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A ECONOMIA POLÍTICA DA AVALIAÇÃO: miradas críticas sobre o campo e suas conexões com o
fazer avaliativo na América Latina e no Brasil
THE POLITICAL ECONOMY OF EVALUATION: critical views on the field in Latin America and Brazil
Breynner Ricardo de Oliveira1
Resumo:
O artigo problematiza o campo da avaliação e aprofunda uma discussão sobre a
economia política da avaliação. Refutando uma visão estadocêntrica, avaliar é um
ato vinculado ao conjunto de ações que dão sentido ao Estado e à arena pública,
permeada por distintos atores e agendas. Ao compreender a avaliação como um
campo difuso onde distintos atores institucionais e sujeitos atuam, interagem e
fazem escolhas, o fazer avaliativo é um processo que evidencia distintas visões,
agendas, interesses e percepções. A avaliação é um processo que articula esse
conjunto de elementos onde a técnica ou o método são apenas uma das
dimensões e reflete concepções que podem ser mais ou menos hegemônicas. Ao
dialogar com referências que dão centralidade às desigualdades, diversidades,
contextos e a sabedoria local das pessoas, nos territórios – o alvo das políticas,
cidadãs e cidadãos – o artigo tensiona o complexo campo da avaliação na América
Latina e no Brasil.
Palavras-chave: Avaliação de políticas públicas; Economia Política da Avaliação,
Políticas públicas; Contextos e trajetórias na avaliação.
Abstract:
The article problematizes the field of evaluation and deepens a discussion on the
political economy of evaluation. Refuting a state-centric view, evaluating is an act
linked to the set of actions that give meaning to the State and the public arena,
permeated by different actors and agendas. By understanding evaluation as a
diffuse field where different institutional actors and subjects act, interact, and make
choices, the evaluative process is a process that highlights different visions,
agendas, interests, and perceptions. Evaluation is a process that articulates this
set of elements where technique or method is just one of the dimensions and
reflects concepts that can be more or less hegemonic. By dialoguing with
references that give centrality to inequalities, diversities, contexts, and the local
wisdom of people, in territories – the target of policies, citizens, and citizens – the
article stresses the complex field of evaluation in Latin America and Brazil.
1 Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Mariana – MG – Brasil. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação
e Economia Aplicada. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0956-4753. E-mail: breynner@ufop.edu.br
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Keywords: Evaluation of public policies; Political Economy of Evaluation, Public
policies; Contexts and trajectories in evaluation.
1. Introdução
O objetivo deste artigo é problematizar e tensionar o campo da avaliação e aprofundar uma discussão sobre
a economia política da avaliação – um conceito, uma ideia, uma noção ou um conjunto de reflexões que
tenho discutido e formulado ao longo de minha inserção, desde 2013, no Grupo de Trabalho (GT) Evaluar
desde la America Latina, com pesquisadores/as e avaliadores/as vinculados à Red de Seguimiento
Monitoreo y Evaluación de América Latina y el Caribe – ReLAC e de universidades brasileiras, latino-
americanas e europeias.
Na ReLAC, o GT EvalAcadémic@s também avança nessa discussão. Criado em 2019 e relançado em 2022,
o Grupo articula e dissemina o debate a partir da Academia e da Formação em Avaliação. A Universidade
– tanto pública quanto privada – surge como um ator relevante no campo do Monitoramento e Avaliação
(M&A). Ao incidir na pesquisa avaliativa, na avaliação, na formação, na discussão política, epistemológica
e metodológica das avaliações, sua inserção no campo a qualifica como ator com capacidade de induzir
políticas públicas e o debate, mobilizando diversos atores e arenas, tanto em nível local/regional quanto
nacional e internacional.
Como a região tem passado por profundas transformações nas últimas décadas, refletidas nas políticas
públicas implementadas, na compreensão do papel da avaliação e monitoramento, na efetividade dos
direitos, no fortalecimento da noção de cidadania e da democracia, sabemos que as Universidades têm
desempenhado um papel decisivo neste processo e, por isso, muito tem a contribuir para o debate e reflexão
que pretendemos realizar.
Nesses espaços – arenas políticas – defendemos uma proposta epistemológica de avaliação – de sua
prática e reflexão – nos e a partir dos territórios geopolíticos do Centro, Caribe e Sul do continente, para
responder aos desafios apresentados pelas intervenções (do nível comunitário ao nacional, regional e
internacional), envolvendo visões de mundo, linguagens, modos de vida, saberes e identidades que
compõem os diferentes territórios; e que cada vez mais requerem uma visão humana, ética, decolonial,
inclusiva, crítica, construtivista e transformadora. Em síntese, nossa intenção é promover o diálogo sobre o
tema, compartilhando com pesquisadores, avaliadores e acadêmicos de diversos países que realizam
avaliações de políticas públicas em diferentes setores (educação, desenvolvimento, gênero e equidade,
saúde, seguridade social, políticas urbanas e rural, etc.).
É no âmbito dessas ações, discussões e arenas de incidência que esse artigo se localiza, motivado pelas
reflexões que advieram dessa agenda ao longo desse percurso. Compreendido seu contexto, apresento
algumas dimensões-chave que estruturam essa abordagem.
2. Aproximações sobre a discussão
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A literatura sobre o campo da avaliação é clara: a avaliação é um processo que avalia criticamente, testa e
mede o desenho, a implementação e os resultados do projeto ou programa, à luz de seus objetivos iniciais
ou dos objetivos que orientaram a formulação da ação. Pode ser conduzida qualitativa e quantitativamente,
para determinar a diferença entre o resultado real e o desejado; para se compreender os efeitos da
operacionalização e para aferir seus impactos ou efeitos. De todo modo, a literatura informa que a avaliação
é uma valoração; é uma escolha de estratégia(s) metodológica(s) para que uma ou mais questões sejam
respondidas.
Há, então, um aspecto importante aí diluído, mas que não é explicitado formalmente nas definições
propostas pelos manuais que predominam ou que são considerados “canônicos”: a avaliação debruça-se
sobre o fazer do Estado, sobre um conjunto de ações que dão materialidade a ação pública. Em última
instância, avaliar é um ato vinculado ao conjunto de ações que dão sentido ao Estado e à arena pública,
permeada por distintos atores e agendas.
Ao compreender a avaliação como um campo difuso onde distintos atores institucionais e sujeitos atuam,
interagem e fazem escolhas, assumimos que o fazer avaliativo é um processo que evidencia distintas visões,
agendas, interesses e percepções. Dessa forma, a avaliação é um processo que articula esse conjunto de
elementos onde a técnica ou o método são apenas uma das dimensões e, consequentemente, reflete
concepções que podem ser mais ou menos hegemônicas.
Em outras palavras, a avaliação de políticas públicas está inserida na relação estado-sociedade e, por isso,
reflete visões ortodoxas ou heterodoxas – dominantes ou não-hegemônicas, dependendo das concepções
teóricas que fundamentam esse fazer. A avaliação é, portanto, um ato político e, consequentemente, não é
apenas e exclusivamente um conjunto de processos e/ou métodos com vistas a mensurar dimensões e
auxiliar na tomada asséptica de decisões governamentais. Como tem forte vinculação política, a avaliação
reflete jogos de poder, ideologias e concepções sobre o Estado, sobre os direitos sociais e sobre os
cidadãos, os destinatários das ações públicas. A avaliação também reflete subjetividades. É nesse contexto
que essa discussão se inscreve.
Há, portanto, uma mudança radical no vetor de causação: uma visão crítica ou contra hegemônica sobre o
campo da avaliação volta-se para o olhar sobre os territórios e os sujeitos e atores que nele coexistem e, a
partir dessas relações cotidianas, avaliar como as políticas públicas têm sido – ou não – capazes de incidir
sobre suas vidas e a de suas famílias, como têm afetado suas experiências e como essas pessoas
interpretam e traduzem o estado, por meio das interações mediadas pelos programas públicos, incluindo as
maiorias minorizadas: pessoas negras, LGBTQIA+, povos originários, pessoas das periferias, dos
subúrbios, das margens; pessoas analfabetas, idosas, pobres, deficientes, marginalizadas e estigmatizadas.
Ao colocar uma lente nessas questões, a avaliação também revela como as políticas mobilizam seus
valores, suas experiências, suas culturas e suas cosmovisões. Ancorados em Santos (1996; 2000), quando
constrói uma epistemologia sobre os territórios, afirmamos que a ação pública também revela,
consequentemente, conforme Offe (1984), Przeworski (2019), Fals Borda e Mora-Osejo (2007), Floresta
(1989), Freire (1987; 2000), Fraser (2001), Quijano (1997), Gonzalez (1988), as contradições inerentes ao
próprio Estado e sua lógica de produção e reprodução de desigualdades, estigmas e preconceitos nos
territórios – lugar onde se realizam todas as ações, paixões, poderes, forças e franquezas e onde a história
do homem se realiza a partir da manifestação de sua existência. Segundo Santos, o território é o chão mais
a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento
do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida em comunidade,
na relação com o outro.
Pretendo tratar da avaliação – tema que tem ganhado relevância em toda a América Latina e no Caribe,
mas ainda é frágil, polissêmico e difuso (para ficar nesses adjetivos) – a partir de quatro ideias/intenções
que orientam a discussão sobre a economia política da avaliação: (1) o campo da avaliação; pensado a
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partir das controvérsias das dinâmicas socio estatais; (2) uma visão crítica sobre o ciclo das políticas
públicas e suas conexões com o campo da avaliação de políticas públicas; a noção de trajetória e (4)
implicações para a América Latina.
Nesse sentido, muito mais do que propor um método, aqui compreendido como um conjunto de referências,
insumos técnicos, padrões ou modelos, a discussão que apresento é no sentido de articular essas
expressões, pensando-as como categorias ou como eixos conceituais com o objetivo de estruturar uma
discussão conceitual sobre o campo da avaliação de políticas públicas a partir de uma perspectiva política.
Em diálogo com Boullosa, Oliveira, Araújo e Gussi (2021), o método não será aqui compreendido como
ferramenta, mas como um referencial epistemológico relevante para que a avaliação seja percebida como
um processo dinâmico, complexo, fluido e tensionado.
Para tal exercício, pode-se partir de diversos pontos. Partirei das políticas públicas. Ao fazer essa síntese,
Oliveira (2020) parte dos clássicos ao afirmar que há, na literatura, uma série de definições de política
pública, dentre as quais a de Lynn (1980) e a de Peters (2001). Lynn (1980) define política pública como um
conjunto de ações do governo que produzem efeitos específicos. Peters (2001) define política pública como
a soma das atividades do governo que agem diretamente ou por delegação e que influem na vida dos
cidadãos.
Em outras palavras, as políticas públicas são o Estado em ação. São um conjunto de programas que
traduzem a agenda estatal. São respostas concretas para um conjunto de demandas que são reconhecidas
pelo Estado. São o resultado da ação pública, como o fruto da articulação entre os diversos atores que
integram a arena pública. As definições são distintas, é claro. Mas convergem para quatro pontos
importantes:
● o primeiro informa que as políticas públicas visibilizam e dão concretude a uma ação, materializando
uma agenda;
● o segundo considera que as políticas públicas são resultado da pressão e dos interesses que os
diversos atores que orbitam no espaço público têm;
● o terceiro trata da questão do público: as políticas públicas não necessariamente surgem no âmbito
do Estado. São implementadas nessa esfera, mas podem ter sua origem em outras arenas, a partir
da articulação com outros atores institucionais que incidem no espaço público. É essa a ideia da
ação pública;
● as políticas públicas revelam e refletem valores, preferências e subjetividades.
De acordo com Oliveira (2020;2021), as políticas públicas, quando implementadas, mobilizam todos esses
sujeitos, elementos e dimensões. Acionam uma rede complexa de atores, de processos, de equipamentos
públicos, de recursos e de sujeitos que atuam na implementação em diversos níveis. As políticas públicas
dão visibilidade a uma rede multinível, que articula e vincula todos esses elementos. Há, portanto, quatro
implicações que derivam dessas afirmações:
1. O Estado é um dos atores no processo de formulação das políticas. Tem, portanto, interesses. Tem
agendas. Tem capacidade de influência. Tem lado. O Estado não é neutro e não está acima dos
interesses, como um árbitro, exclusivamente. Ele arbitra, mas também joga. Marca gol. Faz pênalti.
Compra a partida. Muda as regras. Faz as regras. Perde o jogo e tem que reconhecer a derrota, se
estamos em democracias. Há, portanto, uma correlação de forças que precisa ser desvelada se
queremos compreender o processo de formulação e implementação de políticas. Mais do isso, a
ação pública reconhece que o Estado não é o único ator relevante no ciclo das políticas; pelo
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contrário, coexiste em diversas arenas com outros atores, em um processo vertical e horizontal que,
ao fim e ao cabo, evidencia a liquidez das fronteiras que demarcam o espaço público.
2. Se já compreendemos, grosso modo, o que são as políticas, é preciso agora pensar na parte
concreta. Se as políticas dão concretude à ação pública, isso significa que as políticas existem.
Podem ser vistas. Identificadas. As políticas acontecem em algum lugar. As políticas mobilizam
recursos. Equipamentos. Orçamento. Processos. As políticas têm um conjunto de regras. Um
conjunto de dinâmicas. Articulam pessoas. Vinculam os servidores públicos, os prestadores de
serviços, as instituições públicas e privadas, os cidadãos e os órgãos públicos – secretarias,
ministérios, autarquias, equipamentos públicos. As políticas têm contextos e trajetórias e ganham
vida nos territórios.
3. Oliveira (2019) afirma que o campo de avaliação de políticas, ainda voltado para uma visão
estadocêntrica e liberal que privilegia avaliações de resultados e de cunho econômico-
econométrico, secundariza e invisibiliza os agentes e destinatários das políticas como sujeitos
sociais. Conforme Zaveri (2022) e Oliveira (2023), há que se considerar a cosmovisão, os saberes,
as culturas e as experiências dos povos locais e dos povos originários nas evidências e práticas
avaliativas, ainda pouco utilizados ou ausentes nas avaliações uma vez que o padrão-ouro no
campo é definido pelo Norte Global.
4. Há que se retomar a centralidade dos territórios como espaços de (con)vivência das pessoas e das
políticas públicas no nivel local e em seus cotidianos. Segundo Milton Santos (1996; 2000), os
decisores, ou seja, agentes que, por sua atitude discricionária, formulam e disponibilizam as
políticas, podem atuar como reprodutores da invisibilização ou apagamento desses grupos – as
maiorias minorizadas que constroem suas vidas e cotidianos nos territórios (FERNANDES E
OLIVEIRA, 2022). Os territórios, são, portanto, estratégicos para se pensar a avaliação a partir das
e das culturas experiências das pessoas
.
3. A Economia Política da Avaliação: o campo e aproximações para a contra hegemonia
Afasto-me da visão positivista sobre a avaliação, que a compreende como uma atividade sistemática,
pragmática, asséptica, cartesiana e exclusivamente técnica. Compreendo a avaliação a partir do conceito
bourdieusiano de campo: a avaliação é inscrita nesse referencial que a caracteriza como um lócus
heterogêneo, diverso, com múltiplos atores, agendas e interesses. A avaliação é, portanto, um processo
dinâmico e multifacetado, que articula e vincula um conjunto de atores, agendas, interesses e ideologias.
Ao demarcar o campo, assumo que a avaliação de políticas públicas orbita em torno da ação pública, que
extrapola a fronteira estatal. A avaliação, então, é concebida como um meio – e não uma finalidade em si –
para dar visibilidade ao Estado e aos atores que fazem parte do processo político que, ao fim e ao cabo,
conformam os programas de governo em ambientes democráticos. Nesse sentido, a ação pública é uma
chave analítica potente porque compreende que as demandas que emergem e que serão o embrião das
políticas públicas não nascem exclusivamente do Estado.
Para Bourdieu (1996), o campo é um espaço estruturado a partir posições de poder e disputas simbólicas.
Em outras palavras, pode ser compreendido como um sistema de relações sociais que estabelece como
legítimos certos objetivos que se impõem “naturalmente” aos agentes que dele participam. Tais atores
interiorizam o próprio campo, incorporando suas regras e sua gramática em suas práticas. Compreender a
gênese social de um campo significa desvelar as crenças que o definem e orientam seus movimentos; o
jogo de linguagem e a formação da gramática e da semântica ali performadas e a dinâmica das coisas
materiais e simbólicas que são ali geradas e ressignificadas.
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É por isso que se pode afirmar que as políticas públicas e a avaliação operam em campos, tendo cada
campo sua própria estrutura, ou seja, seus próprios critérios de percepção da realidade. O campo das
políticas públicas e o campo da avaliação são lugares onde se geram as disputas simbólicas e onde os
atores neles envolvidos exteriorizam suas escolhas e definem suas estratégias de interação, cooperação,
sabotagem e cooptação, evidenciando as tensões e contradições que também caracterizam essas arenas.
A ideia de campo é importante para auxiliar na compreensão da transversalidade das políticas públicas e,
consequentemente, da avaliação.
Se a avaliação opera em um campo, as definições sobre o que é avaliar são porosas e polissêmicas. A
depender da matriz analítica, a avaliação assume distintas conotações e há, portanto, diferentes definições
e vertentes teóricas e epistemológicas que tratam desse objeto a partir de paradigmas variados (GUBA;
LINCOLN, 1989; VEDUNG, 1997; WEISS, 1994; LEJANO, 2012; RODRIGUES, 2008;2016 e BOULLOSA,
OLIVEIRA, ARAÚJO E GUSSI, 2021).
De todo modo, as definições convergem para um conjunto de expressões que definem uma gramática que
tem orientado o campo. Assim, a avaliação pode ser definida como uma análise objetiva e rigorosa de um
projeto contínuo ou concluído, para determinar sua significância, eficácia, impacto e sustentabilidade,
comparando o resultado com o conjunto de padrões. É um processo em que se atribui valor sobre o nível
de desempenho ou sobre o alcance de objetivos previamente definidos.
Januzzi (2016, p.74) afirma que a avaliação é um empreendimento técnico-científico que se vale de métodos
de pesquisa social para investigar a situação, problemas e diferentes aspectos da gestão de um programa
público ao longo do seu ciclo de vida, da sua concepção à entrega de bens e serviços para usufruto dos
públicos-alvo visados, considerando o contexto organizacional e político em que ele se insere, com a
finalidade de informar as necessidades de aprimoramento de suas atividades e produtos.
Em suma, a avaliação é um processo que avalia criticamente, testa e mede o desenho, a implementação e
os resultados do projeto ou programa, à luz de seus objetivos iniciais ou dos objetivos que orientaram a
formulação da ação. Pode ser conduzida qualitativa e quantitativamente, para determinar a diferença entre
o resultado real e o desejado; para se compreender os efeitos da operacionalização e para aferir seus
impactos ou efeitos. De todo modo, a literatura informa que a avaliação é uma valoração; é uma escolha de
estratégia(s) metodológica(s) para que uma ou mais questões sejam respondidas.
Avaliar é, portanto, um julgamento valorativo que tem alguns propósitos, de acordo com Guba e Lincoln
(1989): problematizar, dialogar, intervir, produzir conhecimento e promover aprendizagens sobre a política.
Em outras palavras, a avaliação induz novas dinâmicas sobre a ação pública, uma vez que fornece subsídios
relevantes – as evidências – sobre um conjunto de atores e elementos que estão vinculados em rede.
Há, então, um aspecto central nessa discussão: a avaliação debruça-se sobre o fazer do Estado e sobre os
demais atores que orbitam na arena pública; sobre um conjunto de ações que dão materialidade à ação
pública. Em última instância, avaliar é um ato vinculado ao conjunto de ações que dão sentido ao Estado e
à noção de público. Nesse sentido, valorar uma ação pública significa colocar uma lupa sobre as políticas
públicas e sobre o conjunto de issues que as estruturam e as atravessam.
3.A Economia Política da Avaliação: uma visão crítica sobre o ciclo e o processo de formulação de
políticas públicas no âmbito do estado
Ainda que apresentem diferenças, as definições de política pública apresentadas giram em torno da ação
pública. Quando formuladas, as políticas públicas buscam traduzir os propósitos dos governos e dos demais
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atores que ocupam a arena pública com programas e ações que gerem modificações positivas no mundo
real. Com a implementação, são dinamicamente materializadas, modificando-se em função dos processos
e da dinâmica cotidiana que se dá no seu percurso e na própria relação entre os agentes públicos e os
destinatários das políticas – os cidadãos, no território.
Não apresentarei o ciclo de políticas públicas (policy cycle), que idealmente desagrega o processo de
produção das políticas em fases distintas e sequenciadas, assumindo que as políticas operam em uma
lógica linear e, de alguma forma, previsível. Ainda que essa seja uma crítica bastante importante ao ciclo, o
que suas conhecidas fases revelam, se consideradas a partir de uma perspectiva hermenêutica? Apesar de
irrealista, uma vez que as políticas não são receitas prescritas e o ciclo sugere uma visão linear e
sequenciada sobre as políticas públicas, essa contra leitura pode ser útil para, didaticamente, descrever as
diversas dimensões que conformam a ação pública. Nessa perspectiva, uma leitura crítica e axiológica do
ciclo fornece subsídios para compreender a ação pública como um processo dinâmico, conflituoso e
entrelaçado.
Há, portanto, uma lógica inerente ao processo avaliativo. Avaliar não é uma tarefa estanque; não se trata
de uma decisão estritamente técnica ou neutra. Se a avaliação consiste em valorar – em atribuir valor – e
produzir evidências relevantes que permitam aos atores e sujeitos refletir e intervir na realidade que é
modificada pela política por meio da ação pública, há que se compreendê-la como um processo que transita
entre as etapas ou fases que estão descritas no ciclo e que vão além da questão do método, dos objetivos
e dos aspectos técnicos. É um processo que revela como a ação pública se processa e como tal ação
vincula, mobiliza, articula e tensiona os demais atores sociais que integram esse campo.
Sabe-se que as políticas públicas não são criadas de maneira estruturada e que não operam sob esse fluxo
ordenado e contínuo. Nesse sentido, compreender as limitações e simplificações do ciclo é um exercício de
análise importante para que as políticas sejam percebidas integralmente, de uma maneira sistêmica e
orgânica, também sob o ponto de vista da ação pública. Ao serem pensadas dessa forma, o analista terá
melhores condições de dedicar-se a uma ou outra dimensão desse processo, fundado na perspectiva da
ação pública, da promoção do bem comum e da geração de valor público orientados para os cidadãos, os
destinatários dessas ações. A crítica ao ciclo, portanto, serve para vincular o processo de avaliação a uma
dimensão mais ampla, em que as articulações e as controvérsias socioestatais convergem, alargando
sentidos, compreensões e concepções acerca das políticas, dos atores e dos sujeitos mobilizados.
A crítica ao ciclo materializa a dinâmica da ação pública e evidencia os distintos grupos e atores que fazem
parte do tecido social, vinculando esses sujeitos e instituições em uma rede multinível, que se conforma a
partir da implementação cotidiana das políticas. Dessa forma, esses atores passam a ocupar a mesma arena
e devem articular-se para que as agendas e os interesses sejam convergentes e/ou legitimamente
reconhecidos. Ancorado em Offe (1984), Przeworski (2019), Fals Borda e Mora-Osejo (2007), Floresta
(1989), Freire (1987; 2000), Fraser (2001), Quijano (1997), Gonzalez (1988) e Santos (1996; 2000), afirmo
que o ciclo, criticamente compreendido como a representação de um processo, revela como o Estado opera
na arena pública e como os issues tornam-se relevantes a ponto de definir uma hierarquia de preferências,
prioridades, valores e subjetividades. Ainda, essa dinâmica também evidencia como o jogo democrático se
processa, no qual a participação e a negociação são condições sine qua non para que as políticas se
concretizem.
Em outras palavras, o ciclo só pode ser pensado em condições democráticas e dinâmicas, onde os atores,
as agendas, os interesses e as arenas se movem e se conformam a partir das negociações e tensões que
são próprias do processo decisório. Nesse sentido, a avaliação emerge como uma possibilidade de
amalgamar todo esse processo, além de dar subsídios para que a sociedade civil e seus diversos grupos
de interesse e de pressão possam influenciar todo esse processo, por meio dos mecanismos de controle
que o próprio processo avaliativo produz.
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Ainda que importantes, é preciso reconhecer que esses mecanismos são falhos porque hierarquizam,
excluem e invisibilizam as pessoas, especialmente as maiorias minorizadas. É por isso que, também,
dialogamos com autoras e autores preocupados em denunciar, em seus textos, as desigualdades, os
estigmas, as marginalidades e as opressões para cada uma e cada um a seu modo, defenderem a
autonomia, a consciência crítica, os saberes, as experiências e visões das vozes historicamente silenciadas.
Este artigo propõe, então, movimento que permite compreender a avaliação como um fazer processual,
diretamente vinculado ao caminho que as políticas percorrem. Segundo Gussi e Oliveira (2016); Oliveira
(2020) e Boullosa, Oliveira, Araújo e Gussi (2021), a política/programa não tem um sentido único e está
circunscrita a ressignificações e subjetividades, segundo seus distintos posicionamentos nos vários espaços
institucionais (ou fora deles), ou seja, de acordo com seus deslocamentos na instituição ou na comunidade
destinatária desta política ou programa.
5. A Economia Política da Avaliação: a noção de trajetória para a compreensão das políticas no
âmbito da ação pública
Essa discussão revela que há, portanto, que as ações implementadas pelos governos percorrem caminhos.
No plural. Mesmo que tais caminhos não sejam rigorosamente lineares e que, na prática, as fases possam
se sobrepor ou não serem formalmente seguidas, o que importa é perceber que há uma dinâmica inerente
às políticas públicas. Ao passar a ideia de movimento, a discussão crítica sobre o ciclo, na seção anterior,
revela um percurso, uma trajetória (GUSSI, 2008).
Ao definir a noção de trajetória dos sujeitos a partir da biografia desses atores, Bourdieu (1996) afirma que
a trajetória pode ser entendida como a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente
ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos. Nessa perspectiva, os eventos biográficos e
seus respectivos sentidos podem ser compreendidos dentro de um contexto no espaço social, ou seja,
dentro de uma estrutura de distribuição dos diversos capitais (econômico, político, cultural, entre outros) que
legitimam uma ação em um determinado campo.
Dessa maneira, Bourdieu não busca interpretar a vida como um conjunto coerente e orientado, que se
desenrola seguindo uma ordem lógica, mas sim como algo que se desloca no espaço social e não está
vinculada apenas a um agente, mas sim a distintos agentes sociais. Se, para Bourdieu, a biografia de um
sujeito está diretamente vinculada à sua trajetória e aos sentidos que são atribuídos a esse percurso, o
conceito permite uma extrapolação, aplicando-se às políticas públicas. Assim como os sujeitos, as políticas
têm uma biografia, uma trajetória. As políticas são um processo de sucessivos sentidos a elas atribuídos;
são uma sucessão de avanços e rupturas que dão movimento ao seu processo.
Oliveira (2019) e Oliveira, Alves e Fitcher Filho (2022) destacam a centralidade desse conceito ao afirmar
que compreender seu itinerário, analisar seus efeitos, seus resultados, seus impactos e as questões
associadas ao desenho e sua implementação significa, incialmente, apreender como esse percurso foi (é)
construído. A partir dessa compreensão, a noção de trajetória emerge como referencial metodológico
estratégico para a compreensão dos processos sociais, construindo um diálogo entre temporalidades e
territorialidades, revelando uma dimensão histórica, coletiva e social.
Assim, a avaliação de uma política pública não pode apenas ser feita através de análises objetivas de
documentos, leis, marcos regulatórios, regras de operação, decretos e manuais. Ainda que sejam fontes
institucionais relevantes para se compreender a gramática que orienta e conforma a ação em questão, seu
sentido não é exclusivamente por elas definido. Há um conjunto de outras fontes que devem fazer parte do
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repertório do processo avaliativo e que estão diluídas na dimensão simbólica ou subjetiva dos aspectos
informais e cotidianos que permeiam a dimensão institucional: as decisões, as reuniões, os recursos
orçamentários, os conteúdos simbólicos, os comportamentos e atitudes dos atores individuais, grupais e
institucionais associados à política e, dentre tantas outras variáveis, as ações interpretativas que definirão
como a aplicação e a implementação se darão. A combinação dessas duas dimensões – a institucional e a
simbólica – é que permitirá que a avaliação capte e interprete os diferentes significados acionados
publicamente pelos sujeitos no contexto das ações que envolvem os programas e as ações públicas.
Da mesma forma, a avaliação produz percursos, trajetórias e sentidos: das instituições, das políticas, dos
programas, dos sujeitos, dos cidadãos, dos implementadores, dos territórios e das subjetividades. Avaliar,
a partir da noção de trajetória, significa compreender e visibilizar aspectos que se tornam ocultos quando
apenas o primado da técnica predomina: a dimensão do direito, a noção de cidadania, as questões
vinculadas às desigualdades e a exclusão; as tensões entre os distintos atores que emergem quando a
avaliação acontece; as subjetividades; as culturas; as identidades; as cosmovisões e as dinâmicas
territoriais.
Para o caso da avaliação de políticas sociais – a ação pública materializada para promover a ampliação do
acesso, a redução das assimetrias, a garantia dos direitos e a efetivação da cidadania –, a noção de
trajetória é central porque reconhece a complexidade das políticas e, consequentemente, do que se
pretende enfrentar. As políticas sociais incidem sobre aspectos complexos da dinâmica individual e coletiva
e, quando implementadas, revelam os conflitos societais que são fruto do percurso histórico-cultural-político-
econômico que define os espaços e o tempo.
A avaliação, nesse contexto, figura como um elemento aglutinador desse processo, fornecendo subsídios
para que a sociedade civil e seus diversos grupos de interesse e de pressão possam coexistir através dos
mecanismos de controle que o próprio processo avaliativo produz. Há, portanto, um movimento complexo
que permite compreender a avaliação como um fazer processual, diretamente vinculado ao caminho que as
políticas percorrem.
É nesse sentido que a noção de trajetória importa para se pensar o campo de avaliação a partir de uma
perspectiva crítica e decolonial que se opõe a visão tecnicista e regulatória que ainda vigora na América
Latina e no Caribe. Ao dar visibilidade aos distintos atores e às tensões que emergem nessas relações,
pretendemos horizontalizar as experiências, disputas e agendas, além de propor metodologias mais
participativas, inclusivas e heterodoxas que vocalizem os territórios, os sujeitos e as contradições que são
intrínsecas ao processo de materialização das políticas públicas, especialmente as sociais.
6. Uma Economia Política da Avaliação para avaliar na e desde a América Latina: algumas dimensões
da contra hegemonia
6.1. A avaliação na América Latina e no Caribe: uma visão liberal e colonial
Com a emergência do paradigma gerencial – A Nova Gestão Pública –, o Estado passa a desempenhar o
papel de articulador e direcionador, compartilhando sua autoridade e delegando competências para um
conjunto de instituições que, eventualmente, tornar-se-ão uma rede articulada de agentes que promoverão
a sinergia entre as várias ações que serão implementadas pelos governos e seus parceiros, em âmbito
global e planetário.
Essa nova dinâmica promove um intercâmbio de atributos e competências para os agentes públicos e
privados, o que contribui para a ressignificação de conceitos que agora deixam de ser rígidos. Há, portanto,
uma clara aproximação entre as várias agendas institucionais, o que contribui para a homogeneização de
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uma agenda política que se torna dominante e passa a regular a ação pública. Nesse movimento, as distintas
culturas organizacionais envolvidas nesse processo também se realinham e se aproximam, o que
certamente tem contribuído para a construção de um novo ethos público, muito mais permeável e
constrangido pelas diretrizes propagadas pelo novo gerencialismo.
Há, portanto, a conformação de uma nova gramática, uma nova semântica que passa a ser liquidamente
incorporada pelo Estado em nível global, influenciando as diversas áreas governamentais e modificando as
percepções acerca de suas finalidades e modos de fazer. A gramática passa a ser regida por um conjunto
de padrões semânticos que delineiam um espectro de relações entre atores políticos: prestação de contas;
avaliação/monitoramento das ações implementadas; eficiência do gasto e controle orçamentário;
transparência e controle social, dentre outros. Em outras palavras, governos devem ser accountables, isto
é, capazes de responder aos diversos grupos de interesse sobre seus atos e decisões políticas. Nesse
sentido, uma janela de oportunidade se abre para a criação de um conjunto de mecanismos de avaliação e
controle que empreguem ferramentas institucionais e não institucionais que traduzam a gramática e a
tornem tangível do ponto de vista normativo e metodológico.
Assim, o desempenho e a eficácia dos governos dependem também desses mecanismos de controle, tarefa
básica para que esse processo de reconfiguração do Estado aconteça. Nessa direção, os controles pela
lógica dos resultados e pela competência administrada ganham novos contornos. Pressionados pela
necessidade de prestarem contas à sociedade acerca da efetividade de suas políticas e programas, além
de assegurar que a estrutura administrativa funcione dento de novos princípios de produtividade e
desempenho, os governos aderiram à essa agenda. Essa perspectiva é fortemente vinculada à definição de
metas e objetivos claros que permitam tanto à Administração mensurá-los quanto a sociedade fiscalizá-los.
Para o contexto latino-americano e caribenho, região constituída por países que historicamente foram e são
marcados por uma visão colonial, dependente, clientelista e patrimonial que se traduz em agravamento da
desigualdade social, do reforço das assimetrias de acesso aos bens públicos e, consequentemente, na
fragilização dos direitos sociais e no esvaziamento da noção de cidadania, a conjuntura anteriormente
descrita reforça a gramática liberal nas políticas sociais. No campo da avaliação, coaduna-se com a
perspectiva avaliativa fomentada pelos organismos internacionais e multilaterais que, com suas políticas de
financiamento de políticas sociais para a América Latina e o Caribe, impuseram um modelo de avaliação
assentado nos marcos políticos neoliberais e/ou nos manuais produzidos a partir da tradição e da
experiência americana e europeia, dentro de uma perspectiva vertical e colonial, de cima para baixo.
Gussi e Oliveira (2016) tratam dessa questão para o caso brasileiro. Para os autores, essa perspectiva
tomou forma no país a partir da Reforma de Estado implementada nos anos 1990, quando se impôs um
modelo de avaliação da gestão pública ajustado às demandas do Banco Mundial, instituição responsável
pelo fortalecimento de uma visão instrumental, cartesiana, positivista e quantitativista acerca da avaliação
no país.
Ainda conforme Gussi e Oliveira (2016), a essa agenda política circunscreve-se um modelo de avaliação de
programas, projetos e políticas, sobretudo governamentais, baseados em critérios pré-definidos de
eficiência, eficácia e efetividade. Segundo Boullosa, Oliveira, Araújo e Gussi (2021), essas avaliações,
quase sempre reduzidas à dimensão econômica, têm por intuito demonstrar o sucesso ou fracasso das
políticas a partir da construção de indicadores, notadamente estatísticos, que revelam a otimização da
relação custo-benefício, previamente calculada, em relação ao investimento realizado na execução de
programas, projetos e políticas. Em grande medida, é essa crítica que os GT/ReLAC Evaluar desde la
America Latina e EvalAcadémic@s se fazem ao trazer essa discussão para o centro do debate em torno do
campo da avaliação de políticas.
6.2. A dimensão oculta da avaliação: as agendas e os interesses no campo e na arena pública
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Em Sobre o Estado, Bourdieu (2014) discorre longamente acerca de diversas dimensões sociológicas que
conformam e constrangem o Estado. Ao tomar emprestado do autor uma análise teleológica sobre o Estado,
percebe-se que a mesma se aplica ao campo da avaliação sob o ponto de vista administrativo, regulatório
e gerencial, quando o paradigma da Nova Gestão Pública parece ser a única alternativa possível: a
avaliação é um consentimento, é a aceitação de uma “ideia”.
Ainda que pareça que o campo da avaliação tenha caminhado na direção da “canonização” de um padrão
(Bourdieu; 2014) – o padrão-ouro das avaliações –, sacramentando a importância das estatísticas, dos
standards e de certos enfoques metodológicos alinhados com o mainstream internacional – o “mercado” da
avaliação e a gramática global que tem predominado – as discussões propostas por Gussi e Oliveira (2016);
Oliveira (2019;2020) e Boullosa, Oliveira, Araújo e Gussi (2021) sustentam a tese de que, a partir de uma
dimensão política, há outras dimensões que dão materialidade a esta temática, conferindo à mesma maior
densidade teórico-metodológica, além de reconhecer as múltiplas concepções que fundamentam o campo,
para além das visões mais normativas e com forte caráter instrumental.
Esses autores analisaram essa questão que será, suscintamente, resumida aqui. Ao assumir que a
avaliação encerra em si mesma um conjunto de elementos que fazem com que esse processo adquira
contornos políticos relevantes, os agentes e os avaliadores podem ser considerados maximizadores de
interesses, que podem – ou não – estar alinhados com os objetivos institucionais e/ou organizacionais das
agências ou governos responsáveis pelas avaliações. Consequentemente, afirmam os autores, as
avaliações podem tornar-se meramente figurativas ou documentos padronizados com vistas a satisfazer
requisitos legais, como a prestação de contas, por exemplo.
Sustento, então, a tese de que há, no campo da avaliação, um conjunto complexo de atores que têm
objetivos a serem atingidos, tais como, poder, renda, prestígio, segurança, conveniência, lealdade (a uma
ideia, instituição ou nação), orgulho do trabalho excelente e desejo de servir ao interesse público. Como tais
interesses não necessariamente estão associados aos interesses das instituições que realizam ou
contratam as avaliações, podem-se extrair algumas conclusões que se aplicam ao campo da avaliação: (1)
os custos de transação no processo avaliativo de obtenção da informação são elevados porque requerem
tempo, esforço e recursos financeiros para obter dados e decodificar significados, traduzindo-os de forma
inteligível e aplicada; (2) os tomadores de decisão envolvidos na avaliação são indivíduos que têm
racionalidades limitadas e, por isso, não conseguem tomar decisões pareto-eficientes; (3) os agentes e
avaliadores operam sob condições de incerteza e, ainda que a obtenção de informação possa reduzir essa
assimetria, resta considerável quantidade de incerteza na tomada de decisões e (4) a dinâmica e a cultura
organizacional das distintas instituições que estão associadas ao processo avaliativo influenciam as
estratégias e as agendas que permearão as avaliações.
Assim, pode-se considerar que há, nesta discussão, o interesse de propor uma leitura alternativa sobre a
avaliação no sentido de contrapor o paradigma vigente, partindo-se da premissa que os aspectos ocultos
são determinantes para melhor se compreender a dinâmica da avaliação, tanto do ponto de vista dos
agentes econômicos quanto das arenas políticas envolvidas.
Finalmente, Gussi e Oliveira (2016); Oliveira (2019;2020) e Boullosa, Oliveira, Araújo e Gussi (2021), Zaveri
(2022) e Oliveira (2023) são categóricos: a questão simbólica deve ser incorporada à discussão sobre o
campo da avaliação, aspecto central para dar visibilidade a questões que, se compreendidas apenas a partir
de uma concepção cartesiana ou meramente instrumental acerca do fazer avaliativo, permanecerão ocultas.
Dessa forma, os autores defendem que, para a discussão sobre o Estado e o campo da avaliação a partir
de uma abordagem política, deve-se dar centralidade aos códigos, ritos e símbolos que, também, são
integrantes da dinâmica estatal e estão presentes no processo avaliativo. Ao analisar o jogo de cena que se
revela e que constitui o percurso avaliativo, o papel e a ação dos burocratas, dos avaliadores, das agências
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de avaliação e instituições públicas nacionais e internacionais, dentre outros atores que integram essas
arenas decisórias passam a fazer parte da trama, dando novas pistas para se compreender como as
avaliações, “assim como as salsichas”, são feitas.
5. Considerações finais: uma agenda crítica para se avaliar desde a/na América Latina e Caribe
O artigo faz um debate que nos conduz à algumas questões/conclusões “provisórias”:
1. A ação pública é contextual e reflete uma concepção societal e sobre o próprio Estado. Liberal? De
Bem-Estar keynesiano? Híbrido? Desmontado e desmantelado, como temos visto no Brasil, entre 2019 e
2022, na gestão de Jair Messias Bolsonaro?
2. Conforme Cruz et al. (2020), o Estado é metamórfico, permanentemente em mutação e
transformação. Então, a parte concreta do Estado – a gestão pública – também será. A avaliação também
é metamórfica e deve dialogar com seu tempo e com as demandas derivadas das arenas públicas.
3. Ainda segundo Cruz et al. (2020), se é no território que a ação pública se materializa, o território
também é, consequentemente, metamórfico. Conforme Santos (1996; 2000), o território é um ator-chave
para revelar os cotidianos, saberes, experiências e vivências sobre as políticas e sobre o Estado.
Essas são afirmações importantes para a discussão que apresento porque as metamorfoses do e no
território são devidas às transformações do Estado, das complexidades da sociedade em cada tempo, das
demandas que a ela são impostas e, claro, da sua própria dinâmica, cada vez mais permeado por novas
regras, novas conformações, novas ações, novos programas e equipamentos públicos interconectados,
ainda que não possa afirmar que tal relação seja transversal.
Essa nova configuração de normas, leis, processos e programas faz com que novos agentes públicos
operem no nível local. Vejam a expressão que estou utilizando: agentes públicos. São os representantes do
Estado. Nessa concepção weberiana, os agentes públicos que atuam no território são representantes do
Estado no nível local. São implementadores de políticas no território.
A partir das pesquisas feitas por Michael Lipsky nos anos 1980, Oliveira (2014), Oliveira e Peixoto (2019) e
Oliveira e Daroit (2020) [dentre outros pesquisadores que têm se debruçado sobre o campo da
implementação] afirmam que esse processo faz com que outros e novos agentes públicos passem a ocupar
e transitar nos territórios, mobilizando (novas) demandas, processos, dinâmicas, atores institucionais e
sujeitos. Os postos de saúde e seus médicos, enfermeiros, psicólogos e agentes comunitários de saúde; os
CRAS, com os assistentes sociais e demais; as delegacias, com os policiais; a igreja, com seus membros e
religiosos; os conselhos, as associações de moradores; as ONGs, dentre outros.
Conforme analisado por Oliveira e Peixoto (2019); Oliveira e Daroit (2020) e Cruz et al. (2020), o território
torna-se um espaço de trocas, de saberes cruzados, de múltiplas percepções, de saberes diversos, crenças
e valores. Tensões. Contradições. Consensos. Acordos. Cooperação. Resistência. Adesão. Em diálogo com
Santos (1996; 2000), o território torna-se também político, por meio das políticas. Todos esses atores
passam a articular e mobilizar o território e os cidadãos. E, por causa dos processos e das políticas, essa
dinâmica também produz movimentos nos equipamentos públicos, cada vez mais induzidos por uma gestão
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transversal das políticas sociais. Ora, isso é uma descrição de uma rede que reconfigura o próprio território
e o conecta a múltiplos níveis da ação pública e da ação pública transversal, a partir da centralidade que se
tem dado ao cidadão. Logo, a visão estadocêntrica não dialoga com essa discussão. Há que se inverter os
paradigmas e centrar nas pessoas.
Este artigo pretendeu tensionar o debate sobre o campo da avaliação a partir de uma visão crítica. Ao
defender uma análise política sobre a avaliação e seus múltiplos atores, parte-se da premissa que os
avaliadores e os analistas não estão imunes à dimensão política da avaliação e da dialética que a ação
estatal e pública produz. Da mesma forma, os avaliadores e analistas não estão fora do debate sobre as
funções do estado e sobre como os direitos e a promoção da cidadania e da democracia serão garantidos.
Ao assumir que a avaliação influencia e produz escolhas políticas no âmbito do Estado e da sociedade, o
avaliador pode contribuir decisivamente para horizontalizar as dimensões econômicas, culturais, políticas,
subjetivas e territoriais, aproximando e articulando as agendas, os atores, as instituições e os interesses.
É nesse sentido que a avaliação emerge como um catalisador potente para que as várias esferas
governamentais sejam mobilizadas através da avaliação e de seus resultados, efeitos e desdobramentos.
Essa é uma das possibilidades de dar visibilidade à ação estatal. Ao atuar nessa arena com esses
referenciais, esse artigo também cumpre seu papel no sentido de anunciar e defender uma agenda a ser
perseguida a fim de orientar o campo da avaliação na América Latina e no Caribe.
Avaliar não se restringe a uma escolha metodológica apenas. Pelo contrário, avaliar significa fazer uma
sucessão de escolhas e eleições que vão muito além de um conjunto de técnicas assépticas ou meramente
instrumentais. Avaliar é, então, recuperar a trajetória do objeto avaliado para que a avaliação em si tenha
sentido e significado. Retomando Gussi e Oliveira (2016) e Oliveira (2020) e Oliveira, Alves e Fitcher Filho
(2022), avaliar significa compreender a trajetória da política, das instituições, dos processos, dos sujeitos,
das pessoas, e dos instrumentos vinculados à ação pública. Também é revelar a própria lógica de atuação
do Estado e como esse ator reproduz e aprofunda desigualdades.
É por isso que a avaliação não é apenas uma escolha técnica, mas, majoritariamente, trata de uma
estratégia política. Atribuir valor aos resultados da ação estatal significa, em maior ou menor grau,
reconhecer as tensões – a dialética – entre desenvolvimento econômico e social. As escolhas metodológicas
também avançam nessa direção, já que podem privilegiar campos distintos, realçando ou ocultando
agendas, interesses, atores e arenas. Avaliar, portanto, é um ato que vincula a ação pública e o Estado a
uma agenda e a essas dimensões. É nesse contexto que o avaliador emerge como um ator relevante.
Nesse sentido, o cidadão também avalia. Também está autorizado a avaliar porque tem o que dizer. O
cidadão pode ser um analista político, um sujeito que compreende essas dinâmicas e tensões que se
revelam e se cruzam nos territórios, onde suas vidas reais acontecem. O ato de avaliar, portanto, é
concebido como um ofício, já que se trata de um fazer construído em conjunto, engajado e repleto de
sentido, de intencionalidades, de ideologias e de subjetividades.
Ao longo dessas seções, uma agenda a ser perseguida também foi descrita e apresentada, diluída em um
conjunto de dimensões que devem ser pensadas para orientar o campo da avaliação na América Latina e
no Caribe. Como essas são regiões marcadas por uma visão colonial, dependente, clientelista e patrimonial
que se traduz em agravamento da desigualdade, do reforço das assimetrias de acesso e,
consequentemente, na fragilização dos direitos e no esvaziamento da noção de cidadania, a avaliação, o
avaliador e suas estratégias avaliativas podem ser elementos estratégicos para influenciar e informar o jogo
político através das políticas públicas. .
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