Mérito não é para qualquer um: a percepção de gerentes negros sobre o seu processo de ascensão profissional

 

Merit is not for everyone: the perception of black managersabout their process of career mobility

Andréa Alcione de Souza

Professora do Departamento de Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- Minas). Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). E-mail: andrea.asouza@uol.com.br. ORCID: 0000-0002-6009-2221

 

Rafaela Cyrino Peralva Dias

Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rafaelacyrino@hotmail.com. ORCID: 0000-0003-1575-1483

 

 

Resumo: O artigo analisa, a partir de uma pesquisa realizada em Belo Horizonte com 25 gerentes negros, como o discurso de ascensão profissional é fundado na ideia de um mérito pessoal. Através de autores como Pierre Bourdieu, Jessé Souza e Carlos Hasenbalg, a investigação analisou, a partir desta problemática central, os pressupostos, as funcionalidades e o caráter produtivo que a ideia de mérito pessoal assume no discurso dos entrevistados. Os resultados obtidos apontam, no discurso dos gestores, para uma percepção acerca do processo de ascensão profissional com fortes componentes meritocráticos, percepção esta que ignora ou minimiza as pré-condições sociais, emocionais, morais e econômicas que interferem no desempenho diferencial obtido pelos indivíduos. Acrescenta-se, ainda, que esta percepção implica em uma desqualificação de qualquer argumentação que reforce as barreiras raciais em seus processos de ascensão profissional, o que contribui para ocultar a dimensão política, econômica e social do racismo no país.

Palavras-chave: mérito, raça, ascensão profissional

 

Abstract: The article analyzes, from a research carried out in Belo Horizonte with 25 black managers, in which way the discourse of professional ascent is based on the idea of personal merit. Through authors like Pierre Bourdieu, Jessé Souza and Carlos Hasenbalg, the investigation analyzed, from this central problematic, the assumptions, the functionalities and the productive character that the idea of personal merit assumes in the interviewees’ discourse. The results obtained point out, in the managers’ discourse, a perception about the professional ascension process with strong meritocratic components, a perception that ignores or minimizes the social, emotional, moral and economic preconditions that interfere in the differential performance obtained by individuals. It is also noted that this perception implies a disqualification of any argument that reinforces the racial barriers in their professional ascension processes, which contributes to conceal the political, economic and social dimension of racism in the country.

Key words: merit, race, professional ascension

 

INTRODUÇÃO

 

O grau de mobilidade social da população é uma dimensão importante para se compreender como o desenvolvimento econômico do país contribui para a redução das desigualdades sociais. No Brasil, os resultados do desenvolvimento econômico são distribuídos de forma desigual, privilegiando alguns indivíduos em detrimento de outros e reforçando a ideia da existência de barreiras sociais que comprometem o acesso igual de determinados grupos às oportunidades de ascensão social. Nesse processo, quando o indivíduo alcança posições mais elevadas na estrutura social ou ocupacional, verifica-se a possibilidade de novos ganhos econômicos, culturais, simbólicos e educacionais, além de mudanças de valores e atitudes.

Analisando o retrato das desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro, encontramos as evidências explícitas das situações e condições diferenciadas de negros e brancos, seja no momento da inserção, da construção da trajetória ocupacional, ou na possibilidade de ascensão profissional (HASENBALG; VALLE SILVA, 2005).

Marcada pela complexidade de sua identificação e compreensão, a discriminação racial no Brasil possui características próprias que limitam o seu reconhecimento, como uma dimensão importante no conjunto de nossas desigualdades sociais. No entanto, sua manifestação sistemática, evidente ou difusa, permanece impondo barreiras que influenciam negativamente o ciclo de vida de metade da população brasileira. Ora, visto que as barreiras raciais no Brasil nem sempre são fáceis de serem identificadas, torna-se importante desenvolver estudos que busquem compreender, de alguma forma, se a população negra que ascendeu profissionalmente concebe e explica o seu processo de ascensão apenas de um ponto de vista individual e se, consequentemente, existe espaço para uma percepção crítica dos condicionamentos sociais que impactam nos processos de ascensão social da população negra.

Assim, este trabalho busca analisar, a partir de uma pesquisa realizada na cidade de Belo Horizonte no ano de 2012 com gerentes negros, a percepção que estes possuem acerca do seu processo de ascensão profissional, tendo por objetivo identificar e avaliar, entre os entrevistados, a recorrência de um discurso centrado no mérito pessoal. Nesse sentido, podemos nos perguntar: para serem reconhecidos como membros de uma classe melhor situada na sociedade estratificada, teriam os gerentes negros que assumir e naturalizar o discurso meritocrático e negar as ações afirmativas de cunho racial? Em linhas gerais, a análise empreendida buscou compreender de que maneira o discurso de ascensão manifestado pelos gerentes é fundado na ideia de um mérito pessoal, que ignora ou minimiza as pré-condições sociais, emocionais, morais e econômicas que interferem no desempenho diferencial obtido pelos indivíduos.

A metodologia desenvolvida centrou-se em uma análise de conteúdo das entrevistas em profundidade realizadas com 25 gestores de empresas públicas e privadas tendo por objetivo investigar, de maneira crítica, a presença de um discurso centrado na ideia de mérito pessoal como explicação para a ascensão na carreira profissional. A análise da recorrência desse discurso e das suas consequências produtivas teve por base teórica a caracterização do discurso meritocrático realizada por Jessé Souza (2011), sobretudo a eleição realizada pelo autor dos principais traços que estruturam esse discurso.

Além do objetivo central delineado anteriormente, a investigação procurou analisar, de maneira específica, a partir de aportes teóricos de autores como Pierre Bourdieu (2013), Jessé Souza (2011) e Carlos Hasenbalg (1979), os pressupostos, as funcionalidades, e o caráter produtivo que a ideia de mérito pessoal assume no discurso dos entrevistados. O caráter produtivo do discurso meritocrático indica que este contribui, de maneira importante, para engendrar determinadas interpretações dos eventos de discriminação racial vivenciados pelos gestores negros, para justificar posicionamentos políticos em relação às chamadas ações afirmativas, para legitimar concepções de justiça que ignoram o peso das desigualdades sociais e raciais, entre outros, contribuindo para reforçar uma concepção tecnocrática do mundo, pouco sensível aos problemas estruturais presentes na nossa sociedade.

 

O DISCURSO MERITOCRÁTICO E A NATURALIZAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS

 

Uma análise dos componentes históricos e funcionais que o discurso baseado no mérito pessoal adquire na configuração da chamada modernidade torna-se importante, por considerarmos, tal como propõe Lívia Barbosa (2003), que a ideologia meritocrática constitui-se em um dos principais componentes de hierarquização social das sociedades modernas. De fato, o “projeto de modernidade”, ao propor o rompimento com a ordem social instituída pelo antigo regime, significou também a ruptura com certos valores a ela associados e com a estrutura de dominação que a legitimava socialmente.

Max Weber (2012), autor que forneceu as bases teóricas para o desenvolvimento da chamada “sociologia da dominação”, considera que a administração burocrática, plenamente desenvolvida no Estado Moderno, é altamente funcional para o processo de desenvolvimento da grande empresa capitalista. De fato, tal dominação burocrática, por ser baseada na racionalidade, constitui-se em um fator essencial para o sistema capitalista, cujo desenvolvimento criou uma necessidade histórica de uma administração contínua, rigorosa, intensa e calculável (WEBER, 2012, p. 146).

Esta sociedade burguesa, de base capitalista, fundamenta-se no pressuposto da igualdade e da liberdade e valoriza a racionalidade, a individualidade, a competição e a ética do desempenho. O que Max Weber (2004) irá caracterizar como “o espírito do capitalismo” consiste justamente em uma conduta de vida baseada no racionalismo econômico e sustentada por uma forte devoção ao trabalho, ao desempenho e ao sucesso econômico. O predomínio dessa ética do desempenho indica que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser consequência do mérito pessoal de cada um, sendo este o componente notadamente ideológico do sistema meritocrático típico das sociedades modernas (BARBOSA, 2003).

Ora, as bases ideológicas desse sistema podem ser encontradas na própria descrição que Max Weber (2012) faz do tipo ideal de dominação burocrática, apresentada pelo autor como uma forma de administração tipicamente moderna. Contrapondo-se a uma dominação tradicional, baseada na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais, a sociedade moderna, tendo como modelo a administração burocrática, inaugura uma dominação pretensamente fundada na razão. O caráter racional da administração burocrática opera de maneira a veicular a ideia de que a dominação é não apenas racional, mas justa, porque ocorre, não a partir dos humores e das arbitrariedades de um “senhor”, mas em virtude do “conhecimento”.  É, portanto, a partir desta racionalidade legitimadora que ocorre uma espécie de nivelamento dos dominados diante do grupo dominante que se observa, por exemplo, na instituição de um “recrutamento universal dos profissionalmente mais qualificados” (WEBER, 2012, p.147).

Este componente meritocrático que, nas sociedades modernas associa-se a uma ética do desempenho, é informada pelo pressuposto da igualdade, o qual legitima as hierarquizações sociais a partir do apelo a um critério de justiça que busca premiar os melhores, os mais talentosos, os mais capacitados. Entretanto, essa suposta “igualdade jurídica” entre os indivíduos e o nivelamento dos dominados diante do grupo dominante (WEBER, 2012) contribui para ocultar as razões reais e concretas das desigualdades sociais (sua base material), repleta de contradições. É a partir dessa perspectiva que abordamos, neste estudo, os componentes ideológicos da meritocracia, vista como uma concepção que, ao naturalizar as desigualdades sociais típicas das sociedades ditas modernas, contribui para a sua reprodução, justificação e legitimação.

Ora, resgatar a origem ideológica do pensamento meritocrático nas sociedades modernas é importante para que se possa analisar de maneira crítica esse pressuposto de igualdade à base deste ideário, pois este se revela tão mais inadequado quanto mais desigual for a sociedade. No caso da sociedade brasileira, constituída por uma desigualdade expressiva, a defesa intransigente do mérito pessoal contribui para criar um senso comum em que as “desigualdades” são vistas como “justas”, por serem compreendidas como o resultado do esforço e do desempenho diferencial entre os indivíduos.

Souza (2011) observa que o principal suporte para esta ideologia meritocrática é o esquecimento do social no individual, pois “toda determinação social que constrói indivíduos fadados ao sucesso ou ao fracasso tem que ser cuidadosamente silenciada” (SOUZA, 2011, p. 43), para que prevaleça uma concepção de sucesso pautada apenas nas habilidades, capacidades e engenhosidade do indivíduo. Assim, ocultando-se as determinações sociais que influenciam o desempenho individual, justifica-se e legitima-se todo tipo de privilégio em condições modernas.

Associado a esse pressuposto “democrático”, encontra-se um raciocínio do tipo economicista que concebe “a sociedade como sendo composta por um conjunto de homo economicus, ou seja, agentes racionais que calculam as suas chances relativas na luta social por recursos escassos com as mesmas disposições de comportamento e as mesmas capacidades de disciplina, autocontrole e responsabilidade” (SOUZA, 2011, p. 17). A mobilidade social ou profissional seria resultado da articulação entre atributos individuais como educação, idade, qualificação com as condições estruturais de crescimento econômico.

Jessé de Souza (2011), em A ralé brasileira: quem é e como vive, aborda de que forma o pensamento meritocrático e economicista, típico das sociedades modernas, contribui para a reprodução e aprofundamento das desigualdades sociais. Souza corrobora a ideia de que a legitimação do mundo moderno como mundo “justo” está baseada na meritocracia. No caso do Brasil, o autor afirma que a cultura do mérito se sustenta na crença de que, na sociedade brasileira contemporânea, as barreiras de sangue e de nascimento, presentes nas sociedades pré-modernas, não são mais impedimentos à ascensão profissional, e que hoje, só se leva em conta, o desempenho diferencial dos indivíduos.

Há ainda que se considerar que a sociedade brasileira, como bem sublinhou Souza (2011), caracterizou-se historicamente por uma oposição entre uma classe excluída de todas as oportunidades materiais e simbólicas de reconhecimento social e as demais classes sociais que são, ainda que diferencialmente, incluídas. Ora, nesse sistema de oposição simbólica informada por valores de superioridade-inferioridade, o processo de competição social significa se aproximar, o máximo possível, da esfera de valores socialmente digna de mérito e reconhecimento.

De acordo com Souza (2011), a ideologia do mérito individual implica um esquecimento do “social” e uma desconsideração por todas as pré-condições sociais, emocionais, morais e econômicas que permitem criar o indivíduo produtivo e competitivo. A partir dessa ideologia, o “fracasso” é compreendido do ponto de vista individual, o que tende a reconfigurar a própria noção de justiça, pois, quanto mais um sistema competitivo é baseado na meritocracia, mais o mérito é considerado a medida ideal de justiça.

A noção de justiça social baseada no mérito individual é fortemente amparada pelo projeto da modernidade, podendo ser observada, de maneira exemplar, na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” de 1789, onde afirma-se um princípio constitutivo de grande parte das Constituições ditas “modernas”: a que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sendo igualmente admissíveis a todos os lugares e empregos públicos, sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Souza (2011) observa que a definição de justiça social especificamente moderna significa supor que as sociedades devem dar a cada um de acordo com o seu mérito, mantendo-se a ilusão de que a igualdade social se encontra, dessa forma, preservada. De fato, conforme observou Weber (1999), a estrutura mesma de dominação cria a necessidade de considerar o contraste que engendra o privilégio como legítimo e a situação “do outro” como resultado de alguma culpa dele. É nesse sentido que a “lenda” de todo grupo privilegiado é sua superioridade natural e a suposição consequente de que “cada indivíduo tem o destino que merece” (WEBER, 1999, p. 197).

É importante sublinhar que Jessé de Souza (2011) analisa o processo de reprodução das desigualdades sociais, dos quais participam ativamente o mercado, o Estado, uma “ciência” e um senso comum, a partir de certos “consensos sociais vigentes, dos quais todos nós participamos” (SOUZA, 2011, p. 24). Isso significa considerar que a ideologia dominante que naturaliza a desigualdade e “aceita produzir ‘gente’ de um lado e ‘subgente’ de outro” (SOUZA, 2011, p. 24), mesmo sendo reproduzida cotidianamente por indivíduos, não pode ser analisada, desconsiderando-se esse processo de produção e reprodução social informado pelos saberes dominantes, legítimos e autorizados em uma dada sociedade. Neste processo de reprodução social, como salienta Bourdieu (2013, p.438), “a ordem social se inscreve, progressivamente nos cérebros”, dificultando, em certa medida, a percepção sobre os limites e contradições da mitologia social vigente. 

Estes consensos sociais, mudos e silenciosos, tanto articulam solidariedades quanto preconceitos profundos (SOUZA, 2011, p. 409). Além disso, é importante considerar que “todo processo de dominação social se baseia em formas de violência simbólica, ou seja, em mecanismos que obscurecem e suavizam a violência real e a tornam aceitável e até mesmo desejável inclusive para suas maiores vítimas” (SOUZA, 2011, p. 398). É nesse sentido que se deve enfrentar o desafio de articular aquilo que foi separado: o individual e o social, pois não basta reconhecer a força das interpretações dominantes, é necessário também reconhecer que “não existe dominação social injusta sem que esta seja legitimada como boa e justa” (SOUZA, 2011, p. 419). E o enfrentamento desse desafio implica em se colocar em questão os consensos sociais latentes, os quais operam de maneira a ocultar ou minimizar os condicionamentos sociais que ajudam a explicar as diferenças de desempenho entre os indivíduos de uma dada sociedade.

 

O SISTEMA DE DISTINÇÕES SOCIAIS E A LUTA SOCIAL POR RECURSOS ESCASSOS

 

Na análise do caráter notadamente produtivo que o discurso meritocrático assume na fala dos entrevistados, torna-se importante retomar a contribuição de Pierre Bourdieu (2013), em especial, a maneira como o autor analisa o processo de reprodução e legitimação da ordem social vigente. Ao compreender a estrutura social como um sistema hierárquico que institui relações de poder e privilégio, Bourdieu se interessa tanto pelos aspectos materiais que fundamentam o processo de dominação quanto pelos seus componentes simbólicos.

Bourdieu (2013) analisa a estrutura social como um campo de lutas em que as posições e tomadas de posição se definem de maneira relacional, a partir do sistema de classificação dominante que se encontra na origem das representações. Este sistema de classificação dominante remete à oposição mais fundamental da ordem social: a oposição entre dominantes e dominados, base da hierarquia social e do sistema de distinções sociais. Nesse campo de lutas, indivíduos e grupos elaboram estratégias visando manter ou melhorar a sua posição na hierarquia social. De acordo com essa perspectiva, portanto, nada mais compreensível do que encontrarmos indivíduos ou famílias que procuram, de maneira consciente ou inconsciente, aproximar-se do habitus da “elite” dos dominantes, visando conservar ou elevar sua posição social na estrutura das relações de classe, visto que a “experiência primordial do mundo é a doxa, adesão às relações de ordem que são aceitas como evidentes” (BOURDIEU, 2013, p. 438).

É interessante nos atermos um pouco mais à maneira como Bourdieu (2013) descreve e explica o funcionamento dos sistemas de classificação, extremamente eficazes, segundo o autor, para o fortalecimento das representações estruturadas em conformidade com a classificação. Nesse processo, repleto de antagonismos, os sinais de distinção, que exprimem o pertencimento às classes, cumprem um papel fundamental na reprodução do sistema. Tais sinais de distinção não se restringem ao domínio material, mas implicam, de maneira importante, aspectos simbólicos, os quais indicam se o indivíduo é ou não reconhecido como membro de uma dada classe/fração de classe. Jessé de Souza (2011), ao enfatizar a transferência de valores imateriais na reprodução das classes sociais e de seus privilégios, afirma que o processo de competição social não começa na escola, como em geral se acredita, pois o chamado capital cultural vai sendo adquirido pelo indivíduo desde a sua primeira infância, no processo de socialização primária, em que são aprendidos tanto os hábitos, atitudes e comportamento típicos de uma determinada classe, quanto os que são considerados “a referência” em termos de “superioridade”, os quais compõem os estilos de vida valorizados socialmente.

No processo de produção de indivíduos diferencialmente aparelhados para a competição social, Jessé de Souza (2011) enfatiza dois aspectos fundamentais. Um deles é a preocupação da família em promover a autoconfiança do indivíduo, para que este aprenda que é amado de modo incondicional pelos pais. Isso confere, segundo Jessé, a quem o possui, a certeza do seu próprio valor. Outra aprendizagem fundamental para uma melhor habilitação do indivíduo ao processo de competição social refere-se ao mecanismo disciplinar, quando se aprende a comer nas horas certas, fazer os deveres de casa, arrumar o quarto, saber se portar em ambientes sociais, dentre outros. Essas são algumas aprendizagens que integram o chamado “capital cultural”, capital este que, apesar de ajudar a explicar o desempenho diferencial dos indivíduos em uma dada sociedade, é continuamente acobertado pelos mecanismos de dominação social. Principalmente para os profissionais negros, pois a sua cor ou raça pode ser um elemento definidor do seu ‘lugar social’.

 

ASCENSÃO SOCIAL E DESIGUALDADES RACIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

 

A maior parte dos estudos sobre as relações raciais no Brasil analisa a participação dos negros na sociedade brasileira em vários estágios do nosso desenvolvimento, tentando compreender o reflexo de nossas heranças históricas nas formas contemporâneas de discriminação racial. No entanto, a visibilidade das desigualdades raciais impõe a necessidade da ampliação dos estudos que nos ajudem a compreender como e porque, depois de mais de cem anos da abolição, a maioria dos negros permanece integrando a parcela mais vulnerável da população brasileira.

A discriminação racial no Brasil, depois da escravidão, aconteceu por meio do empobrecimento e de abuso verbal, utilizando para isso a classe e a cor dos indivíduos. Há no país uma ideia geral que aponta para a inferioridade dos povos africanos e, consequentemente, o baixo nível cultural de seus descendentes.

Segundo Guimarães (1999), o racismo no Brasil passou por duas fases distintas. Em um primeiro momento, a discriminação racial era aberta, mas informal e influenciada pela discriminação de classe e gênero. Esse fato acabou gerando segregação em espaços públicos e privados: bares, restaurantes, igrejas. No momento atual, a discriminação racial segue os mecanismos de mercado, isolando indivíduos e não grupos; ou mecanismos psicológicos de inferiorização das características individuais, o que leva à autoexclusão. A maior parte dos brasileiros, ao mesmo tempo que admite a existência de racismo no país, se autodeclaram não-racistas. Nesse sentido, se revela uma tendência a transfigurar o racismo em discriminação de classe manifesta nas relações sociais. Assim, em nosso país, mesmo a maioria dos brasileiros negando ser racista, o preconceito contra os negros é demonstrado/revelado na prática social. (RODRIGUES, 1995).

Um ponto central dessa discussão se refere à ascensão profissional dos negros e à sua subrepresentação em postos de destaque em organizações públicas e privadas. De fato, a problemática da ascensão social da população negra esteve presente, de alguma forma, na história da sociedade brasileira, desde o período colonial. Um estudo marcante sobre a ascensão dos negros na sociedade brasileira foi apresentado na obra de Gilberto Freyre (2006). A percepção desse autor do Brasil como um país integrado culturalmente cuja principal evidência seria a miscigenação, resultou na constatação da ascensão do bacharel e do mulato. O mulato, ao incorporar traços físicos de brancos e negros e com o apadrinhamento de algum bom feitor poderia seguir carreira e alterar o seu status social.

Já no contexto de uma sociedade industrializada e no âmbito das pesquisas resultantes do projeto da UNESCO[1], Thales de Azevedo analisou a ascensão social das ‘pessoas de cor’ na sociedade baiana. Segundo Azevedo (1996) é apenas parcialmente verdade que na Bahia não existe preconceito de cor, dado o grande número de negros e pardos na composição de sua população. Uma parte da população branca do estado considerava os negros como pessoas inferiores do ponto de vista social e biológico. Para esse grupo de indivíduos, existência de um grande número de negros seria responsável pelo atraso econômico do Estado. Mas, segundo Azevedo (1996), essas discriminações eram brandas e estavam restritas a determinados setores. Os negros estavam em desvantagens, pois sua cor remetia à lembrança dos escravos africanos, acostumados a serviços braçais e integrantes das camadas mais pobres da sociedade. No entanto, na Bahia sendo uma sociedade multirracial e de classes, a ascensão dos negros estaria condicionada única e exclusivamente por suas aptidões individuais e, nesse sentido, esse grupo competia em condições de igualdade com os brancos. Para Azevedo (1996), o aumento do nível educacional, a adesão à cultura dominante (dos brancos) e os mecanismos de proteção, como a ajuda de padrinhos e madrinhas, eram fundamentais para ascensão dos negros. As ações de apadrinhamento nesses moldes foram denominadas pelo autor como um ‘parentesco espiritual’. Esta questão remente às relações de afeto e simpatia entre negros e brancos traduzida, em alguns momentos, em ajuda e proteção, mesmo sem haver relações sanguíneas.

Os trabalhos do projeto da UNESCO que trataram das relações raciais no Rio de Janeiro e em São Paulo[2] enfocaram as formas de integração do negro no sistema de classes e na estratificação social, além de analisar a vida associativa e a natureza e função do preconceito racial nessa região. A interpretação de Florestan Fernandes (1965), que analisou a questão racial em São Paulo, foi fundamental para estudos posteriores sobre a integração do negro na estrutura de classes. Segundo esse autor, a exclusão dos negros na primeira etapa da industrialização paulista, em 1930, foi consequência de uma política governamental de incentivo à imigração. Sabemos que a imigração teve um duplo papel na emergente sociedade capitalista no Brasil: dissociar o trabalho livre do trabalho escravo e melhorar o perfil étnico-racial do país. Para Hasenbalg (1999), essa interpretação deve considerar um fenômeno importante que contribuiu para a incorporação tardia dos negros ao ambiente urbano-industrial da época: a maioria dos negros se concentrava em regiões economicamente menos dinâmicas, como Norte e Centro-Oeste. Fora do Sudeste, brancos, pretos e pardos permaneceram ligados à agricultura no período de 1940 a 1950. Essa situação, articulada às desigualdades de educação e de renda, influenciou decididamente a distribuição dos grupos raciais nos estratos ocupacionais que emergiram com a industrialização. Além disso, o argumento otimista de que o desenvolvimento no Brasil de uma sociedade de classes poderia favorecer à integração social do negro, presente na análise de Florestan Fernandes, também não se cumpriu. Se na sociedade escravista o direito de posse sobre o escravo e a violência do proprietário foi suficiente para garantir a dominação sobre os negros, na sociedade de classes, ao se tornarem todos iguais perante a lei, “foi preciso desenvolver mecanismos sociais que assegurassem, em nome da desigualdade natural, a acomodação dos negros ao sistema de posições e vantagens assimétricas” (HASENBALG, 1979, p. 118).

A atribuição de qualidades negativas ao negro, por meio do racismo, é entendida assim como um mecanismo de dominação que visa, prioritariamente, manter os privilégios do grupo branco na estrutura social. No mercado de trabalho, foi fundamental para garantir a disponibilidade de mão de obra farta e barata e para perpetuar uma cultura que, por meio de práticas discriminatórias e da violência explícita ou simbólica, tem limitado as oportunidades dos negros no processo de mobilidade social. “O racismo como mecanismo de seleção social coloca os brasileiros não-brancos em desvantagem no processo competitivo de mobilidade social individual e os confina à base da hierarquia social” (HASENBALG; VALLE SILVA, 1999, p. 41). A discriminação racial tem um efeito perverso ainda mais grave: faz com que os negros regulem suas aspirações aos estereótipos culturalmente aceitos, que definem um ‘lugar dos brancos’ e um ‘lugar dos negros’ na estrutura social. No mercado de trabalho, o racismo funcionou e continua funcionando como um instrumento de desqualificação dos negros para o trabalho, reservando a estes os postos mais precários e mal remunerados. Essa situação persiste até hoje.

Com relação à inserção na estrutura produtiva, além de ingressarem mais cedo no mercado de trabalho os negros também demoram mais para se aposentarem.

 

As dificuldades para a manutenção e reprodução das famílias negras implicam no ingresso precoce de seus membros no mercado de trabalho, o que pode resultar em obstáculo a uma vivência escolar plena, acumulando prejuízos para a qualidade futura do conjunto da força de trabalho. (DIEESE, 2001, p. 132).

 

A questão acima nos remete às formas veladas de racismo que existem na sociedade brasileira e que se manifestam por mecanismos sutis, às vezes difíceis de serem percebidos. No imaginário social brasileiro há um lugar para o negro e um lugar para o branco e uma das formas de perceber a distinção dos lugares é observar o “estranhamento” de ver um negro ou uma negra fora do seu lugar. Esse lugar, como qualquer outro, possui coordenadas de sua localização. Santos (1995) elege as coordenadas para fixar o negro em determinados espaços como sendo o fenótipo (crioulo), a condição social (pobre), o patrimônio cultural (popular), a origem histórica (ascendência africana) e identidade (autodefinição e definição pelo outro). Desse modo, estranham-se negros em postos de comando, em cargos de chefia, em altos cargos da esfera pública, do legislativo, do judiciário, e assim por diante, porque estariam fora do “seu lugar”: na base da estrutura de classe estratificada do modelo capitalista brasileiro, reproduzida em todas as esferas da vida social, inclusive no mercado de trabalho. Assim, estas coordenadas de localização do negro na sociedade brasileira, marcada pela desigualdade, acabam por determinar os cargos que os negros prioritariamente deveriam ocupar, nomeadamente os cargos destinados à reprodução da mão de obra barata, tanto na formação como na remuneração da força de trabalho.

Para Hasenbalg (1979), a população negra no mercado de trabalho no Brasil também está sujeita aos mecanismos de dominação de classe que afetam outros grupos. No entanto, os negros sofrem, ainda hoje, uma discriminação peculiar em função da sua condição racial.

Para Osório (2004), a acumulação de desvantagens causadas por ser negro no Brasil comprova a existência de barreiras raciais no processo de mobilidade ocupacional. A sobrerrepresentação dos negros nos estratos inferiores do mercado de trabalho implica uma desvantagem logo de partida para as novas gerações. Além disso, a origem de pobreza, a ocupação dos pais e a dificuldade de acesso à educação e a qualificação limitam a ascensão ocupacional desse grupo social.

Carlos Hasenbalg (1999) analisou a mobilidade social de brancos e negros, desdobrando seu estudo em três etapas: a mobilidade intergeracional; a influência da posição social dos pais nas realizações dos filhos, e a influência da educação no acesso ao mercado de trabalho. As principais conclusões desse estudo foram: os negros experimentam um déficit de mobilidade ascendente, o que permite rejeitar a ideia da igualdade de oportunidades para os grupos de cor; a mobilidade intergeracional mostrou que entre as pessoas nascidas no estrato mais baixo de ocupação rural, os brancos tiveram uma pequena vantagem nas chances de ascensão social; os negros estavam mais vulneráveis à mobilidade descendente do que os brancos; os negros estavam mais concentrados nos estratos mais baixos da estrutura social e o aumento do nível educacional possuía uma ação limitada para o processo de ascensão social dos negros.

Dessa forma, os autores desse modelo confirmam que a origem social e a discriminação racial se interagem nos processos de ascensão social. Apesar de haver evidência de barreiras que limitam a ascensão social dos negros no mercado de trabalho, alguns indivíduos desse grupo alcançam postos de destaque em organizações públicas e privadas no Brasil. A possibilidade de ascensão, mesmo sendo minoritária entre a população negra, revela que, apesar das barreiras raciais existentes, não se pode recair em uma visão determinista e fatalista acerca dos condicionamentos sociais. Uma análise que pretende levar em conta a complexidade da realidade social deve colocar em suspeita tanto uma visão puramente determinista que considera as barreiras raciais como obstáculos intransponíveis quanto uma visão puramente individualista que explica os processos de ascensão unicamente a partir dos méritos individuais.

 

O DISCURSO DO MÉRITO NA ASCENSÃO SOCIAL DOS GESTORES NEGROS

 

Como já mencionado, foram realizadas 25 entrevistas com profissionais negros responsáveis por áreas ou setores importantes de organizações públicas e/ou privadas. Caracterizamos o trabalho gerencial desses profissionais a partir do nível de suas responsabilidades, pela exigência de qualificação específica para a ocupação do cargo e pela natureza da sua relação com subordinados e clientes/beneficiários da organização. A maioria possuía curso superior completo, era casado (a), com filhos e com um padrão de vida característico das classes médias brasileiras. As barreiras transpostas pelos gestores entrevistados estavam relacionadas à posição social da família de origem (pobreza, número maior de filhos e escolaridade dos pais), à necessidade de inserção precoce no mercado de trabalho, à dificuldade de completar o ciclo completo de escolarização e à manifestação de preconceito percebida ao longo da vida. Ao transpor essa barreira, a maioria dos entrevistados experimentou a mobilidade inter e intrageracional, motivados, principalmente pelo ideal de não reproduzir as dificuldades da infância e da juventude. Observamos que todos avançaram na estrutura social, se analisarmos a família de origem. Mas os episódios de racismo estiveram presentes na vida dos entrevistados já na infância e na primeira idade escolar, como demonstra os relatos abaixo:

 

É, na minha escola meu apelido era ‘macaca’. Eu ficava chateada com isso. Toda criança negra, ou pelo menos toda negra, até hoje, que entra na escola descobre o racismo. A escola é um lugar que se descobre o racismo forte. Porque no ambiente familiar... A família protege, a família cuida muito da gente. E é quando a gente vai para a escola que a gente tem a exata dimensão de que você é diferente. E aí tem a coisa do cabelo que as pessoas sempre estão criticando e ridicularizam, tem a cor da pele. Na adolescência, no interior, é complexo porque a menina negra não tem namorado, é difícil você se relacionar. (Maria, gestora pública municipal).

 

Na minha escola falavam que eu tinha o cabelo ruim. Aí eu fazia tranças para ficar melhor. E na rua sempre havia xingamentos [...]. Eu não entendia muito bem porque isso acontecia. (Ana, gerente de uma loja de móveis).

 

Sempre havia piadas racistas na escola, eu não ria. Ficava com aquela cara. Um dia eu estava voltando da biblioteca, quando eu tinha oito anos, e ouvi alguém dizer: ele é negro. Eu procurava não dar muita atenção a isso. Mas eu sempre tive a consciência que o Brasil é um país racista. Desde muito pequeno. (Ricardo, gerente de área de uma grande indústria.).

 

Quando eu era criança sempre ouvia piadas com relação a minha cor na minha escola. (Flora, gestora pública municipal).

 

Eu sempre tive problemas com os colegas e com os professores com relação a minha cor. Havia piadas, xingamentos e brigas. As professoras nunca ficavam do meu lado. (Dirceu, gerente de setor de uma grande indústria).

 

Se, no passado, a ascensão social dos negros era fruto do apadrinhamento e da afiliação de alguns benfeitores brancos, hoje esses elementos não estão mais presentes: o apoio da família de origem, a disposição individual para o trabalho e para a qualificação, a persistência frente às adversidades, a aceitação dos valores organizacionais e a forma de reação à discriminação parecem ser, na visão dos entrevistados, mais decisivos para o sucesso profissional. As manifestações de preconceito racial nas empresas quase sempre estavam relacionadas à internalização pelos brancos de uma imagem negativa dos negros, principalmente no que se refere às competências e habilidades necessárias para o exercício da função gerencial.

Nesse ponto é importante ressaltar que a competição interna e as dimensões subjetivas na contratação e avaliação dos empregados transformam o ambiente organizacional em um local privilegiado para as práticas discriminatórias (BENTO, 2002). Assim, é preciso levar em conta que nem sempre um evento de discriminação no trabalho é diretamente relacionado com o preconceito, visto que a ação discriminatória pode ser motivada, prioritariamente, pela manutenção de privilégios, ou pela busca de poder na empresa. Entretanto, é importante ressaltar que, mesmo quando se discrimina um sujeito negro para se manter determinados privilégios, esta discriminação, ao possuir um alvo bem específico (um sujeito negro), encontra o seu fundamento no racismo e em uma visão de superioridade da população notadamente branca.

A discriminação institucional, segundo Bento (2002), ocorre independentemente do fato de a pessoa ter ou não preconceito aberto ou a intenção de discriminar. Afinal, para aquele que discrimina vivemos em uma democracia racial, logo, aqueles que não são bem-sucedidos no trabalho são os mais incompetentes, os menos esforçados e dedicados ao trabalho. A discriminação institucional é tão eficiente que a maioria dos entrevistados se considera uma exceção em função da situação da maioria dos negros no país. Para eles, o problema estaria no indivíduo e não nas instituições. Isso ficou evidente na fala dos entrevistados: das 25 entrevistas realizadas para compor a pesquisa, 80% dos gerentes responderam às indagações de forma rápida, sintética e descompromissada, desqualificando as perguntas sobre manifestação de racismo no ambiente de trabalho, justificando a sua trajetória ascendente, a partir de suas qualificações ou competências pessoais e profissionais, como os relatos a seguir:

 

Havia muita competição interna no Banco. Logo que fui aprovado no concurso, a turma do concurso anterior já ficou desconfiada, pois achavam que seríamos promovidos antes deles. Mas isso não aconteceu. Aconteceu outro fato. Logo que entrei no Banco como funcionário, entrou uma colega também e escurinha’. Nós dois fomos designados para trabalhar no setor administrativo. Ao todo éramos 16 novos empregados. Somente nós dois éramos negros. Fomos colocados para trabalhar no arquivo do banco, que é um setor de retaguarda. Não tínhamos contato com o público. Trabalhávamos com controle e pesquisa de documentos, distribuição de extratos e coisas assim. Todos os colegas brancos foram promovidos antes. Nós fomos os últimos. Um dia um colega meu se indignou e perguntou ao chefe do setor: ‘escuta, não vai haver um rodízio de funções? Eles (eu e a minha colega) estão há muito tempo no mesmo setor’. O chefe respondeu: “Não, o lugar deles é aqui” ... Meu colega ameaçou acionar o sindicato e eu disse para ele não mexer com isso... Afinal, ainda estávamos em estágio probatório e isso poderia nos prejudicar. Assim eu e essa minha colega demoramos mais que os outros a subir no banco. Da minha turma de concurso eu fui o último a ser promovido. (Rafael, gerente de área de um banco público.)

 

Quando assumi o posto de gerente de operações do shopping, alguns lojistas dispararam um e-mail anônimo com a seguinte mensagem: ‘Agora o shopping contratou um gerente negro... O que um negro sabe fazer? Negro quando não (sic) na entrada, na saída é certa e outras coisas mais’. Este e-mail foi para a administração do shopping, para os outros gerentes. Mas eu não sinto nada, eu acredito que o preconceito está dentro da cabeça das pessoas. Não faz diferença para mim. Continuo fazendo o meu trabalho da melhor forma possível. Quando eu era pequeno eu dava porrada... agora eu não ligo. Mas uma coisa é certa. Se tiver um branco e um negro com o mesmo nível de escolaridade, com os mesmos conhecimentos e experiências, eles iriam escolher o branco. Pode olhar nos outros shoppings de BH. Você já viu algum negro na Administração? Acho que não... (Pedro, gerentes de operações de um shopping center).

 

Uma vez saí para almoçar com a minha superior para tratarmos de negócios da empresa, na qual eu era gerente, e aconteceu um fato curioso. Entramos juntos no restaurante Y, pedimos uma garrafa de vinho e o garçom serviu apenas a taça dela. Acho que ele pensou que eu fosse o motorista ou o segurança dela. (Paulo, gerente comercial em uma grande indústria).

 

Todos os 25 entrevistados fizeram questão de ressaltar que a promoção aconteceu em função da dedicação, da escolaridade, do profissionalismo, da experiência e das boas relações interpessoais construídas no interior da organização. Para a maioria deles, a cor e o gênero não tiveram influência no processo de ascensão profissional. De acordo com os entrevistados, superar as barreiras raciais não implicou adotar, na maioria das vezes, uma postura de enfrentamento. Mesmo porque o ‘vencer’, o ‘chegar lá’, se passa nesse ambiente, que pode discriminar a população negra e outras minorias sociais. Foi por meio de uma postura individual de regulação que os gestores trataram os episódios de racismo nos locais de trabalho. Em alguns poucos casos, observamos o confronto, mas, na maioria, o que prevaleceu foi a não reação ou a desqualificação do episódio por parte dos entrevistados. Bento (2003) afirma que há três formas de os negros reagirem às situações de discriminação: a negação, o enfrentamento e o não enfrentamento. Na negação, o negro não se considera alvo da discriminação e o preconceito que atinge toda a sociedade é uma situação distante da sua realidade. No caso do não enfretamento, reconhece-se a existência da discriminação contra si e contra os outros, mas o indivíduo escolhe não agir sobre o fato. E o enfrentamento pressupõe alguma reação do ponto de vista individual ou coletivo. Em nossa pesquisa, identificamos 84% dos entrevistados apresentando uma posição de negação ou não enfrentamento, enquanto apenas 4 deles (16%) assumiram uma postura de enfrentamento ao racismo. Essas atitudes revelam a necessidade de os profissionais desqualificarem a raça/cor como um ‘marcador’ de diferenciação social.

Assim, observamos na fala da maioria dos gestores que as contradições são ocultadas em prol do discurso meritocrático, que cumpre o seu papel de esconder as diferenças e injustiças sociais acumuladas. E é preciso reafirmar que a força desse discurso é tão significativa que, mesmo aqueles que são vítimas da discriminação racial, são também responsáveis por sua reprodução. Os eventos de discriminação, em alguns momentos das entrevistas, foram reconstruídos para fortalecer a ideia do esforço pessoal na ascensão profissional.

Apesar das barreiras e das dificuldades encontradas pela maioria dos entrevistados no processo de ascensão profissional, todos confirmaram que foi a escolaridade, a competência e o esforço pessoal que mais contribuíram para o sucesso profissional. A cor ou a raça foi percebida por muitos como uma desvantagem que precisava ser vencida pelo empenho, pela qualificação e pela dedicação ao trabalho. Ou seja, a cor, como elemento ‘desqualificador’ para o mercado de trabalho, poderia ser neutralizada pelo empenho individual. Assim, em contraposição aos relatos de discriminação presente nas relações sociais, quando se trata de analisar as razões para a ascensão profissional, a questão racial deixa a esfera do social e passa a ser uma questão individual. Esse discurso também está de acordo com a ideologia meritocrática, sendo preciso silenciar toda determinação social que constrói indivíduos fadados ao sucesso e ao fracasso em função de um ou outro identificador social.

Quando indagados sobre a situação dos negros no Brasil, grande parte dos gerentes utilizou o sujeito ‘eles’ e não ‘nós’. Expressões como “Eles precisam estudar mais” ou “Precisam se qualificar” foram frequentes durante as entrevistas. Ou seja, a maioria dos gestores já não se considerava mais integrante de um grupo social sobre o qual o preconceito e a discriminação poderiam incidir em uma escala maior. ‘Chegar lá’, para eles, transpondo barreiras sociais e raciais, significou romper com um estereótipo que identifica a maioria dos negros, no Brasil, como incapazes e desqualificados. Na pesquisa realizada junto aos gestores percebemos que a trajetória de ascensão dos entrevistados implicou, na maioria das vezes, no distanciamento dos gerentes da cultura afro-brasileira, dos movimentos políticos com recorte racial e no desconhecimento das políticas públicas voltadas para a população negra.

Dentre todos os 25 entrevistados, apenas 05 (20%) se manifestaram a favor das ações afirmativas. Nesse sentido, o processo de ocultação do social pode explicar também o posicionamento de grande parte dos entrevistados com relação às cotas raciais, pois a construção do discurso meritocrático, ao valorizar o mérito individual, fundamenta o critério de justiça no “resultado” alcançado pelo indivíduo, traduzido como consequência do seu empenho, capacidade e mérito.

As ações afirmativas, e especificamente as cotas raciais, visam compensar a população negra e outras minorias das desvantagens acumuladas no presente em função do passado, promovendo ações sociais no campo da educação, do trabalho e da saúde, entre outros, com a finalidade de promover a igualdade de oportunidades para todos os indivíduos. As políticas de ação afirmativa admitem uma perspectiva de reparação e, ao mesmo tempo, um caráter de compensação voltado para corrigir males do presente que poderiam comprometer o futuro dos negros jovens (MARTINS, 2005). Além disso, ao garantir igualdade de oportunidades individuais, essas ações tornam crime qualquer forma de discriminação. Ora, sabemos que a polêmica em torno da adoção ou não de ações afirmativas no Brasil também gira em torno do dilema universalista, baseado no mérito individual e na igualdade de oportunidades. Em suas falas, os gestores entrevistados se centraram na questão do mérito individual para justificar sua posição contrária a essas políticas, conforme revelam os seguintes depoimentos:

 

A cota, por exemplo, é a maior discriminação que existe. Por que tem que ser assim? Não é porque uns têm condições de estudar em escolas particulares que se deve garantir um percentual pequeno para negros, não. Essa política acaba desmotivando os negros, pois alguns acabam se sentindo satisfeitos com essa esmola. (João, gestor em uma associação de trabalhadores).

 

Não, não sou contra não. Sem ela, seria pior. Acho que teria que ser até mais ampliada, porque se nós tivéssemos um tratamento igualitário não precisaríamos disso. Nas universidades públicas, se tiver um negro e um branco, o branco vai e o negro fica; normal. Em uma grande empresa, em uma grande indústria, como você pode ver, que eu já citei aí, nos shoppings. Você pode ir ali no banco Y que você não vai ver negros; você não encontra. (Pedro, gestor do comércio varejista).

Sou contra. Acho que isto não é uma questão apenas racial, mas financeira. Quanto menos a pessoa tem condições financeiras, mais ela tem dificuldade de chegar a um patamar social. Não adianta você dar uma cota a um negro se ele não tiver uma base. Eu, por exemplo, tive muita dificuldade quando cheguei à faculdade. A cota ajuda, mas não é a melhor forma mais eficiente de tratar a questão. O ensino como um todo deve melhorar. Eu tenho amigos que não têm conhecimentos suficientes e já estão formados em curso superior. (Renato, gestor do comércio varejista).

 

Outra funcionalidade da ideologia meritocrática, conforme discutido por Jessé de Souza (2011), é culpabilizar o indivíduo que não obtém o “sucesso” por se acreditar que na sociedade brasileira contemporânea, as barreiras de sangue e de nascimento não são mais impedimentos à ascensão profissional. Segundo esse pensamento, hoje em dia só é levado em conta o desempenho diferencial dos indivíduos e que cada um deve receber na medida do seu mérito. Cida, em seu depoimento, deixa clara essa funcionalidade:

 

Acho que nós temos que lutar. Lutar para estudar e não baixar a cabeça. Vencer as dificuldades. Se eu não tivesse estudado não estaria onde estou. A questão do negro está associada à pobreza. Precisamos trabalhar para concluir o Ensino Superior. Tenho duas irmãs que estudaram e duas que não tiveram a mesma trajetória, não estudaram, não fizeram curso superior. Hoje elas passam por dificuldades. O negro precisa estudar mais do que o branco. (Cida, gestora do setor público).

 

Como contraponto a essa visão acreditamos que o individualismo e a ideologia do mérito, assim como o sistema de valores que estruturam esses pensamentos não passam de “uma fachada ideológica para mascarar a prática sistemática de opressão e exploração de grupos dominados e discriminados” (GUIMARÃES, 1996, p. 236). No caso específico deste estudo, acoberta uma estratégia do racismo não declarado, tão característico da sociedade brasileira. Outra constatação possível, a partir deste último depoimento, o qual nega a ideia de que barreiras raciais dificultem a ascensão dos negros no mercado de trabalho, parte do pressupsoto de que a educação é suficiente para a superação das desigualdades sociais, ignorando o capital simbólico que opera diferenciando brancos e negros no mercado de trabalho. Pierre Bourdieu (2013), ao descrever e explicar o funcionamento dos sistemas de classificação, salienta que os sinais de distinção não se restringem ao domínio material, mas implicam aspectos simbólicos, os quais indicam se o indivíduo é ou não reconhecido como membro de uma dada classe/fração de classe.

É nesse sentido que podemos nos perguntar: para serem reconhecidos como membros de uma classe melhor situada na sociedade estratificada, teriam os gerentes negros que assumir e naturalizar o discurso meritocrático e negar as ações afirmativas de cunho racial?

Sugere-se aqui que, para que os gerentes negros completem o seu processo de ascensão social não basta apenas possuírem um cargo de chefia que lhes dê um maior aporte financeiro (capital econômico). É necessário que eles incorporem os valores e o discurso da classe em que estão ingressando (capital simbólico), entre eles o princípio da meritocracia e da valorização da competência individual, o qual significa, muitas vezes, a recusa de qualquer ação afirmativa que coloque em questão o referido princípio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao observar o cenário de desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro, podemos perceber que ele é marcado de forma patente por situações e condições diferenciadas no momento da inserção, da construção da trajetória ocupacional e também na possibilidade de ascensão profissional dos brancos em detrimento dos negros. Porém, tais condições não são reconhecidas como manifestações de discriminação racial.

Em nosso estudo buscamos, por meio da análise de conteúdo em profundidade de entrevistas realizadas com 25 gestores negros de empresas públicas e privadas de Belo Horizonte, e sob a luz das obras de autores como Pierre Bourdieu, Jessé Souza e Carlos Hasenbalg, identificar os pressupostos, as funcionalidades e o caráter produtivo que a ideia de mérito pessoal assume no discurso dos entrevistados como explicação para a ascensão na carreira profissional.

Os resultados da pesquisa apontaram para a afirmação do ‘mérito’ na trajetória profissional da maioria dos entrevistados. Observamos um discurso voltado para desqualificação, por parte dos gestores, de qualquer argumentação que reforce as barreiras raciais em seus processos de ascensão profissional. As falas dos gestores revelaram contradições ocultadas ou dissimuladas para a construção do discurso meritocrático. Dessa forma, os eventos de racismo evidenciados nestas falas foram, na maioria das vezes, relativizados ou silenciados para o fortalecimento da ideia de mérito pelo sucesso e desqualificando as bases sociais da discriminação. A maioria se mostrou contrária à adoção de políticas de ação afirmativas, por acreditar que elas desvalorizam todo o esforço realizado por alguns negros que conseguem chegar aos cargos mais elevados no mercado de trabalho. Conceder cotas, por exemplo, seria para eles, reconhecer que são incapazes de alcançar benefícios por contra própria. Parece que esses poucos profissionais, ao desconsiderar a dimensão política do racismo no país, colocam-se na estrutura social como ‘vencedores’, ou seja, como ‘aqueles que chegaram lá’ e, por isso, devem ser exemplos de sucesso e superação. A maioria desconsidera que a baixa porcentagem de negros e negras em cargos de comando, longe de representar uma exceção à regra, reforça a certeza de que a discriminação racial não está superada. A maioria desconsidera que a baixa porcentagem de negros e negras em cargos de comando, longe de representar um passo adiante em direção à democracia racial, reforça a certeza de que a discriminação não está superada. A maioria desconhece que a discriminação, na verdade, tem dois lados: ao mesmo tempo em que exclui os membros do grupo discriminado, beneficia e facilita a vida dos discriminadores.

Além de enfraquecer a mobilização política da população negra que luta para ascender socialmente, a ideologia do mérito também consegue acobertar a violência sutil que a maioria dos indivíduos desse grupo vivencia cotidianamente. Além disso, afasta aqueles que ‘chegaram lá’ da sua identidade racial rompendo possíveis laços de solidariedade que poderia contribuir para mudanças no quadro das desigualdades raciais e sociais. Os negros, principalmente aqueles que ascendem na estrutura social, são constrangidos a compartilhar a versão idealizada da ordem racial e sua aceitação pragmática pode resultar em uma forma menos dolorosa de lidar com o estigma relacionado a cor da sua pele (HASENBALG, 2005).

 

REFERÊNCIAS

 

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HASENBALG, Carlos; VALLE, Nelson; LIMA, Márcia. Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil. In: Maio, Marcos e Santos, Ricardo. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.

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WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, Brasília: Editora UNB, 1999. (Volume II).

 

 

DATA DE SUBMISSÃO: 24/07/2017

DATA DE APROVAÇÃO: 24/07/2018

 



[1]Entre 1950 e 1953, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) financiou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil com o objetivo de compreender e disseminar para outros países o segredo da suposta ‘harmonia racial’ da sociedade brasileira. Nesse período o contexto internacional, após II Guerra Mundial, ainda era de perplexidade com relação aos crimes cometidos em função das diferenças raciais.

[2] BASTIDE, ROGER e FERNANDES, FLORESTAN. Relações entre negros e brancos em São Paulo e (1955) e COSTA PINTO, L. A O negro no Rio de Janeiro, Relações de uma raça numa sociedade em mudança (1953).