nível operacional da PMDF que trabalha nos PCSs, o processo do serviço de PC por meio da expertise e dos dispositivos empregados por prestadores e usuários para prestação do serviço. Encontrando-se alteração em qualquer uma dessas características que compõem o serviço (ou todas elas), se verificará que houve agregação de valor ao resultado final. Nesse sentido, é possível perceber a alta correlação entre competências do usuário (CE) e competências do prestador (CI) (Figura 2).

Justifica-se esse achado por haver entre os policiais dos PCSs e a população atendida do PC a necessidade de apresentarem e desenvolverem competências afins para operacionalização do serviço, representando íntima relação de coprodução necessária à sua execução. A esse respeito, geralmente autores apontam que as polícias são resistentes às mudanças em suas habilidades e atitudes (Chalom et al., 2001; Poncioni, 2013), enquanto a população estabelece com as organizações policiais pressupostos de tensão que abarcam, entre outros, desconfiança e medo (Mesquita Neto, 2004; Oliveira Júnior & Silva, 2010; Rolim, 2007). Entretanto, o que se constatou é que em virtude dos PCSs houve uma concepção, pelos entrevistados, de uma IS de policiamento construído a partir da relação das partes, como preconiza Gallouj (2002). Para Cruz e Barbosa (2002b) e Poncioni (2013) esse comportamento é comum em organizações que atuam na área de segurança pública, pois as pressões do ambiente impelem o aprimoramento de suas competências para melhoria de sua atuação. Tal resultado encontra respaldo em outros estudos sobre PC sob a ótica da mobilização simultânea de competências na operacionalização do serviço (como em: Bayley & Skolnick, 2002; Bengochea, Guimarães, Gomes, & Abreu, 2004).

Na escala de RE abordou-se o fenômeno na PMDF e foi detectado que as capacidades operacionais relacionadas aos PCSs (CO) e a integração dos níveis e cargos na tomada de decisão sobre essas estruturas (TDE) apresentam elevada correlação. Esse achado se justifica pela estrutura hierárquica e burocratizada, segundo a qual a PMDF se classifica (Cruz & Barbosa, 2002a; Oliveira, 2011). Uma vez que a tomada de decisão estratégica se traduz em fluidez de informações e participação do nível operacional e esta não ocorre, conforme correlação de valor 74% entre os construtos TDE e CO, as capacidades operacionais também não são atendidas, existindo uma dissonância entre o necessário e o entregue pelo nível estratégico ao nível operacional. As exigências do ambiente (EA) não refletem as capacidades operacionais dos postos, ou seja, a estrutura do PCS não respeita as demandas locais da comunidade. Resultados semelhantes já haviam sido apontados por outros autores que pesquisaram sobre o PC das organizações policiais do Brasil. No estudo de Mesquita Neto (2004) relatando a experiência do PC em São Paulo, o desaparelhamento da polícia, em termos de equipamentos e estrutura, foi achado e correlacionado em simetria ao posicionamento estratégico da organização estudada. Para Rolim (2007), a inovação percebida no PC não é fruto nem das decisões advindas do nível estratégico das corporações (ocupado por policiais políticos), nem da estrutura física dos postos, decidida por pessoas que apenas pressupõem as necessidades de operacionalização do serviço de PC.

Essa percepção desenvolvida anteriormente acaba por trazer reflexões à correlação entre a TDE e a CTE (dos usuários). Observa-se que o fato de não existir fluidez de informações entre os níveis operacional e estratégico traduz-se em uma falta de capacidade operacional (correlação 0,69 entre TDE e CO, na Figura 2). Portanto, o fato do nível estratégico não atender às demandas operacionais necessárias gera na população, avaliam os respondentes, uma percepção de falta de aparatos técnicos. A comunidade, por consequência, não elimina seus próprios dispositivos, procedimentos e tecnologias empregados à sua segurança, ou seja, um escore baixo em tomada de decisão estratégica reflete em uma população que percebe a falta de recursos operacionais da corporação e por isso não dispensa seus próprios mecanismos técnicos de segurança. As condições internas operacionais (a estrutura) influenciam os métodos e tecnologias empregados para operacionalização do processo de prestação de serviço tanto quanto a tomada de decisão estratégica, pois o modo de operacionalizar o serviço está em consonância com os ditames da corporação.

De acordo com os entrevistados, as demandas do ambiente (EA) predizem as competências obtidas pelos policiais para execução do serviço (CI), ou seja, houve agregação de competências em função do contexto ambiental. Esse resultado contraria resultados obtidos por outro estudo, no qual é descrito que a população afirma que existe pouca interação da comunidade com os policiais militares (TCDF, 2009). Essa discrepância entre resultados pode ser explorada em futuros estudos, em que se avalie a influência de variáveis de contexto distintas entre os dois resultados, em especial relacionados aos argumentos da organização que discorda desse resultado, alegando que a pesquisa não foi realizada na área de coberturas dos PCSs e não tinha como objetivo avaliar o modelo de PC (UAG, 2010). As competências internas dos policiais sofrem influência superior das demandas do ambiente, da mídia e da população, enquanto a percepção do nível estratégico da organização exerce influência inferior aos anseios da população, respeitando naturalmente a característica do PCS, que exerce função de estar mais alinhado ao ambiente em que está inserido do que com a própria corporação. Em estudo anterior foi confirmada, em entrevistas e em análise documental, a capacidade das exigências do ambiente em predizer as competências externas, pois os conhecimentos adquiridos, pela visão do policial, estão em consonância com o que o ambiente demanda. Exemplos disso são a participação em palestras, cursos e atividades socioeducativas nos PCSs para informar e preparar a população. Assim, reconhece-se que o fator RE e seus itens, tanto na análise exploratória quanto confirmatória, predizem a ISSP.

 

5. Conclusões

O objetivo deste artigo foi evidenciar a influência que a RE pode ter sobre a ISSP, tomando como caso de análise os PCSs da PMDF. Nesse sentido testou-se, com a construção de duas escalas, uma primeira contribuição exploratória de um modelo da relação entre RE e IS de uma organização policial militar brasileira. Foram apresentadas evidências de validade das escalas, de forma exploratória e confirmatória, enfatizando-se com esta implicação a contribuição teórica à área de estratégia, especificamente em uma organização pública. Os resultados desta pesquisa mostram que as relações estruturais postuladas entre as variáveis são geralmente corroboradas pelas análises da amostra global. Observou-se que em virtude dos PCSs houve uma concepção, pelos entrevistados, de uma IS de policiamento construído a partir da relação das partes. Assim como em Menelau et al. (2015), este achado demostra que os PCSs são uma ISSP, nos quais é possível perceber que a resolução do problema está atrelada às interações da população e dos policiais da PMDF em uma multíplice relação de produção conjunta, composta por características humanas, estruturais e operacionais do serviço, conforme estabelece Gallouj (1997, 2002).

Em segunda instância argumenta-se também que a RE achada, ainda que não tenha sido atendida em todos os seus pressupostos, aproveita os esforços do desenvolvimento de serviço de PC prestado nos PCSs, amplificando o significado da inovação na PMDF, conduzindo a um aumento de seu conteúdo e sua receptividade. Achados semelhantes, em que a RE foi um potencial impulsionador de uma pequena ação para torná-la grande, podem ser encontrados em Mann (2002). No entanto, o fato da organização permanecer atrelada a outros paradigmas de estratégia, mais especificamente, na dependência da tomada de decisão de um grupo de elite no topo da hierarquia da PMDF, leva a um estado de dissonância estratégica interna (Brown, 1998, 2000), demonstrando descompasso entre intenção estratégica e capacidades de operações (Burgelman & Grove, 2012; Prahalad & Hamel, 2012), mas que não chega a se constituir em uma barreira para que a inovação ocorra.

Cabe ressaltar aqui como principais contribuições empírica e teórica o ineditismo da pesquisa, tanto na magnitude da coleta de dados em uma PM quanto na proposição da relação entre RE e IS. E, embora obtidas evidências de validação das escalas e sendo essas capazes de explicar tanto a RE quanto a inovação do serviço de policiamento, alguns limites devem ser destacados: estudo restrito a uma única organização, a PM do DF, impossibilitando a generalização para outras Polícias Militares e para outras organizações similares. Seria interessante realizar a pesquisa em indivíduos usuários do PC; em amostras representativas de Polícias Militares em outras unidades da Federação, em outras organizações e em outros contextos organizacionais para ambas as escalas. Outro estudo poderia ser realizado em termos intercultural e transcultural para avaliar a estrutura e a consistência desses indicadores e a predição destas em organizações policiais em diferentes países, comparando os resultados com os estudos brasileiros.

 

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