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ISSN - 2237-7840

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA PERSPECTIVA DA INTERSECCIONALIDADE
EVALUATION OF PUBLIC POLICIES FROM THE PERSPECTIVE OF INTERSECTIONALITY.



Regina Claudia Laisner1

Resumo:
Avaliar políticas públicas de modo a considerar os múltiplos aspectos da cidadania
é um grande desafio e a lógica da diferença oferece uma chave importante para
estabelecer um ponto de partida para este tipo de análise. O reconhecimento da
distinção das diferenças, como parte da construção da identidade, possibilita a
percepção profunda da realidade dos cidadãos, assim como torna possível
compreender como esta distinção transforma-se em marcadores sociais que
determinam a desigualdade. Ocorre que estes marcadores são vários e
sobrepostos, o que torna fundamental a interseccionalidade para uma discussão
mais refinada acerca dos vários formatos de injustiças que perfazem a
desigualdade e suas interconexões. Tendo estes aspectos em vista, o artigo,
apoiando-se nas reflexões das principais teóricas do tema da interseccionalidade,
estrangeiras e brasileiras, busca abordar sistematicamente esta perspectiva que
permite articular as dimensões das diferenças, tornadas desigualdades, para o
estudo mais amplo e profundo dos contextos avaliativos. Seu principal propósito é
contribuir para o avanço da sistematização da perspectiva interseccional como um
potente instrumento de análise, dentro do campo de políticas públicas, com
particular ênfase na dimensão das avaliações, além de um instrumento de luta
política.
Palavras-chave: Avaliação de Políticas Públicas; Cidadania; Diferença;
Identidade; Interseccionalidade.

Abstract:
Evaluating public policies considering the multiple aspects of citizenship is a great
challenge and the logic of difference offers an important key in establishing a
starting point for this type of analysis. The recognition of the distinction of
differences, as part of the construction of identity, enables a deep perception of the
reality of citizens as well makes possible to understand how this distinction
becomes social markers that determine inequality. It turns out that these markers
are several and overlapping, which makes intersectionality fundamental for a more
refined discussion about the various forms of injustice that make up inequality and


1 Professora no curso de Relações Internacionais, no Programa de Pós Graduação em Direito e co-coordenadora do Núcleo de
Estudos de Políticas Públicas “Elza de Andrade Oliveira” (NEPPs) na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-mail: regina.laisner@unesp.br



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its interconnections. With these aspects in mind, the article, based on the
reflections of the main theorists on the theme of intersectionality, both foreigns and
Brazilians, seeks to address systematically this perspective that allows articulates
the dimensions of differences, turned into inequalities, for the broader and deeper
study of evaluative contexts. Its main purpose is to contribute to the advancement
of the systematization of the intersectional perspective as a powerful instrument of
analysis, within the field of public policies, with particular emphasis on the
dimension of evaluations, as well as an instrument of political struggle.
Keywords: Evaluation of public policies; Citizenship; Difference; Identity;
Intersectionality.



1. Introdução

Toda análise de políticas públicas requer abordagens que permitam a criação de instrumentos capazes de
dar voz efetiva aos diversos atores envolvidos. Para isso, faz-se necessário contemplar a diversidade dos
seus valores, interesses e opiniões, propiciando acesso, o mais amplo possível, ao reconhecimento destes
aspectos, mediante os desafios postos pela construção complexa de identidades.
As identidades não se constroem naturalmente. São resultado de múltiplos processos de interação de
caráter individual, social, simbólico e cultural da própria construção da cidadania. (LAISNER et al, 2021)
Neste processo, a lógica da diferença apresenta-se como uma chave importante para estabelecer um ponto
de partida para a análise, que alinhada à perspectiva da interseccionalidade, oferece um plano mais amplo
de interpretação.
O reconhecimento da distinção das diferenças, como parte da construção da identidade, possibilita a
percepção profunda da realidade dos cidadãos e, para além, torna possível compreender como esta
distinção transforma-se em marcadores sociais que determinam a desigualdade. Estes marcadores são
vários e sobrepostos o que torna fundamental a interseccionalidade para uma discussão mais refinada
acerca dos vários formatos de injustiças que perfazem a desigualdade. Este enfoque não só reconhece a
multiplicidade dos sistemas de opressão que operam na sociedade e rotulam seus atores a partir de suas
categorias e respectivos códigos, mas também, vislumbra a “sua interação na produção e na reprodução
das desigualdades sociais.” (HIRATA, 2014, apud BILGE, 2009 p. 70).
A perspectiva da interseccionalidade tem sido desenvolvida desde os anos de 1980, por autoras que em
suas críticas ao feminismo predominante nas sociedades ocidentais, com destaque para os Estados Unidos
e para o Brasil, a partir do feminismo negro, revelam que somente a dimensão de gênero não dá conta de
toda a realidade das mulheres. Ao fazê-lo revelam também diferentes dimensões das desigualdades e a
necessidade de visão articulada para o estudo dos vários sistemas de diferenciação existentes nos
contextos locais (COSTA, 2013). Portanto, a leitura interseccional não é nova. O que a faz ainda incipiente
é a ausência de maior sistematização teórica desta leitura, assim como a sua aplicação efetiva no campo
das políticas públicas, em todas as suas dimensões.
No que corresponde ao tema da avaliação de políticas públicas, como área de interesse particular deste
artigo, o propósito do trabalho é justamente explorar o tema da interseccionalidade de forma sistemática,
apoiando-se nas reflexões das principais teóricas do tema, estrangeiras e brasileiras, como perspectiva
capaz de abordar, de forma articulada, as diferentes dimensões das desigualdades e respectivos sistemas



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de diferenciação existentes nos contextos avaliativos, como potente instrumento de análise. Para além desta
potencialidade, busca-se aqui também retomar sua capacidade transformativa, alinhada a uma perspectiva
política de cidadania da lógica avaliativa, como vigoroso instrumento também de luta política.


2. Interseccionalidade e a sobreposição das opressões: as bases do conceito

Embora o conceito de “interseccionalidade” já estivesse sendo discutido a propósito do debate acerca da
construção de identidades, o termo não foi formalmente reconhecido até que Kimberlé Crenshaw o
introduzisse na teoria feminista na década de 1980, mais especificamente em seu artigo “Demarginalizing
the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory
and Antiracist Politics” (CRENSHAW, 1989), dando início ao seus estudos sobre a temática.
Neste artigo, a autora foca na ausência dos relatos das vivências das mulheres negras nas várias frentes
do feminismo, nas doutrinas antidiscriminação e nas políticas antirracistas, que tornam-se, no seu conjunto,
meios permissíveis para opressões contra elas. A partir daí é que a autora sistematiza o conceito de
Interseccionalidade de modo a mapear e localizar a mulher negra, à margem destas discussões e iniciativas.
A crítica inicial da autora apresenta-se em torno dos estudos raciais que não integram a experiência da
mulher negra, contando apenas com um único eixo categórico, a experiência do homem negro, criando uma
separação e anulação da mulher negra. Neste contexto, a estrutura de um eixo único marginaliza e apaga
as mulheres negras na conceituação, não havendo nenhuma remediação da discriminação racial e sexual,
simultaneamente, impondo limites de investigações às experiências de diversos membros do grupo. Em
outras palavras, o enfoque nos membros mais privilegiados do grupo marginaliza aqueles que sofrem de
diversas formas de discriminação, ao mesmo tempo, e obscurece reivindicações. Esta forma de análise cria
uma visão distorcida do racismo e sexismo, porque as concepções operativas de raça e sexo se
fundamentam em experiências, que na verdade, representam apenas um subconjunto de um fenômeno
muito mais complexo.
Para dar conta desta complexidade é que a autora desenvolve o conceito de interseccionalidade, respaldada
nas suas experiências das ciências jurídicas, sua área de formação. Kimberlé Crenshaw utilizou algumas
decisões judiciais estado-unidenses para ilustrar como os tribunais enquadravam e interpretavam as
experiências de mulheres negras, de modo que suas histórias fossem apagadas e, consequentemente, suas
petições encaminhadas de modo parcial.
Um dos casos que Crenshaw explorou é o de 1976, em que cinco mulheres negras entraram com um
processo contra a General Motors (GM), uma das maiores fabricantes de automóveis dos Estados Unidos.
A alegação era a de que a empresa discriminava com base na raça e no sexo ao contratar funcionários. No
entanto, o tribunal considerou que as alegações eram inconsistentes, apontando o fato de que a General
Motors não poderia constituir um crime de discriminação racial dado que negros trabalhavam na linha de
montagem da fábrica. Tampouco o caso pôde ser enquadrado pelo Tribunal como discriminação de gênero,
dado que a empresa tinha mulheres trabalhando nos escritórios das empresas, a maioria delas secretárias.
Foi ignorado pelo juiz, no processo, o fato de que todos os negros que trabalhavam na fábrica eram homens
e todas as mulheres eram brancas. Desta forma, uma das mulheres que processou a empresa, Emma
DeGraffenreid, destacou que era necessário avaliar a discriminação racial e de gênero, não de forma
isolada, mas de forma articulada. Mesmo assim, o pedido foi negado por ser considerado um privilégio que
daria vantagens para mulheres que estivessem na mesma situação.



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Este caso demonstra, com clareza, o fato das mulheres negras, por estarem inseridas em mais de uma
categoria social minoritária, vivenciavam suas experiências com a discriminação de forma distinta de outras
pessoas inseridas no mesmo grupo, e tornou fundamental os estudos acerca da interseccionalidade para
uma compreensão mais efetiva de como atuam as expressões de violência e opressão contra identidades
minoritárias.
No caso das mulheres negras a sua invisibilidade é constatada em políticas antirraciais e na doutrina
antidiscriminação, dado o fato da opressão ser vislumbrada a partir das experiências do homem negro que
é o padrão da própria comunidade negra. As mulheres negras só podem receber proteção na medida em
que suas experiências são reconhecidas. Deste modo, impõe-se uma análise interseccional para que a
invisibilidade de alguns sujeitos de direitos, não tenha este exercício inviabilizado.
“Interseccionalidade sugere que, na verdade, nem sempre lidamos com grupos distintos de pessoas e sim
com grupos sobrepostos” (CRENSHAW, 2002a, p. 4). Assim, utilizando este conceito como categoria
analítica, Crenshaw permite a compreensão de como as especificidades levam à marginalidade de mulheres
negras nos discursos e práticas sobre direitos.
A compreensão da discriminação como um problema interseccional requer que as dimensões raciais ou de
gênero sejam colocadas em evidência, como fatores que contribuem para a produção da subordinação, pois
somente deste modo é possível uma análise aprofundada e a formulação de proposições de intervenções
mais eficazes (CRENSHAW, 2002a).
O esquema propõe compreender a sobreposição e o cruzamento dos sistemas de opressão, quando dois,
três ou quatro eixos se entrecruzam.

As mulheres racializadas e outros grupos marcados por múltiplas opressões, posicionados
nessas intersecções em virtude de suas identidades específicas, devem negociar o tráfego
que flui através dos cruzamentos. Esta se torna uma tarefa bastante perigosa quando o
fluxo vem simultaneamente de várias direções. Por vezes, os danos são causados quando
o impacto vindo de uma direção lança vítimas no caminho de outro fluxo contrário; em
outras situações os danos resultam de colisões simultâneas. Esses são os contextos em
que os danos interseccionais ocorrem e as desvantagens interagem com vulnerabilidades
preexistentes, produzindo uma dimensão diferente do desemponderamento (CRENSHAW,
2002b, p. 177).

Neste sentido, é possível compreender como mulheres que se situam socialmente nas intersecções destas
vias, por conta de suas identidades de classe, religião e orientação sexual, dentre outras, vivenciam a
discriminação e a vulnerabilidade de forma ainda mais intensa.

Assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas
ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a
suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional
e orientação sexual, são “diferenças que fazem a diferença” na forma como vários grupos
de mulheres vivenciam a discriminação. Tais elementos diferenciais podem criar problemas
e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou que afetem
desproporcionalmente apenas algumas mulheres. Do mesmo modo que as
vulnerabilidades especificamente ligadas a gênero não podem mais ser usadas como
justificativa para negar a proteção dos direitos humanos das mulheres em geral, não se
pode também permitir que as diferenças entre mulheres marginalizem alguns problemas de
direitos humanos das mulheres, nem que lhes sejam negados cuidado e preocupação
iguais sob o regime predominante dos direitos humanos. (CRENSHAW, 2002b, p. 173)

O pioneirismo de Crenshaw marcou e demarcou todo o debate acerca da intereseccionalidade e suas
potencialidades para as leituras acerca da desigualdade e suas possibilidades de superação. Apesar deste



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reconhecimento, várias leituras críticas sobre interseccionalidade consideram essa perspectiva de
Crenshaw, por exemplo, expressiva de uma linha sistêmica, que destaca o impacto do sistema ou a estrutura
sobre a formação de identidades. Nesse sentido, problematizam outros aspectos dessa formulação.
Questionam o fato de que gênero, raça e classe são pensados como sistemas de dominação, opressão e
marginalização que determinam identidades, exclusivamente vinculadas aos efeitos da subordinação social
e o desempoderamento (PRINS, 2006). Outro problema apontado nessa abordagem é que nela o poder é
tratado como uma propriedade que uns têm e outros não, e não como uma relação (PISCITELLI, 2008).
De modo similar apresenta-se a crítica da consubstancialidade, a partir da qual Crenshaw enfatizaria
“sobretudo as intersecções da raça e do gênero, abordando parcial ou perifericamente classe ou
sexualidade” (HIRATA, 2014, p. 62). De acordo com esta mesma crítica, o seu método não apenas diferencia
os eixos de subordinação, mas, permite analisá-los de maneira isolada um do outro. Eles podem se cruzar
ou se sobrepor, como também se excluírem mutuamente. Distintamente, a perspectiva da
consubstancialidade/coextensividade das relações sociais, defende um método de análise com o qual as
relações sociais de sexo, raça e classe são percebidas como indissociáveis. Para Kergoat (2012, p. 126-
127 apud CISNE, 2017), defensora desta perspectiva: “As relações sociais são consubstanciais: elas
formam um nó que não pode ser sequenciado ao nível das práticas sociais, apenas em uma perspectiva
analítica da sociologia; e elas são co-extensivas: implantando as relações sociais de classe, de gênero e de
"raça", se reproduzem e se co-produzem mutuamente.”.
Ainda que com limites, e totalmente passível de críticas, a perspectiva interseccional proposta por Crenshaw
estabeleceu, de forma sistemática, as bases do conceito e alavancou um rico e profícuo debate,
praticamente inesgotável, acerca dos desafios em torno da complexa e intrincada construção das diferenças
no universo das identidades. Ao fazê-lo trouxe uma contribuição ímpar ao debate acerca da análise das
políticas públicas, em suas várias dimensões, o que certamente inclui o fazer avaliativo, rompendo com o
universalismo e essencialismo, antes padrão neste tipo de análise.


3. Refinando o debate e novas contribuições

Uma das autoras que se destaca neste debate, de certo modo respondendo a estas críticas e refinando o
uso do termo interseccionalidade é Avtar Brah (2006) que se dedica à compreensão e (re)significação dos
discursos sobre a diferença, alertando para a importância de termos como “diferença”, “diversidade”,
“pluralismo” e “hibridismo”, bastante presentes em debates mais atuais, e também nas discussões do
feminismo. Necessário considerar como esses temas ajudam a compreender a racialização do gênero.

Independente das vezes que o conceito é exposto como vazio, a “raça” ainda atua como
um marcador aparentemente inerradicável de diferença social. O que torna possível que
essa categoria atue dessa maneira? Qual é a natureza das diferenças sociais e culturais, e
o que lhes dá força? Como, então, a diferença “racial” se liga a diferenças e antagonismos
organizados em torno a outros marcadores como “gênero” e “classe”? Tais questões são
importantes porque podem ajudar a explicar o tenaz investimento das pessoas em noções
de identidade, comunidade e tradição (BRAH, 2006, p. 331).


Brah discute a problemática do essencialismo enquanto noção que transcenderia limites históricos e
culturais. Revisitando os debates do feminismo, a autora sugere que “os feminismos negro e branco não
devem ser vistos como categorias essencialmente fixas e em oposição, mas antes como campos



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historicamente contingentes de contestação dentro de práticas discursivas e materiais” (BRAH, 2006, p.
331). Neste mesmo caminho, a argumentação se dá sobre a análise das interconexões entre racismo,
classe, gênero, sexualidade ou outros marcadores de “diferença” que devem, então, considerar a posição
dos diferentes racismos entre si.
Em Cartographies of Diaspora (1996), ao trabalhar a distinção das diferenças, como parte da construção da
identidade, defende uma visão construída na intersecção de níveis micros e macros, a partir de quatro
dimensões de análise: diferença como subjetividade, como relação social, como experiência e como
identidade.
Por subjetividade a autora entende o meio pelo qual se atribui sentido ao mundo. Essa dimensão, segundo
ela, não deve ser reduzida a uma visão puramente subjetiva, de um sujeito isolado, pois existe uma relação
intrínseca com o contexto social no qual esse indivíduo tem sua subjetividade formulada e reformulada, já
que a subjetividade, para Brah (1996), também é um constante processo.
A relação social refere-se às formas pelas quais cada dimensão é constituída e organizada dentro das
relações sistemáticas por meio de discursos econômicos, culturais, políticos e institucionais. Para ela, esta
visão se relaciona com a questão do poder, pois, de acordo com ela, as práticas culturais, políticas e
econômicas implicam em exercício de poder.
Já a experiência refere-se a um espaço discursivo em que se tem, em cada uma das dimensões, diferentes
posições dos sujeitos e suas respectivas subjetividades inscritas. Avtar Brah afirma que não há um sujeito
pronto, terminado, para quem as experiências simplesmente acontecem, uma vez que “[...] a experiência é
o local de produção do sujeito” (BRAH, 1996, p. 115), o qual é fruto de uma construção cultural, além da
social. Desta maneira, a experiência também não reflete uma verdade, pelo contrário, é o espaço da
contestação, em que os sujeitos e as subjetividades estão sendo inscritas, reiteradas ou repudiadas (BRAH,
1996). Por esta razão, não é possível separar este lugar da cultura ou dizer que seja algo transparente e
passível de interpretação única, uma vez que as pessoas reconhecem uma realidade que é estruturada pelo
processo de significação de valores. Nesta direção, se cada pessoa tem a sua própria construção social e
cultural e ambas se refletem na maneira como interpreta a realidade, conclui-se que os valores estarão
presentes em qualquer forma de análise, inclusive as de cunho científico. Esta afirmação torna importante
a reflexão sobre o olhar do pesquisador e como ele deve se posicionar para observar experiências que não
são particulares e que podem não se relacionar ao seu universo simbólico cultural.
Por fim, a identidade congrega todas as dimensões anteriores, articulando-as, não de forma simplificadora,
mas explorando suas complexidades e contradições.
Avtar Brah (1996), na medida em que considera os discursos articulantes e as práticas que se inserem nas
subjetividades, nas relações sociais e nas posições dos sujeitos, trabalha com uma proposta de
interseccionalidade que segue a linha inicial proposta por Crenshaw, refinando-a, na medida em que se
busca integral e intrinsecamente estabelecida entre os níveis subjetivo individual e social, de maneira
contextualizada e com o propósito de levar em conta os vários formatos de injustiças que perfazem a lógica
da diferença. Esta leitura faz avançar a perspectiva da interseccionalidade como um conceito cada vez mais
potente no campo das políticas públicas, com capacidade cada vez maior como ferramenta de análise,
sobremaneira no que corresponde à avaliação de políticas públicas e suas várias dimensões.


4. A atualidade do conceito: ferramenta analítica do poder



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Patricia Hill Collins também se vincula às estudiosas de maior notoriedade da interseccionalidade. Ao lado
de grandes nomes, tornou-se uma das mais influentes pesquisadoras do feminismo negro nos Estados
Unidos e uma de suas principais críticas reafirmando os limites da análise da realidade das mulheres
exclusivamente a partir da categoria de gênero.
No premiado “Pensamento feminista negro” publicado em 1990, Collins (2019) concebeu sua teoria da
interseccionalidade das formas de opressão –– argumentando que raça, classe, gênero e sexualidade como
formas de opressão ocorrem simultaneamente, constituindo-se como forças mutuamente constitutivas que
compõem um sistema abrangente de poder.
Mais recentemente, Collins refinou esta abordagem e, somando-se a Sirma Birge (COLLINS & BIRGE,
2016) propôs uma organização do campo do conhecimento da interseccionalidade, explorando a própria
definição do conceito, assim como seus usos, a partir de um olhar vinculado aos diversos dilemas e desafios
vivenciados pela sociedade atual.
Como ponto de partida, as autoras consideram que, ainda que no século XXI a interseccionalidade tenha
se tornado tema recorrente nos círculos acadêmicos e militantes, o que de fato define o tema fomenta
diferentes respostas, que podem ser variadas e por vezes contraditórias. De toda maneira, há uma maioria
mais ou menos consensual que aceita o conceito como ferramenta de análise para melhor acesso à
complexidade do mundo e de seus atores, a partir de diversos eixos como classe, raça e gênero, por
exemplo, que se interligam e influenciam as desigualdades sociais e as experiências vividas.

Intersectionality is a way of understanding and analyzing the complexity in the world, in
people, and human experiences. The events and conditions of social and political life and
the self can seldom be understood as shaped by one factor. They are generally shaped by
many factors in diverse and mutually influencing ways. When it comes to social inequality,
people’s lives and the organization of power in a given society are better understood as
being shaped not by a single axis of social division, be it race or gender or class, but by
many axes that work together and influence each other. Intersectionality as an analytic tool
gives people better access to the complexity of the world and of themselves. (COLLINS &
BILGE, 2016, p. 02)


A partir desta perspectiva as autoras afirmam que as pessoas geralmente usam interseccionalidade como
uma ferramenta analítica para resolver problemas que elas ou outras pessoas ao redor delas enfrentam.
Por exemplo, nas universidades o conceito serve como uma forma de otimizar a inclusão e fomentar a
equidade dos estudantes, além de realizar algo que os contemplem de maneira mais abrangente, já que
possuem múltiplas vivências: são mulheres negras, pobres brancos, latinos, transgêneros, etc. Também
ativistas afro americanas tiveram a necessidade de utilizar a interseccionalidade para analisar as formas de
opressões que elas sofriam. Os movimentos antirracismo não tinham como pauta a questão de gênero, e
os movimentos feministas não englobavam questões relacionadas ao racismo e estas ativistas eram ao
mesmo tempo negras, mulheres e trabalhadoras. As ativistas perceberam que focar em apenas uma dessas
questões era inadequado para descrever as descriminações que sofriam e as necessidades que tinham.
Além destes dois exemplos, a autoras referem-se à utilização da interseccionalidade pelos povos do Sul
Global, ou seja, não apenas nos Estados Unidos e Europa. Pode-se considerar, de acordo com elas, um
exemplo interseccionalidade da Índia colonial, quando mulheres feministas lutaram contra a subjugação das
mulheres das castas, lutando pela abertura de escolas para trabalhadores e pessoas do campo, no combate
à fome e no cuidado de pessoas com peste bubônica.
Estes exemplos, no seu conjunto, sugerem que as pessoas usam a interseccionalidade como ferramenta
analítica em diferentes situações para lidar com várias situações e vários problemas sociais, ainda que não
necessariamente com esta denominação. Mas isso é o que menos importa às autoras: “what



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interseccionality does rather than what interseccionality is lies at the heart of interseccionalty.” (COLLINS &
BILGE, 2016, p. 05)
Portanto, mais do que buscar uma definição fechada do termo, Collins e Bilge (2016) buscam reconhecer e
enfatizar o valor da interseccionalidade enquanto ferramenta de análise das relações entre os diversos
marcadores como classe, raça, gênero, sexualidade, etnia, religião, idade, entre outros, que permitem
descrever as pessoas de uma maneira mais abrangente em um mundo cada vez mais desigual. Primeiro,
porque a desigualdade econômica não recai sobre as pessoas de forma equânime, de forma que se faz
necessário considerar as pessoas não como massa homogênea, indiferenciada, mas de forma a levar-se
em conta as várias divisões sociais. Segundo, porque a desigualdade econômica não é a única forma de
desigualdade possível. Isso exige uma ferramenta de análise mais sofisticada para dar conta de todas as
demais configurações da desigualdade. Terceiro, porque torna-se, portanto, essencial destacar, em
qualquer análise, a relevância das instituições sociais em criar e, ao mesmo tempo, resolver, problemas
sociais.
Tendo em vista estas considerações Collins e Bilge (2016) partem então para um exercício de
sistematização do uso da interseccionalidade enquanto ferramenta de análise, desenvolvendo um conjunto
de ideias centrais acerca da estrutura interseccional e suas capacidades, tal como sintetizado a seguir:

1. Desigualdade Social: permite observar a desigualdade social como algo que não é relacionado a
apenas um fator.

2. Poder: habilita compreender a construção de sistemas de poder. Também permite analisar as
relações de poder através de suas intersecções (racismo e sexismo, por exemplo) e pelos vários
domínios de poder.

3. Relacionalidade: não utiliza um sistema binário, mas dimensões relacionadas umas às outras.
4. Contexto Social: analisa os fenômenos de maneira contextualizada.
5. Complexidade: promove ferramenta analítica complexa - não se apresenta como algo pronto.
6. Justiça Social: possibilita a visão crítica do status quo e tudo o que está relacionado a isso.


Este modelo implica em uma espécie de guia acerca de como a interseccionalidade torna possível a
compreensão e análise da complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas. Por ele,
nota-se que, em essência, a interseccionalidade expressa as relações de poder em uma estrutura social.
Portanto, a interseccionalidade como uma ferramenta de análise representa uma ferramenta de análise do
próprio poder. Como afirma Sirma Birge (BRASIL DE FATO, 2021) em entrevista ainda mais recente:
“Quando eu ensino meus alunos na universidade sobre interseccionalidade, sempre começo dizendo que
ela não é uma teoria da identidade nem uma teoria sobre identidades múltiplas. A interseccionalidade é
analítica, um enquadramento para compreender como o poder opera na sociedade. Então, é uma
ferramenta para analisar o poder.”
Na direção da análise do poder, estas autoras propõem um modelo muito próximo daquele sustentado por
Brah, anteriormente apresentado – um modelo que incorpora a intersecção de níveis micros e macros de
compreensão da realidade.

Essa questão nem sempre é entendida dessa forma na literatura, entre cientistas sociais e
entre militantes, mas o que eu e Patricia desenvolvemos é uma espécie de modelo duplo,
que concebe o poder em duas chaves.Uma delas é o que chamamos de categorias de
poder – a habitual lista de raça, classe, gênero, indigenismo, sexualidade, deficiência etc.



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[...] O segundo conjunto de análise se concentra na forma como a sociedade é segmentada
e estruturada, que chamamos de modelo dos domínios do poder. No domínio estrutural
estão, por exemplo, o mercado, a constituição, as leis etc. O domínio cultural inclui as
representações, a ideologia e o simbólico. [Há ainda] o institucional, o disciplinar e o
interpessoal.” (BRASIL DE FATO, 2021)


Desta maneira, Collins e Bilge (2016), caracterizam os domínios de poder envolvidos na segunda chave de
análise da interseccionalidade, tal como apresentado a seguir de forma mais sistemática:

Domínio Interpessoal do Poder: a primeira forma de poder está ligada à vida das pessoas,
as relações que estabelecem e quem tem vantagens ou desvantagens nas interações
sociais.
Domínio Disciplinar do Poder: a segunda relaciona-se à aplicação de regulamentos
(incentivos e obstáculos) com base na raça, sexualidade, classe, gênero, idade, nação etc.
(o quanto se dispõe de recursos).
Domínio Cultural do Poder: a terceira enfatiza a crescente importância das ideias e da
cultura na organização das relações de poder.
Domínio Estrutural de Poder: a quarta refere-se à estrutura e organização mais ampla do
próprio sistema.

Nota-se, dentre estes vários domínios, dimensões objetivas, subjetivas e da lógica da experiência dos atores
envolvidos em uma dada estrutura de poder. Esta leitura faz, assim como as lições de Brah, avançar a
leitura da interseccionalidade e o seu potencial explicativo no campo de políticas públicas, sobremaneira no
que corresponde à avaliação das políticas públicas e sua capacidade efetiva de avaliar o impacto destas
políticas na vida das pessoas, desde às suas estruturas mais gerais, aos aspectos mais particulares e
íntimos de suas vidas.


5. A contribuição nacional em perspectiva

Ao trabalhar-se o histórico da conceptualização da perspectiva de interseccionalidade, pouco se recorda da
contribuição nacional, atribuindo-se, em geral, o protagonismo às pensadoras dos países desenvolvidos. No
entanto, muitas mulheres negras latinas, com protagonismo brasileiro, tiverem relevante contribuição na
construção do conceito e da perspectiva da interseccionalidade.
Tal como apontam Collins e Bilge (2016), na ausência de uma linguagem que falasse diretamente das suas
experiências, uma longa lista de mulheres negras ativistas brasileiras organizaram um movimento que
discutisse as suas questões específicas. Sueli Carneiro destaca-se, neste grupo, apontando que o
feminismo brasileiro é referência no mundo:

Movimento de mulheres do Brasil é um dos mais respeitados do mundo e referência
fundamental em certos temas do interesse das mulheres no plano internacional. É também
um dos movimentos com melhor performance dentre os movimentos sociais do país. Fato
que ilustra a potência deste movimento foram os encaminhamentos da Constituição de
1988, que contemplou cerca de 80% das suas propostas, o que mudou radicalmente o
status jurídico das mulheres no Brasil. A Constituição de 1988, entre outros feitos, destituiu
o pátrio poder. (CARNEIRO, 2003, p.117)



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Porém, este movimento, no caso brasileiro, é demasiadamente voltado para a Europa, sem levar em
consideração a realidade multiétnica e multicultural do país. Nele a combinação do racismo com a violência
de gênero cria camadas de distâncias entre homens brancos, homens negros, mulheres brancas e mulheres
negras. Deste modo, as mulheres negras passaram a demandar que a pauta racial fosse discutida dentro
do movimento feminista e também que a pauta de gênero fosse discutida dentro do movimento negro.

Enegrecendo o feminismo é a expressão que vimos utilizando para designar a trajetória das
mulheres negras no interior do movimento feminista brasileiro. Buscamos assinalar, com
ela, a identidade branca e ocidental da formulação clássica feminista, de um lado; e, de
outro, revelar a insuficiência teórica e prática política para integrar as diferentes expressões
do feminino construídos em sociedades multirraciais e pluriculturais. Com essas iniciativas,
pôde-se engendrar uma agenda específica que combateu, simultaneamente, as
desigualdades de gênero e intragênero; afirmamos e visibilizamos uma perspectiva
feminista negra que emerge da condição específica do ser mulher, negra e, em geral, pobre,
delineamos, por fim, o papel que essa perspectiva tem na luta anti-racista no Brasil.
(CARNEIRO, 2003, p.118)

A autora afirma que essa agenda tem aumentado a compreensão das desigualdades específicas a que
estão submetidas as mulheres negras, tanto no âmbito do movimento feminista brasileiro, como fora dele.
No entanto, ainda permanecem visões correntes acerca de maior ganho de direitos por parte das mulheres,
indiscriminadamente, embasadas no mito da democracia racial. Carneiro (2003) relata um caso do artigo da
juíza federal Mônica Sifuentes “Direito e justiça”, publicado no Jornal Correio Braziliense (2002) para ilustrar
esta afirmação. Nele, a juíza argumenta contra a adoção das políticas de cotas para negros na seguinte
direção: “[...] para nós mulheres não houve necessidade de se estipular quotas. Bastou a concorrência em
igualdade de condições com os homens para que hoje fôssemos maioria em todos os cursos universitários
do país.” Em resposta, Suely Carneiro reage ao pronome utilizado pela juíza, com o artigo denominado
“Nós?”, publicado no mesmo jornal em 2002:

O argumento da juíza não leva em conta o fato de os homens entrarem mais cedo do que
as mulheres no mercado de trabalho com prejuízos para a sua permanência no sistema
educacional e que apesar disso, os estudos recentes sobre a mulher no mercado de
trabalho revelam que elas precisam de uma vantagem de cinco anos de escolaridade para
alcançar a mesma probabilidade que os homens têm de obter um emprego no setor formal.
Para as mulheres negras alcançarem os mesmos padrões salariais das mulheres brancas
com quatro a sete anos de estudos elas precisam de mais quatro anos de instrução, ou
seja, de oito a onze anos de estudos. Essa é a igualdade de gênero e de raça instituídas
no mercado de trabalho e o retorno que as mulheres, sobretudo as negras, tem do seu
esforço educacional. (CARNEIRO, 2003, p.122)


Deste modo, a autora reconhece que muito se conquistou, mas ainda há locais para as mulheres negras
ocuparem os espaços, para além do mercado de trabalho, como na área de saúde, em relação à ausência
da classificação da população segundo a cor, além de projetos específicos, como os de anemia falciforme;
no que corresponde à violência estética e afetiva, acerca das mulheres negras que são vistas
prioritariamente como objeto sexual, além da naturalização do racismo e do sexismo nos meios de
comunicação que distorcem a imagem da mulher, sobremaneira a negra.
É certo que muitos desafios também perfazem a agenda do feminismo como um todo. Mas também é certo
que dentro deste grupo, há subgrupos subalternizados que exigem o reconhecimento da diversidade e
desigualdades existentes entre essas mesmas mulheres, na perspectiva da interseccionalidade. A este
respeito, tal como sintetiza Carneiro, “a identidade de gênero não se desdobra naturalmente em



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solidariedade racial intragênero” e isso conduziu as mulheres negras a enfrentar, dentro do próprio
movimento feminista, “as contradições e as desigualdades que o racismo e a discriminação racial produzem
entre as mulheres, particularmente entre negras e brancas no Brasil.” (CARNEIRO, 2003, p.120)
Ampliando o debate para toda a região, González (2011, p. 14) afirma:

[...] o feminismo latino-americano perde muito da sua força ao abstrair um dado da realidade
que é de grande importância: o caráter multirracial e pluricultural das sociedades dessa
região. Tratar, por exemplo, da divisão sexual do trabalho sem articulá-la com seu
correspondente em nível racial, é recair numa espécie de racionalismo universal abstrato,
típico de um discurso masculinizado e branco. Falar da opressão da mulher latino-
americana é falar de uma generalidade que oculta, enfatiza, que tira de cena a dura
realidade vivida por milhões de mulheres que pagam um preço muito caro pelo fato de não
ser brancas.


A perspectiva de ambas as autoras embasa e fortalece a leitura interseccional, insistindo em facetas
diversas da desigualdade social, impressas na realidade das hierarquias construídas a partir da raça e sexo,
que aparecem de forma interconectada e aprofundam seus impactos na construção das diferenças
identitárias.
Uma construção ainda mais intensa entre os países subdesenvolvidos em que: “Trata-se de uma
discriminação em dobro para com as mulheres não-brancas da região: as amefricanas e as ameríndias.”
Uma discriminação em dobro, que dentro do sistema capitalista “patriarcal-racista dependente”, assume um
caráter triplo: “[...] dada sua posição de classe, ameríndias e amefricanas fazem parte, na sua grande
maioria, do proletariado afrolatinoamericano. (GONZÁLEZ, 2011, p.17)


6. A interseccionalidade como instrumento de análise e de luta política para a avaliação de políticas
públicas

Desde as contribuições de Crenshaw acerca da sistematização do conceito de interseccionalidade faz-se
notório o potencial da perspectiva interseccional para a análise do conjunto das diferenças na configuração
da desigualdade e suas respectivas opressões. Articulada à construção da cidadania, esta leitura torna
possível refinar a descrição e análise da situação dos vários atores envolvidos nas políticas públicas.
Avtar Brah avança esta proposta na medida em que considera os discursos articulantes e as práticas que
se inserem nas subjetividades, nas relações sociais e nas posições dos sujeitos, aprimorando esta
perspectiva como uma visão que se busca integral e intrinsecamente estabelecida entre os níveis subjetivo
individual e social, de maneira contextualizada, que leva em conta os vários formatos de injustiças que
perfazem a lógica da desigualdade ancorada na diferença.
Na sequência, as contribuições de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge, trazem elementos centrais para o
desenvolvimento da interseccionalidade como ferramenta de análise e, particularmente, de análise do poder,
aperfeiçoando-a ainda mais no que corresponde à análise de políticas públicas. Com a cooperação das
autoras brasileiras, esta possibilidade torna-se ainda mais potente na medida em que se apresenta
conectada com a realidade multiétnica e multicultural do país, alinhada ao conjunto de demandas dos países
subdesenvolvidos do Sul global.



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Desta maneira, torna-se incontestável que a perspectiva da interseccionalidade apresenta-se como
relevante ferramenta de análise de políticas públicas, com grande capacidade de desvelar a construção de
hierarquias entre seus atores, a partir de marcadores sociais, em várias dimensões que se interligam e que
configuram grupos subalternizados que se diferenciam daqueles considerados o padrão desejável.
Enquanto relevante ferramenta de análise de políticas públicas, torna-se também incontestável a sua
potencialidade para o campo de avaliações de políticas públicas que, seguramente, deve acolhe-la de modo
a aprimorar a análise das diversas experiências dos atores das políticas públicas, nas configurações
interseccionais dos contextos avaliativos.
Neste campo, a capacidade efetiva de avançar na construção de um sistema de avaliação aprimorado dos
programas e ações públicos, implica em considerar-se as possibilidades das políticas sociais garantirem
justiça social, visando o aprofundamento da cidadania e a efetividade dos direitos sociais. Nesse sentido,
avaliar requer a construção de um referencial que incida na compreensão do tema e na escolha
metodológica do processo avaliativo, assim como considere aspectos teórico-metodológicos no recorte da
cidadania (DEMARIO, LAISNER & GRANJA, 2016). Reconhecer esta dimensão significa desenvolver
ferramentas de análise cada vez mais sensíveis aos múltiplos processos de interação de caráter individual,
social, simbólico e cultural dos atores envolvidos nas políticas públicas avaliadas, para as quais a
perspectiva interseccional faz-se essencial.
Mas reconhecer esta dimensão da avaliação de políticas públicas, significa também vislumbrar a capacidade
do fazer avaliativo como impulsionador de novas conquistas em claro exercício de luta política.
No que corresponde à perspectiva interseccional, mais do que ferramenta de análise, ela se constrói como
ferramenta de luta política. A propósito, ela é resultado direto da luta política, da qual surge e ressurge.
Tal como aponta Sirma Bilge o conceito de interseccionalidade está nas universidades, mas é fruto da
militância nas ruas. (BRASIL DE FATO, 2021). Entendê-lo deslocado disso, é entendê-lo parcialmente. É
entendê-lo sem considerar as lutas, sobremaneira das mulheres negras, por seus direitos negados, ora
como mulheres, ora como negras.
E isso não é algo novo. Trata-se de algo que remonta ao século XIX, segundo Brah (2007, p. 249 apud
CISNE, 2017):

Nos EUA as tensões políticas no feminismo envolvendo as inter-relações entre ‘raça’ e
outros fatores como classe e gênero datam das campanhas anti-escravidão. Durante a
década de 1830, por exemplo, as mulheres estadunidenses se tornaram cada vez mais
ativas no movimento abolicionista, contexto no qual aprenderam a defender seus próprios
direitos de se envolver no trabalho político e onde suas experiências de relativa
marginalização as compeliram a formar sociedades de mulheres anti-escravagistas
separadas [das sociedades anti-escravagistas de homens]. A primeira sociedade feminina
antiescravagista foi formada em 1832 por mulheres negras de Salem, Massachusetts,
seguidas por sociedades similares estabelecidas por mulheres brancas de outros locais.

Em período mais recente, na década de 1980, ganham destaque as publicações das feministas negras
Angela Davis (1981) e Bell Hooks (1982) que publicam, respectivamente, “Women, Race and Class”, e “Ain’t
I a Woman? Black Women and Feminism” que, problematizando a homogeneidade da categoria “mulher”,
afirmaram a necessidade de se considerar as desigualdades de “raça” e classe social como instrumento de
luta política.
Deste modo, é impossível e até incoerente, como afirma Sirma Borge, considerar a interseccionalidade
exclusivamente como ferramenta de análise. “Se queremos que a interseccionalidade mantenha sua
orientação para a práxis, para a transformação social, não podemos empregá-la apenas como uma
ferramenta analítica e buscar apenas elevar a teoria. Há essa tendência, mas acho que a forma mais



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relevante de continuarmos desenvolvendo a interseccionalidade é por meio das operações conjuntas da
teoria e das lutas sociais.” (BRASIL DE FATO, 2021)
Assim, ainda de acordo com ela, a teoria deve partir dos movimentos sociais, tal como postula Stuart Hall.
“Esse momento em que a teoria é produzida não se dá com acadêmicos debatendo enquanto tomam um
chá na torre de marfim. O momento da teoria acontece, especialmente para teorias voltadas à emancipação,
porque os movimentos sociais, as pessoas nas ruas, fizeram com que acontecesse. (BRASIL DE FATO,
2021)
De igual maneira, este desafio de colocar-se como instrumento de luta política impõe-se para o campo de
avaliação das políticas públicas. Sem esta dimensão, o fazer avaliativo deixa de lado todo um longo debate
acerca dos conteúdos políticos e de construção da cidadania neste campo (GOMES, 2001; SILVA, 2008;
LAISNER, R., DEMARIO, 2014; DEMARIO, LAISNER, R., GRANJA, 2016). Uma visão que se busca integral
e contextualizada, mas também, articulada com a realidade atual, seus desafios e suas possibilidades de
transformação. E nesta condição, a avaliação de políticas públicas incorpora algo essencial da perspectiva
interseccional, à sua semelhança: a consideração de que “A interseccionalidade é vista como uma das
formas de combater as opressões múltiplas e imbricadas, e portanto como um instrumento de luta política”.
(HIRATA, 2014, p. 69). Da mesma forma a avaliação de políticas públicas coloca-se com esta tarefa. E, uma
vez mais, a perspectiva interseccional torna-se relevante, na medida em que sobreleva os seus propósitos
acerca da transformação social, constituindo o fazer avaliativo como ferramenta de luta política ainda mais
vigorosa.

Referências

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