Entre o concebido e o vivido, o praticado: o entrecruzamento dos espaços na feira de artes e artesanato da Praça dos Namorados em Vitória/ES

 

Fabiana Florio Domingues

Doutoranda em Administração no Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Bolsista CNPq. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGAdm/UFES). E-mail: fabianafd@gmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4791-7070

 

Letícia Dias Fantinel

Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGAdm/UFES). Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (NPGA/UFBA). E-mail: leticiafantinel@gmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4589-6352

 

Marina Dantas de Figueiredo

Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza (PPGA/UNIFOR). Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGA/EA/UFRGS). E-mail: marina.dantas@gmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3273-8176

 

 

DATA DE SUBMISSÃO: 13/09/2016

DATA DE APROVAÇÃO: 24/08/2017

 

 

Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo – FAPES (edital FAPES nº 006/2014 – Universal – Projeto individual de pesquisa) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (processo nº 446524/2014-0) pelo apoio financeiro concedido.

 

Resumo

Este artigo tem por objetivo compreender a forma como o espaço organizacional de uma feira – Feira de Artesanato e Artes da Praça dos Namorados, em Vitória, Espírito Santo – se constitui nos entrecruzamentos dos usos que diferentes sujeitos elaboram para o espaço urbano. Para isso, utilizou-se o método etnográfico, com produção dos dados a partir de observação sistemática e participante ocorrida entre os meses de maio e outubro de 2015. Os dados foram examinados à luz de categorias que articulam proposições teóricas dos autores Henri Lefebvre e Michel de Certeau. Os resultados apontam para a compreensão do organizar da feira como composto por práticas provisórias, cuja existência é permeada por manifestações de poder, resistência e conflito emersas no cotidiano dos sujeitos.  Ao revelar forças que atuam formando harmonias efêmeras, evidenciamos os entrecruzamentos do espaço concebido e vivido da feira. A feira, enquanto forma organizativa, emerge da justaposição de usos e apropriações de seus espaços, em uma dinâmica que privilegia ora concepções de espaço elaboradas determinados sujeitos, ora por outros.

 

Palavras-chaves: simbolismo organizacional; espaço; etnografia; feira.

 

Abstract

This article aims to understand how the organizational space of a fair - Feira de Artesanato e Artes da Praça dos Namorados, em Vitória, Espírito Santo - constitutes itself in the intertwining of the uses that different subjects elaborate for the urban space. For this, we used the ethnographic method, with systematic and participant observation engaged between May and October 2015. We examined the data based on categories articulating theoretical pro positions of the authors Henri Lefebvre and Michel De Certeau. Results show the organizing of the fair as formed by provisional practices, in which manifestations of power, resistance and conflict emerged in the daily life of the subjects permeate whose existence. By revealing forces that act in ephemeral harmonies, we show the intersections of space conceived and lived. The fair, as an organizational form, emerges from the juxtaposition of uses and appropriations of its spaces, in a dynamic that privileges space concepts elaborated by certain subjects, sometimes by others.

 

Keywords: organizational symbolism; space; ethnography; fair.

 

 

1. Introdução

O espaço urbano compõe-se do conjunto de diferentes usos que os grupos sociais fazem da cidade. Sua complexidade impõe desafios à pesquisa, visto que a compreensão da dinâmica urbana passa por identificar e captar as integrações de interesses políticos e sociais comumente tensionados. Apesar de tradicionalmente estudada sob a ótica funcionalista (VIEGAS; SARAIVA, 2015), a cidade é repleta de simbolismos, que perpassam sua configuração física e social. As diversas apropriações que os grupos sociais fazem dos espaços das cidades revelam muitas formas de perceber e criar o mundo (DAMASCENO, 2007). Compreender a cidade enquanto fenômeno criado e recriado pelos sujeitos que participam do espaço urbano requer pensar em seus habitantes, percebê-los em suas variadas formas de existência e incluí-los na construção material e simbólica da cidade.

Ainda que os espaços urbanos se produzam e reproduzam conforme as características geográficas, políticas e culturais das cidades, é comum que certas formas organizativas – formais ou informais, simbólicas ou construídas – estejam presentes em quase todas elas. Essas organizações constituem o espaço público e desempenham funções diversas na oferta de serviços para as populações urbanas. Entre essas funções está o comércio enquanto atividade social e econômica que produz rebatimentos no espaço físico e simbólico das cidades.

Para os fins deste trabalho, destacamos as feiras como objeto privilegiado para a investigação da dinâmica do espaço urbano. Enquanto formas organizativas ancestrais, presentes em diversas sociedades humanas, as feiras podem ser consideradas emblemáticas não apenas pela atividade comercial, mas também pela relação da cidade com sua diversidade cultural e social (FERRETTI, 2000; FILGUEIRAS, 2006; SOUSA, 2000). Nas cidades brasileiras, as feiras são fruto da tradição ibérica, mescladas posteriormente com práticas africanas e indígenas de trocas e comércio, resultado de um longo processo de modificação dos mercados a céu aberto (MOTT, 1976; 2000). As sobreposições de função do espaço urbano ficam evidenciadas na feira, que pode ser tomada também como foco para compreender como os entrecruzamentos de usos e apropriações físicas e simbólicas da cidade por parte dos grupos sociais constituem os espaços organizacionais.

No campo dos Estudos Organizacionais (EOs), as feiras são ainda pouco exploradas enquanto objeto empírico. Alguns estudos já no contexto brasileiro já abordam diferentes feiras urbanas nas perspectivas de identidade (CARRIERI; SOUZA; LENGLER, 2011; PIMENTEL; CARRIERI; LEITE-DA-SILVA, 2007), práticas organizativas e estratégia (CARRIERI et al, 2008; DE SOUZA et al, 2014; PIMENTEL et al, 2011) ou ainda como espaços de vitalidade (FILGUEIRAS, 2006). Paralelamente a essas contribuições, ressaltamos a originalidade de investigar a relação entre a feira enquanto organização e a dinâmica da cidade. Entendemos que compreender a feira como organização, em suas características complexas e multifacetadas (HERNES, 2004) permite desvendar estruturas econômicas, sociais e simbólicas que estão imbricadas em dinâmicas urbanas (FERRETI, 2000).

Em vista disso, buscamos estudar a constituição do espaço organizacional, em relação à dinâmica do espaço urbano. Nosso objetivo é compreender a forma como o espaço organizacional de uma feira – a Feira de Artesanato e Artes da Praça dos Namorados, em Vitória, Espírito Santo – se constitui nos entrecruzamentos dos usos que diferentes sujeitos elaboram para o espaço urbano.

Adotamos uma abordagem simbólica (HATCH; CUNLIFFE, 2013), de acordo com a qual a organização pode ser vista como a confluência de símbolos, narrativas e construções de sentido elaboradas subjetivamente. Congruente com essa definição para o fenômeno organizacional está o método etnográfico (CAVEDON, 2008; CHIESA; FANTINEL, 2014), adotado para investigar aspectos simbólicos e representações manifestadas acerca da apropriação do espaço público pelos diferentes sujeitos que experimentam a feira cotidianamente. Na perspectiva etnográfica que adotamos, buscamos abordar a feira e seus espaços como experiência (TAYLOR; SPICER, 2007; TOMKINS; EATHOUGH, 2013), posicionando este estudo sob uma ótica compreensiva, na qual o papel da pesquisa é interpretar os significados, percepções e experiências circulantes e engendradas no universo organizacional, agregando perspectivas simbólicas e materiais.

Entendemos que a presente pesquisa apresenta relevante contribuição na medida em que se propõe à investigação de uma feira já tradicional no contexto da capital capixaba, que integra, em seus diferentes espaços, habitantes da cidade e proximidades, turistas, representantes do poder público, artesãos e comerciantes. Tal multiplicidade de sujeitos, ao experienciarem os espaços da feira, o fazem construindo-a e reconstruindo-a simbolicamente, em contextos de diferentes concepções, vivências e práticas, o que compreendemos ser os entrecruzamentos de espaços. Assim, as realidades espaciais, construídas socialmente, desvendam significados, práticas e interesses distintos que, por vezes, se aproximam, formando um complexo caleidoscópio de consciências intersubjetivas, que ora tendem ao conflito, ora combinam-se em harmonizações, de forma heterogênea, fluida e fragmentada.

O caminho para a construção de tais interpretações evidencia outra contribuição deste artigo, na medida em que articula perspectivas emergentes na análise do espaço organizacional (WATKINS, 2005). Evidenciamos o potencial das teorias de Henri Lefebvre e Michel de Certeau, para a compreensão das dimensões material e simbólica do espaço urbano, produzido pela experiência dos seus habitantes. Partimos da tríade espacial elaborada pelo primeiro autor para a compreensão integrada dos domínios do espaço tal como planejado, concebido, e do espaço enquanto vivido cotidianamente. Contudo, a articulação entre as esferas conceituais de Lefebvre é feita a partir do diálogo com o pensamento de Michel de Certeau acerca das práticas espaciais. A análise foi construída, portanto, ligando as práticas aos espaços e aos simbolismos produzidos, que nos possibilitou compreender o processo de organizar como composto por práticas provisórias, nas quais emergem manifestações de poder, resistência e conflito, constantemente ressignificadas pelos sujeitos para que a organização feira aconteça. 

Convidamos o leitor, portanto, a percorrer o caminho que seguimos na feira, cuja narrativa organizamos nas seguintes seções: após esta introdução, apresentamos o referencial teórico, seguido da metodologia, da apresentação do campo, tendo, por fim, as considerações finais.

 

2. O espaço como experiência: situando a perspectiva nos EOs

No campo dos EOs, aspectos relacionados a espaços e espacialidades nas organizações vêm sendo foco de investigação de diferentes pesquisadores (DOVEY, 1999; KORNBERGER; CLEGG, 2006; CLEGG; KORNBERGER, 2006; VAUJANY; MITEV, 2013). Em 2010, Van Marrewijk e Yanow (2010) chegaram a falar em uma “virada espacial” (spatial turn) na área, destacando os encaminhamentos de análises sobre o espaço organizacional e o espaço do trabalho que datavam de pelo menos 30 anos antes.

O espaço foi recorrentemente abordado pelas teorias sobre gestão, visto ser o cenário da ação nas organizações (CHANLAT, 2006). Contudo, foi a partir da temática da cultura organizacional, nos anos 1980 e 1990, que os aspectos espaciais e materiais da vida organizacional entraram em foco. Essa “virada espacial” acompanhava o movimento que ocorria em paralelo em outras ciências sociais, como a filosofia a antropologia. Ao redescobrir o espaço e a espacialidade, esse novo foco passou a aproximar os EOs a uma longa tradição de estudos sobre o espaço nos campos da geografia humana e social, estudos sobre as cidades e o planejamento urbano e a sociologia.

Taylor e Spicer (2007) classificam as pesquisas sobre espaços organizacionais em três abordagens básicas: espaço como distância, espaço como materialização de relações de poder, e espaço como experiência. A primeira categoria corresponde a uma perspectiva estritamente física do espaço, considerado como a distância (possível de ser mensurada e representada objetivamente) entre dois ou mais pontos. Essa abordagem, que pode ser tomada como o entendimento mais usual do espaço nas organizações, está presente em um amplo conjunto de trabalhos baseados em perspectivas funcionalistas sobre o fenômeno organizacional. Apenas para mencionar um exemplo, esses trabalhos desenvolvem temas como a relação da estratégia com o espaço de atuação da organização (GIBLER; BLACK; MOON, 2002; DAMERON; LÊ; LEBARON, 2015).

A categoria do espaço como materialização de relações de poder aborda a questão do controle, da vigilância e da disciplina em meio organizacional e para fora dele, como na discussão sobre os espaços urbanos (TAYLOR; SPICER, 2007). Nesta perspectiva, o espaço disponibiliza posições fixas ou permite a circulação, marca lugares, define ações, garante a obediência em arranjos que refletem e reproduzem hierarquias e relações de poder. Particularmente relevantes para a abordagem agrupada nessa categoria são os estudos que buscam compreender os lugares de poder nas organizações (FLEMING; SPICER, 2014), que são simbólicos, em relação ao espaço físico. As implicações mútuas entre espaço arquitetônico e a gestão são objeto de reflexão para a vertente dos EOs (KORNBERGER; CLEGG, 2006; KERR; ROBINSON; ELLIOT, 2016; VALAND, 2011; VAUJANY; MITEV, 2013). Nessa abordagem, percebe-se a influência teórica do conceito de poder disciplinar de Michel Foucault (CAIRNS; MCINNES; ROBERTS, 2003) e uma orientação empírica voltada para a observação e interpretação do espaço e da cultura material em relação às interações e compreensão dos comportamentos dos sujeitos in situ (O’TOOLE; WERE, 2008).

Por fim, a categoria que aborda o espaço como experiência envolve menos a preocupação com aspectos como distância e proximidade ou mesmo com as relações de poder, focando especificamente na forma como espaços são produzidos nas experiências daqueles que dele se apropriam e que nele habitam. Assim, o espaço como experiência parte de uma ótica compreensiva, na qual o papel da pesquisa é apreender e elaborar modos de comunicar os significados, percepções e experiências circulantes e engendradas no universo simbólico organizacional.

A abordagem do espaço como experiência se caracteriza pela adoção de uma ontologia subjetivista (HATCH; CUNLIFFE, 2013), conforme a qual se entende que a realidade é condicionada à experiência dos sujeitos e aos seus modos de elaborar sentido para experiências. A partir de perspectivas interpretativas (PUTNAM; BANGHART, 2017) e fenomenológicas (TOMKINS; ETHOUGH, 2013), as correntes dos EOs dedicados a essa compreensão sobre espaço e espacialidade têm assumido que a realidade espacial das organizações é construída socialmente, ou passa a ter sentido no contexto das experiências dos sujeitos. Conforme essa abordagem entende-se que construções simbólicas sobre o espaço organizacional tendem a se depositar sobre estruturas físicas existentes, como prédios, salas e escritórios, que são propriamente os lugares onde a organização se desenvolve.

Nessa abordagem, tem-se o entendimento de que espaço organizacional surge como produto da consciência intersubjetiva, a partir do contato experiencial com o espaço. Dessa forma, a existência do espaço organizacional é elaborada a partir de referências materiais concretas, que ganham significado por meio de símbolos, representações e construções de sentido, principalmente por meio de processos de comunicação (ROPO; HÖYKINPURO, 2017; VASQUES, 2016; WILHOIT, 2016), mas também pela via não-representacional da performance (BEYES; STEYAERT, 2011). Essa abordagem coloca desafios à pesquisa organizacional e aponta para a adoção de ideias fenomenológicas (TOMKINS; ETHOUGH, 2013), que elaboram o entendimento da experiência do espaço no fluxo da vida.  

 

3. A produção simbólica do espaço urbano

A emergência do espaço como experiência se deve em grande medida à obra de Lefebvre (2006). Em A Produção do Espaço, o autor adota uma epistemologia crítica para definir o espaço social como um conceito que não pode ser isolado, nem permanecer estático, uma vez que surge de um conjunto de relações dialéticas de produção/reprodução. Para elaborar esse conceito dinâmico de espaço, o cotidiano aparece como uma força central, conforme ressaltam comentadores da obra de Lefebvre (ELDEN, 2004; KIPFER et al, 2008). Na sua compreensão sobre o espaço, Lefebvre (2006) enfatiza o potencial generativo das interações cotidianas e seu método de trabalho pode ser descrito como uma observação do cotidiano, em busca de experiências que produzem o espaço na perspectiva dos sujeitos sociais (BEYES; STEYEART, 2011). Segundo Lefebvre (2006), o espaço pode ser, ao mesmo tempo, abstrato e real, concreto e instrumental, e igualmente transcender a própria instrumentalidade. Para o autor, o espaço pode ser concebido para além de sua materialidade, estando associado à realidade social, ou seja, produzido socialmente (LEFEBVRE, 2006). Assim, o ser humano, ao viver em sociedade, constrói e reconstrói seu mundo físico, social e cultural.  

A experiência do espaço também é recurso para o pensamento de Michel de Certeau. Na obra A invenção do cotidiano, o autor contribui à teoria da ação ao colocar o foco de seus estudos na criatividade do sujeito, ao dedicar sua análise aos interstícios por meio dos quais o indivíduo escapa daquilo que dele se espera (COVA, 2014). Nesse trabalho, Certeau (2014) analisa, dialeticamente, práticas culturais aparentemente insignificantes da vida cotidiana a partir das lógicas que as sustentam (BUCHANAN, 2000). Assim, tendo em vista que Certeau (2014) explora os processos de bricolagem e apropriação enquanto expressões de contra-poder do homem ordinário, seu trabalho consegue, em certa medida, dar elementos para que seja pensada a questão central que Lefebvre compartilhava com os pensadores de sua época: “como sair do cotidiano?” (COVA, 2014). Ou seja: como entender a relação teoria-prática para além do senso comum, mas partindo justamente do reconhecimento de que o mesmo é o recurso teórico do cientista social.

Conforme Lefebvre (2006), o espaço pode ser conceituado de (pelo menos) três maneiras diferentes: o espaço concebido, o espaço vivido e o espaço percebido[1]. O espaço concebido está relacionado ao espaço do modo de produção dominante numa sociedade que tende, em sua maioria, a “um sistema de signos verbais, portanto, elaborados intelectualmente” (LEFEBVRE, 2006, p. 66). Enquanto isso, o espaço vivido é o espaço dos habitantes, permeado de imagens e símbolos; “trata-se do espaço dominado, portanto, suportado, que a imaginação tenta modificar e apropriar”, assemelhando-se a “sistemas mais ou menos coerentes de símbolos e signos não verbais” (LEFEBVRE, 2006, p. 66). O pensamento do autor, destacado por justamente evidenciar a dimensão dialética na compreensão do espaço, em um entrecruzamento constante de materialidade e representação, problematiza o espaço urbano em termos de processos que consistem em sua progressiva secularização e comoditização (WILSON, 2013).

De acordo com Lefebvre (2006), a produção do espaço pode ser entendida a partir da combinação de três elementos: a prática espacial, as representações do espaço e os espaços de representação. Certeau (2014), por sua vez, refere-se ao espaço como o lugar praticado, ou seja, produzido ambiguamente a partir da relação do sujeito com o mundo, em sua existência espacial. Comparativamente para o autor “a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar construído por um sistema de signos – um escrito”, sendo este constituído nas práticas do cotidiano (CERTEAU, 2014, p. 184).

A articulação que aqui propomos pretende evidenciar a dinâmica dos entrecruzamentos materiais e representacionais, especialmente por meio da dimensão simbólica dos espaços urbanos em relação aos espaços organizacionais. Nesse sentido, as concepções problematizadas por Certeau (2014) são essenciais, na medida em que o autor desvenda mecanismos de transformação e significação dos espaços dados pela prática cotidiana, pela apropriação desses mesmos espaços. Igualmente importante para essa compreensão é o aporte de Lefebvre (2006) sobre as formas de produção do espaço urbano em relação ao trabalho de produção de diferentes grupos sociais. No encontro entre essas duas vertentes teóricas, assumida a ideia de que os espaços e os lugares produzidos produzem as pessoas ao mesmo tempo em que estas os constroem (DALE; BURRELL, 2008). Cabe ressaltar que tal compreensão só se torna possível a partir de uma análise não apenas relacional, mas também histórica, levando-se em conta fatos, conflitos relevantes e relações de poder em cada situação.

É importante destacar que a própria noção de cotidiano para os autores é diversa, considerando que, para Lefebvre, as formas de dominação surgidas no seio da modernidade, compreendidas pelo ângulo do consumo, constituem formas de alienação, enquanto, para Certeau, esse mesmo consumo representa situações de resistência, que permitem ao sujeito colocar em prática suas táticas e artes de fazer (COVA, 2014). Da mesma forma, as noções de espaço divergem, como já mencionamos. Contudo, concordamos com Cova (2014) ao lançar luzes para a proximidade de pelo menos duas noções utilizadas por ambos os autores: uso e apropriação. Enquanto Lefebvre propõe reabilitar o conceito de cidadania nas práticas de uso, uma vez que percebe, no cotidiano, a reprodução das relações de dominação, Certeau sugere outro olhar sobre o indivíduo, evidenciando a criatividade, e não a passividade (COVA, 2014). Ambos se negam, logo, ao pensamento de um indivíduo manipulado pelo sistema. Da mesma forma, Lefebvre inscreve a apropriação no campo da prática, embora não considere que processos de reapropriação sejam atos de criação, como Certeau (COVA, 2014).

Não obstante, para além das discordâncias, entendemos que na experiência do sujeito de praticar o mundo a partir de seu uso, criando e recriando dinamicamente o cotidiano, que as proposições de espaço de ambos os autores podem ser vistas como complementares na análise dos dados de campo captados nesta pesquisa. Essa possibilidade de diálogo se evidencia na medida em que concebermos que a transformação do espaço concebido em vivido (LEFEBVRE, 2006) se dá por meio da prática cotidiana do espaço pelo sujeito (CERTEAU, 2014). O espaço, para Certeau (2014), é lugar praticado, produzido a partir da relação do sujeito com o mundo, personalizado como “movimento”, palco das ações e representações do sujeito em seu cotidiano.

Henri Lefebvre, talvez mais que Michel de Certeau, é um autor cujos escritos são apropriados frequentemente no campo da Geografia e dos Estudos Urbanos. Ainda assim, o pensamento de Michel de Certeau pode trazer contribuições para o estudo de dinâmicas urbanas, especialmente na problematização das práticas e apropriações do espaço como maneiras de fazer das pessoas ordinárias, que experienciam e produzem o urbano cotidianamente. Nesse sentido, enquanto produzido socialmente, o espaço urbano se configura como palco dos espaços de representação (LEFEBVRE, 2006). Esses espaços de representação vão além de simples caminhos geográficos a serem percorridos a esmo; as representações subjacentes à produção do espaço urbano carregam noções de intencionalidade, que caracterizam a concepção do espaço tal como ele se constitui a partir dos usos dos sujeitos (SANTOS, 2006). Desse modo, não é possível pensar a cidade apenas fisicamente, como meio ambiente inerte, deixando de fora abordagens que não concebem as práticas sócio-espaciais que a moldam e a constroem (CARLOS, 2007). As práticas sociais no espaço se desenvolvem como performances dos sujeitos, ou seja, como desdobramentos das suas sensações e da sua corporeidade em relação à experiência do ambiente (BEYES; STEYAERT, 2011).

Aprofundando a ideia de experiência, entendemos que a ação humana nas diferentes paisagens urbanas é marcada por uma corporeidade social (SANTOS, 2006), perceptível em sua materialidade nas configurações residenciais e comerciais, na arquitetura e padrões construtivos (DALE; BURRELL, 2008), na distribuição das pessoas e construções, na disposição física da cidade (SANTOS, 2006). As diferentes construções arquitetônicas presentes na sociedade são carregadas de simbolismos que procuram, mediante a necessidade do ser humano de situar seu mundo no tempo e no espaço, deixar mensagens de sua compreensão (DALE; BURRELL, 2008). As ações formalizadas de planejamento da cidade passam, portanto, pela definição da cidade que se deseja, em uma concepção produzida a partir de um lugar de poder específico. Contudo, é importante destacar que a concepção do espaço está no campo das imagens, enquanto o real está na dimensão da vivência deste espaço, dada por meio de suas apropriações cotidianas (CERTEAU, 2014). Entre o planejado e o vivido, o espaço urbano é ressignificado em processos de apropriação por parte dos sujeitos que desenvolvem suas práticas de representação no espaço social.

Apropriar-se de um espaço significa tomar determinado lugar como “seu”, atribuindo-lhe características pessoais ou sociais de identificação que demonstram a interação das pessoas com os diversos ambientes (FISCHER, 1994). Ainda segundo Fischer (1994), as dinâmicas de apropriação nunca são neutras, uma vez que carregam consigo diferentes marcas culturais que conferem sentido ao espaço. Assim, a materialização do processo da prática sócio-espacial se dá na “concretização das relações sociais produtoras dos lugares, esta é a dimensão da produção/reprodução do espaço, passível de ser vista, percebida, sentida, vivida” (CARLOS, 2007, p. 21). Isto porque é nessa apropriação do espaço que se fundamenta a reprodução da sociedade, em seu sentido ininterrupto de vida vivida, revelado num conjunto de relações, modelos de comportamento e sistema de valores (CARLOS, 2007; IPIRANGA, 2010).

A partir dos conceitos aqui apresentados e o entrelaçamento de perspectivas complementares de espaço, no próximo item, apresentamos os caminhos metodológicos percorridos nesta pesquisa.

 

4. Percursos metodológicos

De acordo com a abordagem teórica do espaço como experiência, optamos por realizar uma pesquisa empírica qualitativa na feira da Praça dos Namorados, entendendo que esta possibilita a compreensão do subjetivo, presente no espaço investigado. Nesse âmbito, buscamos compreender como a feira se constitui nos entrecruzamentos dos usos que diferentes sujeitos atribuem ao espaço urbano, nas suas práticas cotidianas que se desenvolvem como performances no espaço (BEYES; STEYAERT, 2011). Entendemos a postura etnográfica como orientada por uma perspectiva experiencial fenomenológica (TOMKINS; EATHOUGH, 2013).  

Assim, no início do mês de maio de 2015, uma das autoras inseriu-se em campo e iniciou o uso da observação participante, que se estendeu até meados do mês de outubro do mesmo ano. A partir da inserção em campo, foram elaborados 40 diários de campo densos e detalhados, a partir da recomendação de Cavedon (2008) de que sejam registrados, além das observações do pesquisador, seus sentimentos no dia de trabalho. Ao seguir as premissas do método, as ações em campo foram pautadas em procurar manter a postura de etnógrafa, estando atenta às condições de produção do conhecimento expressas nas interações e reflexividade que se travam no campo de pesquisa (CHIESA; FANTINEL, 2014).

Como estratégia de aproximação dos sujeitos, esta autora passou a oferecer ajuda aos expositores em troca de conversa (e informações). Assim, a pesquisadora em campo se oferecia entre os pesquisados para carregar os produtos, montar barracas, instalar luminárias, carregar gelo, armar tendas usadas para proteger os clientes da chuva, o que fosse preciso. Essas ações ao longo da pesquisa remetem à importância de um comportamento proativo por parte do pesquisador, na busca dos dados seguindo os princípios do fazer etnográfico, como propõe Cavedon (2014). Assim, a função de “faz tudo” possibilitou a liberdade de conhecer e participar de atividades em bancas diferentes (alimentação, artesanato e “fuleragem[2]”), permitindo compreender melhor parte de sua dinâmica, diversificar o olhar e a construir a polifonia do texto.

Os dados das observações, diários de campo e entrevistas foram interpretados em primeira instância pela pesquisadora, que é a primeira autora deste texto, à luz do referencial teórico e das vivências de campo. As demais autoras interagiram com os dados de campo, leram as análises elaboradas pela pesquisadora e empreenderam análises secundárias, orientadas pelo referencial teórico e pela evidenciação da contribuição teórica do trabalho empírico. Escolhemos esta forma de análise por entendermos que, embora a pesquisa etnográfica seja resultado de um esforço individual, a produção de reflexões teóricas sobre os dados de campo podem ser enriquecidas com o trabalho coletivo. Essa forma de tratamento dos dados empíricos tem o potencial de fortalecer a confiabilidade dos achados, além de aumentar a legitimidade da pesquisa etnográfica nos EOs, visto que o pesquisador é levado a questionar o modo como sua subjetividade orientou os achados empíricos, no contato com os outros pesquisadores. O relato das experiências de campo segue a lógica compartilhada de autoria assumida neste texto, complementada pela adoção da primeira pessoa do plural como voz verbal na apresentação dos dados empíricos.

 

5. Apresentando o campo: a organização feira

A Feira de Artesanato e Artes na Praça – popularmente conhecida como Feira da Praça dos Namorados - localiza-se na Praia do Canto, bairro considerado, segundo a PMV, uma das regiões com melhor infraestrutura da cidade, com atividade de comércios e serviços (VITÓRIA [Município], 2015). Segundo os números do Censo 2010, o bairro é o terceiro mais populoso da cidade, com cerca de 15.147 habitantes entre os 327.801 habitantes da capital. A renda per capita dos moradores do bairro era, em 2010, em torno de R$ 3.844,97 (média mensal), contra R$ 1.662,97 da cidade toda (IBGE, 2010). Marcam sua paisagem as construções imponentes e altos edifícios residenciais e comerciais.

Fazem parte da praça duas quadras de tênis, uma de vôlei e uma de futebol de areia, uma pista de skate e um parquinho infantil. A praça possui ainda áreas verdes e diversas árvores de diferentes espécies, que garantem sombra farta. Há também monitoramento 24 horas por câmera, além de ser rota de passagem da polícia militar, guarda municipal e polícia montada, em rotina de ação preventiva. A feira utiliza para seu funcionamento uma área de 5.901,94m², cerca de 50% da extensão da Praça dos Namorados, estabelecendo-se ao final da tarde e à noite regularmente em finais de semana e esporadicamente em feriados ou datas comemorativas. A feira faz parte ainda do Programa Artes na Praça, iniciativa da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) existente desde 2004 (VITÓRIA [Município], 2015).

Há muitas informações desencontradas sobre quando e como a feira começou; contudo, segundo informantes a feira passou a ser reconhecida pelo poder local na segunda metade da década de 1980. Inicialmente, produtos locais e de artesanato eram o “carro chefe” da feira, mas, com o passar do tempo, outras barracas foram se instalando e comercializando os mais variados produtos. Passando entre as barracas da feira, é possível notar uma grande diversidade de produtos artesanais, bem como produtos de fabricação industrial entre brinquedos e pratarias que são comprados de outros mercados populares, geralmente de São Paulo e Belo Horizonte, “made in China” em sua grande maioria. Há também barracas que comercializam alimentos, onde se encontram pratos típicos regionais, como a moqueca e a torta capixaba, mas são comercializadas também outras opções de refeição rápida, como comidas mexicanas, japonesas, baianas, pizzas e o popular espetinho.

Convém apresentar os aspectos da estrutura física e do ordenamento formal da feira. Embora a feira tenha início habitualmente ao final da tarde, a mobilização dos trabalhadores inicia muito antes disso. Aos finais de semana, logo pela manhã, já se vê a movimentação dos montadores na praça. Os expositores começam a chegar após as 14h, e logo depois das 16h alguns deles já estão organizando seus produtos na banca (cada expositor tem seu tempo de montagem e arrumação de sua banca, seguindo o ritmo que considera conveniente). O horário de encerramento também varia, dependendo do movimento de clientes.

Alguns elementos físicos demarcam os limites da organização. Por exemplo, o som. Ao redor da praça, fixadas em alguns postes, é possível ver caixas de som, que são operadas por um dos expositores que, além de fazer parte do comitê gestor, está também na gestão da associação. A feira tem, portanto, um sistema de som próprio, em que músicas diversas são reproduzidas e, como uma rádio convencional, também abre espaço para propaganda. Os comerciais expõem os diferentes produtos comercializados nas barracas. Junto ao anúncio, tocam-se músicas que buscam fazer alusão ao tipo de produto vendido. Entre os comerciais, gêneros musicais diversos são tocados, o que também é motivo de conflitos, causado pela própria diversidade de gostos musicais dos expositores.

Outro elemento físico que delimita a feira é a iluminação. Além dos postes de iluminação pública da praça, a iluminação do espaço é reforçada pela iluminação das barracas, de responsabilidade e custos sob incumbência da PMV. Para os expositores, há caixas de distribuição de energia com tomadas, cobertas por uma tampa metálica, dispostas no chão, ao longo de toda a praça. Depois da mudança de leiaute ocorrida em 2015, que será tratada oportunamente neste artigo, algumas dessas caixas ficaram ainda mais longe das bancas, precisando que os expositores aumentassem o tamanho da extensão elétrica que usavam, demandando atravessar fios elétricos no chão, na passagem das pessoas.

Além do som e da iluminação, o elemento físico mais perceptível da organização feira é a forma como se posiciona no espaço da praça. A distribuição das barracas na praça pode ser delimitada e representada em um desenho, que chamamos de leiaute, em conformidade com o linguajar êmico. Em setembro de 2014, o leiaute da feira, que concentrava as barracas de alimentação em uma das extremidades da praça foi alterado, o que implicou uma nova corporeidade social (SANTOS, 2006) a seus espaços na medida em que foram reconfiguradas materialidades que, estando de acordo com concepções produzidas a partir de um lugar de poder (DALE; BURRELL, 2008), geraram consequências concretas nas formas de experienciar a feira, seja pelos expositores, seja pelos passantes. A nova disposição das barracas foi desenhada pela PMV, que distribuiu as barracas de alimentação nos dois lados da praça, concentrando as de artesanato no meio, conforme a figura 1. Essa mudança foi vista como necessária pelos sujeitos em campo, tanto representantes do comitê gestor, da PMV e expositores, uma vez que, segundo eles, polarizava o acesso do público às barracas de alimentação.

 

Figura 1 – Leiaute da feira, antes e depois da mudança.

Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória, 2015.

 

Essa alteração intencional na materialidade da feira ocasionou mudanças na distribuição e nos fluxos das pessoas: segundo os próprios expositores e também na opinião dos montadores das barracas e PMV, fez aumentar a circulação das pessoas na feira. Durante a pesquisa de campo, foi possível observar uma maior circulação de pessoas de um lado para o outro na praça, algo que não se percebia na disposição anterior, na qual as pessoas permaneciam na área destinada à alimentação. Assim, é possível dizer que as realocações forçaram mudanças nas formas de experienciar os espaços da feira por parte de diferentes sujeitos. Tal mudança desagradou a muitos comerciantes, especialmente os de alimentos, que precisaram deixar o espaço que ocupavam anteriormente e que seus clientes já conheciam, para se acomodar em outro lugar. Alguns expositores, mesmo reconhecendo a importância das alterações, perceberam que das mudanças emergiram novos conflitos entre os expositores, principalmente naqueles cujas novas experimentações dos espaços foram por eles compreendidas como prejudiciais.

Ainda em relação ao ordenamento formal, no momento da realização da pesquisa, conforme informações da PMV, a feira conta com 209 barracas, sendo 159 de artesanato e brinquedos e 50 de alimentação, além de receber entre 5.000 e 8.000 passantes por final de semana. Alguns expositores estão organizados em uma associação, mas cabe destacar que essa adesão não é homogênea. Entre alguns, predomina o discurso de que a associação existiria para o benefício de poucos, não atendendo às expectativas da maioria. Já o chamado comitê gestor (cuja existência é determinada por exigência da PMV) é formado por três expositores – um de alimento e os outros de artesanato ou brinquedos – com três suplentes. A cada dois anos, um novo comitê gestor é eleito, num processo de votação realizado entre os associados. É o comitê gestor que medeia as necessidades e reivindicações dos expositores junto à Secretaria Municipal de Turismo, Trabalho e Renda (Semttre).

Nesse cenário, ao compreendermos o espaço como experiência, produzido nos diferentes usos que dele se fazem cotidianamente, tomamos como foco as diferentes concepções de espaço e entendimento do que é ou o que deveria ser a feira, que revelam simbolismos construídos e reconstruídos numa dinâmica que ora aproxima, ora afasta expositores e passantes. Tais pontos de consenso e dissenso, perceptíveis na dinâmica cotidiana da feira, são apresentados a seguir, a partir das categorias de análise emergentes dos dados produzidos em campo.

 

6. A prática do espaço desvendando seus entrecruzamentos

Conforme já articulado teoricamente neste artigo, as práticas dos espaços (CERTEAU, 2014) emergem a partir das vivências dos diferentes sujeitos que modificam e se apropriam desses espaços, de forma que o concebido encontra-se com o vivido (LEFEBVRE, 2006), em existências espaciais que ultrapassam limites e transgridem a ordem estabelecida. Constrói-se, assim, uma intensa reapropriação e ressignificação dos espaços, produzidos a partir das experiências (TAYLOR; SPICER, 2007) de expositores, passantes e poder público.

É oportuno ressaltar que fazemos aqui uma mescla intencional entre praça e feira, expressa pelo que interpretamos como uma interdependência entre os dois signos, convertendo-os em símbolos complexos que se relacionam e se confundem, numa praça que possibilita a existência da feira e uma feira que confere sentido e vida à praça. Assim, após esta explanação, apresentamos os resultados da pesquisa de campo e as revelações da feira.

 

6.1 Muitas lojas e vitrines: o espaço concebido para o trabalho, complementação e geração de renda

De acordo com uma informante, a Feira da Praça dos Namorados foi concebida pela PMV como uma maneira tanto de acomodar os trabalhadores informais que ocupavam outra praça no centro da cidade de Vitória, como também controlar o uso deste espaço público (segundo a informante, a prefeitura “entende como importância principal [...] um pouco de controle, controle mesmo dos espaços, não gosto mesmo dessa palavra né, mas ela é inevitável, que faz parte da organização”). Inserem-se na dinâmica da feira as pessoas que lá trabalham para complementar ou gerar renda; os habitantes da cidade e proximidades, que ganham mais uma opção de lazer; os agentes do poder público, que representam um planejamento da cidade, este combinado à pluralidade dos espaços vividos. Em tal dinâmica é possível perceber a intencionalidade presente na concepção da feira, que buscou moldar os espaços físicos (CARLOS, 2007; LEFEBVRE, 2006) da Praça dos Namorados.

Assim como o poder público, o expositor também concebe a sua feira, a partir de significados relacionados ao seu local de trabalho, ou ainda a uma oportunidade, mesmo que modesta, ambicionando ser dono do próprio negócio. Dessa maneira, elabora para si estratégias de uso e apropriação do seu espaço na feira. Também o passante tem sua própria concepção da feira. São diferentes perspectivas que denotam a forma como os sujeitos atribuem variados significados e representações aos usos dos espaços, que transcendem a materialidade da cidade (FISCHER, 1997; IPIRANGA, 2010).

A feira como espaço de trabalho, complementação e geração de renda, da maneira como foi concebido pela PMV, pode ser reforçada no relato de muitos expositores que contam histórias parecidas ao falar como foram parar ali. Durante a pesquisa de campo, múltiplas narrativas de expositores foram captadas no sentido de justificar sua presença na feira: o desemprego num dado momento da vida, o desejo de recomeçar após um acidente limitante ou ainda o começo de uma nova vida num país estrangeiro. Em comum, a vontade de trabalhar e a necessidade de prover sustento para si e sua família.

Tais trajetórias e estratégias (CERTEAU, 2014) desvendam uma elaboração intelectual do espaço (LEFEBVRE, 2006), que, em contexto urbano, transforma-se a partir de construções e reconstruções sociais por parte do poder público, trabalhadores e população local. Tal planejamento procura atuar como organizador das atividades numa espécie de orientador espacial, ou seja, em representações que buscam definir pelo discurso os usos e apropriações do espaço (LEFEBVRE, 2006).

Ainda que nem todos tenham planejado previamente tornar-se expositores na feira, muitos deles se apropriaram de tal profissão, que, muitas vezes, mescla-se à de artesão. Foi em busca de oportunidade que muitos expositores acabaram encontrando na feira um meio de ganhar dinheiro e um espaço para trabalhar, ou, como muitos gostam de dizer, de “mostrar o seu trabalho”. Para a maior parte dos expositores que foram sujeitos desta pesquisa, o trabalho na feira é a única fonte de renda; já para os outros, esta serve como uma complementação de salário ou aposentadoria. O sentido de lugar de trabalho conferido à feira remete aos significados e apropriações descritos por Fischer (1994), nas quais os sujeitos tomam para si o espaço da feira, ressignificando a própria praça.

A feira simboliza para esses trabalhadores o recomeço, a oportunidade de trabalho e de oferecer aos seus uma forma de sustento. Contudo, os dados obtidos em campo reforçam o argumento de Sousa (2000) ao discutir que a feira não representa apenas um meio de constituir ganhos financeiros, mas a possibilidade deste ser resultado de um trabalho prazeroso, praticado na relação direta entre produtor e consumidor final sem o intermédio de atravessadores. Feirantes com os quais a pesquisadora em campo teve contato elencaram diferentes significações para o “ser dono do próprio negócio”: planejar, produzir e vender, ter sua loja e administrá-la à sua maneira.

Constatamos, ainda, que, para os feirantes, não se trata apenas de questões financeiras. De acordo com os pesquisados, estar na feira envolve significações como explorar seu próprio potencial, oferecer a si a oportunidade de trabalhar de maneira independente, no seu próprio ritmo e naquilo que se sabe e aprecia fazer. Entretanto, isso não significa dizer que a opção pela feira como meio de vida não implique trabalho árduo, como expositores que relatam trabalhar mais de 14 horas por dia confeccionando os produtos que comercializam na feira aos finais de semana. Para os expositores, o espaço que ocupam na praça é sua loja e a barraca, sua vitrine. Por isso mesmo, cada um tem seu jeito de arrumá-la, e muitos demonstram incômodo com passantes que não mostram o mesmo cuidado pelos produtos ao tocá-los. Um rito de montar e desmontar a loja a cada dia de trabalho, realizado com muito apreço com o objetivo de “encher os olhos” dos passantes.

O decreto que regulamenta o trabalho na feira prevê um mês de férias aos expositores, contudo muitos afirmaram nunca ter se ausentado da feira por muitos dias, pois  “o segredo é não deixar de vir [à feira], como se fosse uma loja, se não abrir você não vende” (DIÁRIO DE CAMPO, 27/06/15). Assim, há expositores que preferem manter a barraca aberta mesmo em seu período de folga, por medo de perder o vínculo com a clientela, ou de permanecer por longos períodos sem ganhos financeiros. É interessante destacar que o entendimento da barraca como loja (significação que traz implícita uma noção de perenidade) por parte dos expositores contrapõe-se à concepção da feira como um trabalho temporário, que serviria de “trampolim” para a inserção no mercado de trabalho ou início de uma carreira de empreendedor, algo que foi exposto pela PMV em entrevistas, sinalizando concepções divergentes do espaço.

Esse espaço enquanto local de trabalho, complementação e geração de renda, tal qual concebido pela PMV, apresenta-se em uma organização estratégica de compartilhamento do trabalho e do lazer, concepção que muitas vezes é alterada pelas táticas expressas nas maneiras de fazer de seus sujeitos. Certeau (2014) aponta para uma estratégia que cria lugares abstratos capazes de produzir, mapear, impor; enquanto às táticas não resta outra opção a não ser utilizar, manipular e alterar esses lugares, pois, nas palavras do autor, “a tática não tem por lugar senão o do outro” (CERTEAU, 2014, p. 94). Dessa forma, o que se vê é uma relação de forças na qual estratégia e tática se articulam no detalhamento da vida cotidiana da feira. Um equilíbrio simbólico que reafirma a apropriação do espaço urbano pela ação humana nas diferentes paisagens (SANTOS, 2006), que viabiliza compreensões entre a realidade material e as relações sociais, além de evidenciar contradições nos movimentos e práticas sociais (CARLOS, 2007).

Dessa maneira, o espaço da feira foi concebido para as representações de espaço, aquelas relacionadas aos conhecimentos, signos e códigos (LEFEBVRE, 2006), o que fica evidente nas narrativas evidenciadas pelo poder público, que concebem a feira para determinados fins. Essa tipificação do espaço foi concebida pela PMV e expositores como local de trabalho e geração de renda, que por vezes conflita ou complementa a concepção da sociedade que vê a feira como espaço de lazer (ainda que seja um lazer gratuito, caracterizado pelo passeio em um espaço público). A PMV, quando reafirma a concepção da feira como espaço de passagem para o expositor, que, em sua visão, deveria almejar outro tipo de negócio futuro, ou quando prefere o termo “passante” ao invés de cliente ou frequentador, contrapõe o espaço concebido da feira ao espaço vivido, que será apresentado no próximo tópico, na medida em que ignoram o espaço praticado e experienciado cotidianamente pelos sujeitos.

 

6.2 “Praça dos Namorados não é shopping não”: o espaço vivido entre fragmentações, conflitos e disputas

O espaço vivido é o lugar da experimentação da vida humana (LEFEBVRE, 2006), e por esse motivo não consegue ser estável, perene, não está preso ao tempo ou espaço. Ao contrário, devido à interação do sujeito com o mundo, em sua existência espacial, afloram ambiguidades, contradições e conflitos em seu cotidiano (CERTEAU, 2014). Tal interação, dada por meio de práticas e apropriações (CERTEAU, 2014), em dinâmicas que não são neutras (FISCHER, 1994), mas sim reveladoras de poderes, interesses e visões de mundo.

Da mesma forma que em outras formas organizativas, os conflitos estão presentes no cotidiano da feira. Em certas situações, os embates se dão de maneira explícita, como no descontentamento de expositores com a atuação da PMV, e, em outras, de maneira velada, sobretudo quando relacionada às decisões que envolvem a associação e o comitê gestor ou à atuação de concorrentes na feira.

Com o passar dos dias de trabalho na feira, a pesquisadora em campo presenciou diversas situações conflituosas entre os expositores, como o emblemático episódio em que dois artesãos discutiram por divergências em relação a dez centímetros no posicionamento de suas barracas. Um dos artesãos, ao deparar-se com a recusa de movimentação por parte de sua vizinha de feira, por ter alegado que seus clientes precisavam de espaço suficiente para admirar sua arte confortavelmente, esbravejou: “Praça dos Namorados não é shopping não, não vai ter tanta gente assim para ver a arte dela não!” (DIÁRIO DE CAMPO, 26/07/15). Por outro lado, a atitude da expositora que se opôs à movimentação de sua barraca demonstrou apego àquele espaço que considera seu. Em sua trajetória pessoal, para além do “pedaço de chão compartilhado”, foi um grande desafio sair do “pano” após 21 anos trabalhando na feira como visitante e conquistar o direito de expor sua arte numa barraca, como tantos outros expositores.

Ademais, o arranjo material da feira, assim como em outras organizações, atua de maneira a expor relações de poder, estabelecidas nos espaços simbólicos de disputa, de forma que o que está em jogo é, também, o espaço físico (FISCHER, 1994). Ficar no caminho do público é interessante, contudo a valorização simbólica do espaço físico ocorre em razão do espaço socialmente produzido, um espaço abstrato (LEFEBVRE, 2006) que não pode ser compreendido de maneira objetiva, tampouco por sua utilidade ou funcionalidade. Assim, ao analisar de forma isolada essa situação, não é possível interpretar a atitude dos envolvidos, sendo necessária, como se viu, a compreensão das trajetórias desses sujeitos.

Outra questão interessante que aparece no discurso do expositor envolvido no conflito foi a distinção que ele constrói da feira em relação ao shopping center, ressaltando a desigualdade entre as duas realidades, na qual a primeira tende ao comércio mais popular, marcado pela relação da cidade com sua diversidade cultural e social (MOTT, 2000; SATO, 2007). A segunda, em contrapartida, carrega consigo a noção do consumo em massa, tanto de bens quanto de serviços. Dizer que “Praça dos Namorados não é shopping” pode ser compreendido como declarar que não haveria público suficientemente grande ao redor de uma barraca, que a impedisse de ser deslocada fisicamente, a ponto de afetar o bem-estar dos possíveis clientes.

Mesclada em contendas como essa, está também a insatisfação dos expositores que se consideram artesãos com aqueles que trabalham com “fuleragem”, como quando o expositor refere-se de forma jocosa à arte de sua vizinha. Tal aspecto mostrou-se imiscuído em diversas situações de conflito entre expositores, contexto em que emerge a disputa entre os artesãos que consideram que estão perdendo espaço para os vendedores de fuleragem. Os expositores, independentemente de sua classificação, são unânimes ao reconhecer que “a feira antes era bem diferente”, atestando a mudança ocorrida ao longo dos anos, que trouxe os produtos chineses para a praça. Considerando a tradição chinesa no comércio de cópias e bugigangas, que suprem o desejo chinês de possuir bens estrangeiros, o próprio sistema de produção e comércio do país que se encontra no limiar da formalidade/legalidade e informalidade/ilegalidade, constrói-se um estatuto de mercado que opta pelas cópias como alternativa na diminuição das importações. Provenientes de uma produção altamente intensificada, esses produtos chegam a todas as partes do mundo, inclusive ao Brasil. Com preços baixos, permitem a formação de cadeias de distribuição e revenda, com possibilidade de ganhos para todos os envolvidos (PINHEIRO-MACHADO, 2009).

Não obstante, outro ponto de conflito, este unindo artesãos e vendedores de fuleragem, é a predominância dos quituteiros na preferência do passante. O entendimento geral é que as pessoas vão à feira para comer e acabam comprando alguma outra coisa. A pesquisadora teve a mesma percepção, ao ver que, mesmo em dias de poucas vendas, as áreas de alimentação estavam sempre lotadas. Entretanto, essa é a menor das disputas que cercam os vendedores de alimentos, pois há conflitos advindos da própria concorrência entre eles. A competição no espaço de preferência do passante se dá ao tentar copiar os produtos que já são oferecidos por outro expositor, ao gritar em frente a sua barraca, ou seja, ao tentar ser igual – primeira situação – deixando que o freguês decida por sua própria conveniência o que mais lhe agrada. Ou, como no segundo caso, ao buscar se diferenciar.

Em ambas as situações, há hostilidade entre eles, que algumas vezes se camufla na “política de boa vizinhança” adotada no cotidiano da feira em relações que oscilam entre cooperação e competição, um fluxo de ações e significações em constante variação. Essa incessante busca por delimitações simbólicas, ou fronteiras espaciais, formam barreiras simbólicas que transformam e constroem a feira cotidianamente (CERTEAU, 2014).

Assim, os conflitos entre usos e apropriações de espaços na feira se mostram situacionais e fragmentados, modificando-se num caleidoscópio que combina concepções e práticas num arranjo diferente para cada situação. E é justamente por meio dessa complexa combinação, que evidencia apropriações e usos de espaços por vezes convergentes, por vezes divergentes em relação às diferentes concepções de espaço circulantes na feira, que desvendamos a articulação que possibilita o espaço vivido. Ao concebermos o espaço como experiência, possibilitamos o desvendamento das práticas (CERTEAU, 2014) como elo que engendra espaço concebido e vivido (LEFEBVRE, 2006), no entrecruzamento de espaços que forma a feira.

 

7. Considerações finais

Este artigo teve por objetivo compreender a constituição do espaço organizacional da feira nos entrecruzamentos dos usos que diferentes sujeitos elaboram para o espaço urbano. Reiteramos, portanto, a feira enquanto objeto de estudo rico e contributivo para os EO. No caso de nosso estudo, possibilitou que evidenciássemos realidades espaciais que permitiram desvendar significados, práticas e interesses que, compreendidos à luz de perspectivas teóricas emergentes no campo, revestem os achados e as análises aqui empreendidas de relevância, na medida em que é abordado o organizar da feira como composto por práticas provisórias, que permitem sua existência por meio das manifestações de poder, resistência e conflito emersas no cotidiano dos sujeitos. 

Esta pesquisa, portanto, revela diferentes forças presentes no espaço da feira, forças que atuam formando harmonias efêmeras, que coexistem num tênue equilíbrio simbólico, através do qual evidenciamos os entrecruzamentos do espaço concebido e vivido da feira. A feira, enquanto forma organizativa, surge da justaposição de usos e apropriações de seus espaços, em uma dinâmica que privilegia ora concepções de espaço elaboradas determinados sujeitos (como representantes do poder público, por exemplo), ora concepções elaboradas por outros (como expositores ou passantes). Nessa dinâmica, divergências simbólicas sobre os usos do espaço da praça e o objetivo da feira são escamoteadas, silenciadas ou resolvidas por práticas que asseguram as harmonias efêmeras.

Nesse sentido, praça e feira se confundem e se misturam em termos de suas materialidades e intencionalidades, no contexto de uma praça que permite a existência da feira e de uma feira que confere sentido e vida à praça. Os dois signos aparecem como interdependentes nas falas de campo e na própria vida de seus sujeitos: trabalhadores, passantes, expositores e representantes do poder público, apesar de suas diferentes concepções e vivências de espaço.

As diferentes concepções se percebem, por exemplo, no antagonismo da noção da PMV, ao declarar a feira como um espaço de trabalho temporário, enquanto para os expositores esse é um trabalho para toda uma vida. Entrecruza-se o espaço concebido pela PVM como temporário com o espaço vivido como permanente pelos feirantes. Essa divergência de percepções enfraquece a ideia da feira como coesa ou homogênea; dessa forma, o que se vê, em alguns momentos, são sujeitos que atuam independentemente, muitas vezes perdendo força em suas revindicações, o que impacta também nas formas de experienciar o espaço e de viver o trabalho. Essas diferentes visões de feira fazem com que se acirrem os ânimos e deflagrem-se conflitos tanto entre expositores – quituteiros, artesãos e fuleragem – quanto entre eles e PMV.

Como forma de resistência em relação às regras pré-estabelecidas, os sujeitos deste estudo apropriam-se da praça e da feira cada qual a sua maneira, desafiando o lugar próprio das estratégias estabelecidas. Entre os expositores, emergem situações de descontentamento com o órgão de controle e a atuação daqueles que, em sua visão, não os representam a contento, como o comitê gestor e a associação. Assim, é no espaço vivido no qual as histórias individuais se desenvolvem desafiando o concebido nas apropriações e usos do cotidiano.

A feira da Praça dos Namorados e seus espaços construídos estão constantemente sendo ressignificados a partir das estratégias e transgressões contínuas e dinâmicas presentes nas práticas espaciais cotidianas dos sujeitos da pesquisa. Transgressões estas que impelem o surgimento de novas estratégias e que por sua vez demandam diferentes táticas, num contínuo do espaço vivido que se assemelha a um jogo em constante transformação, numa não muito clara diferenciação entre em planeja e quem vive a feira.

Ademais, é no entrecruzamento de vivências do espaço que reside o casamento entre estratégias e táticas, propiciando a apropriação por todos do espaço da praça. Um lugar praticado em suas condições conflituosas, ambíguas e de proximidades contratuais, por vezes instáveis, e que por conta disso, possibilita a produção do espaço da feira. Essa instabilidade, presente nos diferentes espaços, é o que torna o mundo humano complexo, desafiador e ao mesmo tempo impressionante, permitindo uma profusão de interpretações, todas parciais e situacionais.

Por fim, entendemos que, ao abordar o espaço enquanto experiência, nossa pesquisa contribui claramente para o campo ao desvendar não apenas o entrecruzamento de concepções e vivências do espaço, mas também o próprio processo de organizar enquanto efêmero e imbricado nas práticas dos espaços. Contudo, é importante destacarmos que este texto é um recorte de uma pesquisa maior, e, como tal, não representa a totalidade dos dados produzidos. Por conta disso, assumimos que o foco da pesquisa centrou-se nos sujeitos expositores da feira e nos representantes do poder público, o que é uma limitação do estudo. Pouco aprofundamos neste texto em termos das concepções e vivências dos espaços da feira pelos passantes, por exemplo, que foram captadas ao longo da pesquisa e que, em respeito ao tamanho máximo permitido ao texto, optamos por não trazer.

Além disso, destacamos que ainda é possível avançar nas problematizações desenvolvidas aqui, de forma a aprofundar o avanço teórico obtido com o estudo. Estudos longitudinais, por exemplo, podem evidenciar a temporalidade das dinâmicas organizacionais de apropriação dos espaços, discutindo os diferentes arranjos e combinações ao longo do tempo. Outras possibilidades residem na compreensão dessas dinâmicas espaciais em outros contextos organizacionais, enfocando suas relações com os espaços urbanos, de forma a compreender as relações simbólicas travadas no contexto das cidades brasileiras.

 

REFERÊNCIAS

BEYES, T.; STEYAERT, C. Spacing organization: non-representational theory and performing organizational space. Organization, v. 19, n. 1, p. 45-61, 2011.

BUCHANAN, I. Introduction. In: WARD, G. (Ed.) The Certeau Reader. Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 2000. p. 97-100.

CAIRNS, G.; MCINNES, P.; ROBERTS, P. Organizational space/time: from imperfect panoptical to heterotopian understanding. Ephemera: Critical Dialogues on Organization, v. 3, n. 2, p. 126-138, 2003.

CARLOS, A., F., A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Labur, 2007.

CARRIERI, A. et al. Os espaços simbólicos e a construção de estratégias no Shopping Popular Oiapoque. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro,  v. 6, n. 2, Jun. 2008.  

CARRIERI, A.P.; SOUZA, M.M.P.; LENGLER, J. A Dimensão identitária em duas feiras hippies: uma comparação entre Estados Unidos e Brasil. Gestão.Org, v. 2, n. 9, p. 409 – 437. Mai/Ago 2011.

CAVEDON, N.R.  Antropologia para administradores. Porto Alegre: EdUFRGS, 2008.

CAVEDON, N.R.  Método etnográfico: da etnografia clássica às pesquisas contemporâneas. In: SOUZA, E. M. (Org.) Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual. Vitória: EDUFES, 2014. p. 65-90.

CERTEAU, M de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer / Michel de Certeau; Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 22ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

CHANLAT, J. F. Space, organisation and management thinking: a socio-historical perspective. In: CLEGG, S.R; KORNBERGER, M. (Eds.). Space, organizations and management theory. Liber & Copenhagen Business School Press, 2006. p. 17-43.

CHIESA, C.D.; FANTINEL, L.D. "Quando eu vi, eu tinha feito uma etnografia": notas sobre como não fazer uma “etnografia acidental”. VIII Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD. Anais... Gramado, 2014.

COVA, V. Lefebvre et de Certeau: la sociologie du quotidien. Cormelles-le-Royal: EMS, 2014.

CLEGG, S.R; KORNBERGER, M. Introduction: rediscovering space. In: CLEGG, S.R; KORNBERGER, M. (Eds.). Space, organizations and management theory. Liber & Copenhagen Business School Press, 2006. p. 8-16.

DALE, K.; BURRELL, G. The spaces of organisation & organization of space: power, identity & materiality at work. New York: Palgrave, 2008.

DAMASCENO, F. J. G. As cidades da juventude em Fortaleza. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 53, p. 215-242, jan./jun. 2007.

DAMERON, S.; LÊ, J.K.; LEBARON, C. Materializing Strategy and Strategizing Material: Why Matter Matters. British Journal of Management, v. 26, p. s1-s12, 2015.

DE SOUZA, M.M.P. et al. Do “beija e deixa” ao “membro virtual”: os vários usos do sagrado na Feira do Jubileu de Congonhas. Revista de Administração, v. 49, n. 2, p. 429-440, 2014.

DOVEY, K. Framing Places: mediating power in built form. London: Routledge, 1999.

ELDEN, S. Understanding Henri Lefebvre: theory and the possible. London: Continuum, 2004.

FERRETTI, M. Feiras Nordestinas – Estudos e problemas. In: FERRETTI, S. (org.) Reeducando o olhar: estudos sobre feiras e mercados. São Luis, Maranhão: Edições Universidade Federal do Maranhão/Proin-CS, 2000. p. 36-66.

FILGUEIRAS, B.S.C. Do mercado popular ao espaço de vitalidade: o Mercado Central de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.

FISCHER, G.N. Espaço, identidade e organização. In: CHANLAT, Jean-François (Coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. v. 2. São Paulo: Atlas, 1994.

FISCHER, T. A cidade como teia organizacional: inovações, continuidades e ressonâncias culturais Salvador, BA, cidade puzzle. RAP - Revista de Administração Pública. v. 3, p. 74-88. Rio de Janeiro, mai-jun 1997.

FLEMING, P.; SPICER, A. Power in management and organization science. Academy of

Management Annals, v. 8, n. 1, p. 237-298, 2014.

GIBLER, K.M.; BLACK, R.T.; MOON, K.P. Time, Place, Space, Technology and Corporate

Real Estate Strategy. Journal of Real Estate Research, v. 24, n. 3, p. 235–62, 2002.

HATCH, M. J.; CUNLIFFE, A. Organization Theory: modern, symbolic, and post-modern perspectives. Hampshire: Oxford University Press, 2013.

HERNES, T. The spatial construction of organization. Amsterdam: John Benjamins Publishing, 2004.

IBGE. Censo 2010. Disponível em: <http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/ho me.asp >. Acesso em: 28 mar. 2015.

IPIRANGA, A.S.R. A cultura das cidades e seus espaços intermediários: os bares e os restaurantes. RAM – Revista de Administração Mackenzie. São Paulo, v. 11, n. 1, p. 65-91, jan/fev 2010.

KERR, R.; ROBINSON, S.K.; ELLIONTT, C. Modernism, Postmodernism, and corporate power: historicizing the architectural typology of the corporate campus. In: Management & Organizational History, Vol. 11, N. 2, 2016, p. 123-146.

KIPFER, S.; GOONEWARDENA, K.; SCHMID, C.; MILGROM, R. On the production of Henri Lefebvre. In: GOONEWARDENA, K.; KIPFER, S.; MILGROM, R.; SCHMID, C. Space, difference, everyday life: reading Henri Lefebvre. New York: Routledge, 2008, p. 1-25.

KORNBERGER, M.; CLEGG, S.R. Organising Space. In: CLEGG, S.R; KORNBERGER, M. (Eds.). Space, organizations and management theory. Liber & Copenhagen Business School Press, 2006. p. 143-162.

LEFEBVRE, H. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: La production de l’espace. 4e éd.Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: 2006.

MOTT, L.R.B. Subsídios à história do pequeno comércio no Brasil. Revista de História, São Paulo, ano 27, n. 105, p. 81-106, jan./ mar. 1976.

MOTT, L.R.B. Feira e mercados: pistas para pesquisa de campo. In: FERRETTI, S. (org.) Reeducando o olhar: estudos sobre feiras e mercados. São Luis, Maranhão: Edições Universidade Federal do Maranhão/Proin-CS, 2000. p.13-34.

O'TOOLE, P.; WERE, P. Observing places: using space and material culture in qualitative research. Qualitative Research, v. 8, n. 5, p. 616-634, 2008.

PINHEIRO-MACHADO, R. Made in China: Produção e circulação de mercadorias no circuito China-Paraguai-Brasil. 2009. 332 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

PIMENTEL, T.D.; et al. As representações e as práticas sociais das “sacoleiras” na feira hippie de Belo Horizonte: A representação social de empreendedoras de pequenos negócios. Revista da Micro e Pequena Empresa, Campo Limpo Paulista, v. 5, n. 2, p. 60-76, Mai/Ago 2011.

PIMENTEL, T.D.; CARRIERI, A.P.; LEITE-DA-SILVA, A.R. Ambiguidades identitárias na “Feira Hippie”/Brasil. Comportamento organizacional e gestão, v. 13, n. 2, p. 213-236, 2007.

PUTNAM, L.L.; BANGHART, S. Interpretive Approaches. In: SCOTT, C.R.; LEWIS, L. (Eds.). The International Encyclopedia of Organizational Communication. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017.

ROPO, A., HÖYKINPURO, R. Narrating organizational spaces. In: Journal of Organizational Change Management, v. 30, n. 3, p.357-366, 2017.

SANTOS, M. Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

SATO, L. Processos cotidianos de organização do trabalho na feira livre. Psicologia & Sociedade, v. 19, ed. especial, p. 95-102. Porto Alegre, 2007.

SOUSA, A.M. A feira livre na Cohab: contatos iniciais com a realidade da feira do produtor rural em São Luís. In: FERRETTI, S. (org.). Reeducando o olhar: estudos sobre feiras e mercados. São Luis, Maranhão: Edições Universidade Federal do Maranhão/Proin-CS, p.67-96, 2000.

TAYLOR, S.; SPICER, A. On organizational spaces time for space: a narrative review of research on organizational spaces. International Journal of Management Reviews, v. 9, n. 4, p. 325-346, 2007.

TOMKINS; L.; EATOUGH, V. The feel of experience: phenomenological ideas for organizational research. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, v. 8, n. 3, p.258-275, 2013.

VALAND, M. Between organisation and architecture: end-user participation in design. In: International Journal of Work Organisation and Emotion, v. 4, n. 1, p. 42-60, 2011.

VAN MARREWIJK, A.; YANOW, D. The spatial turn in organizational studies. In: VAN MARREWIJK, A.; YANOW, D. (eds.). Organizational Spaces: rematerializing the workaday world. Cheltenham: Edward Elgar, p. 1-15, 2010.

VÁSQUEZ, C. A spatial grammar of organising: studying the communicative constitution of organisational spaces. Communication Research and Practice, v . 2, n. 3, p. 351-377, 2016.

VAUJANY, F.; MITEV, N. Introduction: Space in Organization and Socio materiality. In: VAUJANY, F.; MITEV, N. (Eds.) Materiality and spaces: Organizations, Artifacts, and Practices. Hampshire and New York: Palgrave Macmillan, p. 1-23, 2013.

VIEGAS, G.C.F.S.; SARAIVA, L.A.S. Discursos, práticas organizativas e pichação em Belo Horizonte. Rev. Adm. Mackenzie, v.16, n.5, São Paulo, Set./Out. 2015.

VITÓRIA (município).  Vitória em dados. Secretaria de Gestão Estratégica / Gerência de Informações Municipais. Vitória 2015. Disponível em: <http://legado.vitoria.es.gov.br/ regionais/home.asp>. Acesso em: 02 abr. 2015.

WATKINS, C. Representations of space, spatial practices and spaces of representation: an application of Lefebvre’s spatial triad. Culture and Organization, v. 11, n. 3, p. 209-220, Set. 2005.

WILHOIT, E. D. Organizational Space and Place beyond Container or Construction: Exploring Workspace in the Communicative Constitution of Organizations. In: Annals of the International Communication Association, v. 40, n. 1, p. 247-275, 2016.

WILSON, J. The Devastating Conquest of the Lived by the Conceived: The concept of abstract space in the work of Henri Lefebvre. Space and Culture, v. 16, n. 3, p. 364-380, 2013.



[1] Optamos por trabalhar apenas com as duas primeiras categorias de espaço por entendermos que os embates que emergiram no campo revelarem-se em maior medida nas tensões entre o concebido e o vivido na feira. Nesse sentido, preferimos não aprofundar neste artigo a categoria do espaço percebido.

[2] “Fuleragem” é o termo utilizado pelos próprios expositores quando se referem aos produtos comprados em mercados populares de São Paulo e Belo Horizonte, que, em sua maioria, são provenientes da China.