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ISSN - 2237-7840

ECONOMIA SOLIDÁRIA, GESTÃO SOCIAL E DEMOCRACIA DELIBERATIVA: um estudo de caso da
Associação de Moradores do Município de Ribeirão das Neves
SOLIDARITY ECONOMY, SOCIAL MANAGEMENT AND DELIBERATIVE DEMOCRACY: a case study of
the Association of Residents of the Municipality of Ribeirão das Neves


Gabrielle Guimarães dos Santos 1
Débora Dias Resende 2

Daniel Paulino Teixeira Lopes 3



Resumo:
O objetivo do artigo é analisar as ações promovidas pela Associação de
Moradores do Bairro Metropolitano de Ribeirão das Neves (ASMOBAM) para a
comunidade, de forma a identificar se a organização pode ser caracterizada como
solidária, o tipo de gestão aplicada pela mesma e se a democracia deliberativa
contribui para o processo de gestão da associação e para com os moradores do
bairro. A pesquisa apresenta como método o estudo de caso, utilizando a
triangulação (entrevista, pesquisa documental e observação participante) para
coleta de dados e análise de conteúdo. A análise demonstrou que a ASMOBAM
caracteriza-se como uma organização solidária, e apresenta traços da gestão
social e da democracia deliberativa em seu processo. Porém, para consolidar os
aspectos solidários e a gestão social na associação e proporcionar maiores
benefícios para a comunidade, necessita-se que os moradores do bairro
participem efetivamente, e em seu processo promova a busca pelo entendimento,
o consenso e a emancipação dos indivíduos. Observou-se que isso não ocorre na
ASMOBAM, uma vez que, em geral, os moradores do bairro são ausentes e se
mostram desinteressados nas atividades da associação, além de seus gestores
não apresentarem interesse de colocar em prática ações efetivas para mudar tal
cenário.
Palavras-chave: Organização Solidária; Gestão Social; Democracia Deliberativa;
Associações.

Abstract:


1 Graduada em Administração pelo Centro Federal de Educação Tecnológica - CEFET/MG. E-mail:
gabrielleguimaraes40@gmail.com
2 Graduada em Administração pela Universidade Federal de Viçosa - UFV/ campus Florestal. Mestre em Administração pelo Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET/MG. E-mail: deboradiasadm@yahoo.com
3 Professor da área de Administração na graduação e na pós-graduação stricto sensu no CEFET-MG. Bacharelado, mestre e doutor
em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. E-mail: Daniel Paulino Teixeira Lopes



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The objective of the article is to analyze the actions promoted by the Association
of Residents of the Metropolitan Neighborhood of Ribeirão das Neves
(ASMOBAM) for the community, in order to identify whether the organization can
be characterized as a solidarity organization, the type of management applied in
the organization and whether deliberative democracy contributes to the
management process of the association and with the residents of the
neighborhood. The research presents as method the case study, using
triangulation (interview, documentary research and participant observation) for
data collection and content analysis to treat the data. The analysis showed that
ASMOBAM is characterized as a solidarity organization, and presents traces of
social management and deliberative democracy. However, to consolidate the
solidarity aspects and social management in the association and provide greater
benefits to the community, it is necessary that the neighborhood residents have
active participation, and in its process the search for understanding, consensus
and emancipation of individuals is promoted, and as observed this does not occur
in ASMOBAM, since, in general, the neighborhood residents are absent and show
lack of interest in the association's activities, in addition to its managers have no
interest in putting into practice effective actions to change this scenario.
Keywords: Solidarity Organization; Social Management; Deliberative Democracy;
Associations.
.



1. Introdução

A Economia Solidária representa um conjunto de atividades econômicas que se fundamentam na
autogestão, democracia e igualdade, e priorizam as relações humanas e a solidariedade (BARRETO; PAES
DE PAULA, 2009). Desse modo, cooperativas, associações, organizações mutualistas, finanças solidárias,
comércio justo entre outros são organizações solidárias (FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020).
As organizações que se caracterizam como solidárias não podem ter uma gestão que priorize o capital, o
que torna a Gestão Social uma alternativa condizente (PEREIRA; CANÇADO, 2018), pois a mesma tem
como propósito viabilizar o desenvolvimento da sociedade, com valores voltados à democracia e à cidadania
(MAIA, 2006). Guiada pelas concepções de Tenório (1998) a pesquisa aproxima a gestão social da
democracia deliberativa sob a luz habermasiana, portanto, considera-se que ao adotar este tipo de
democracia as/os organizações/sujeitos buscam o entendimento e o consenso de uma determinada questão
através do diálogo e das interações, não coercitivas, e prezam pela igualdade participativa, autonomia, a
inclusão, o pluralismo e o bem comum (AGUIAR; HELLER; MELO, 2012; HABERMAS, 2003).
Dessa forma, entende-se que a gestão social e a democracia deliberativa são desejáveis para permearem
a gestão das associações de bairro, pois estas em geral, têm a funcionalidade de ser um local para os
moradores exercerem a política, proporcionando aos envolvidos discussões para encontrar maneiras para
reivindicarem recursos aos órgãos públicos, além de desenvolver projetos sociais e ambientais que
amenizem os problemas oriundos da comunidade a fim de melhorar a qualidade de vida dos moradores e
da sociedade como um todo (FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020).



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Andrade e Oliveira (2019) apresentam que apesar das associações de moradores serem importante para a
sociedade civil devido a sua capacidade de democratização e transparência, ainda são poucos os estudos
brasileiros que se interessam em estudá-las a fim de compreender sobre o contexto que as permeiam, os
seus objetivos, a estrutura, o funcionamento e as atividades desempenhadas. O estudo de Salgado et al.
(2019), após realizar uma revisão sistemática, identifica também a falta de estudos no âmbito brasileiro que
envolvem a democracia deliberativa e a gestão social mediante aplicação em organizações públicas e do
setor privado. Como apresentado pelos autores, os estudos teórico-empíricos existentes que trabalham os
temas demonstram que a democracia deliberativa habermasiana pode contribuir para a consolidação da
gestão social, reforçando a necessidade da aproximação das temáticas.
Diante a escassez de estudos sobre o assunto, o objetivo deste artigo consiste em analisar as ações
promovidas pela Associação de Moradores do Bairro Metropolitano de Ribeirão das Neves (ASMOBAM)
para a comunidade, de forma a identificar se a organização pode ser caracterizada como solidária, o tipo de
gestão aplicada na mesma e se a democracia deliberativa contribui para o processo de gestão da
associação e para com os moradores do bairro. A seleção dessa associação como caso de pesquisa, se
deu por acessibilidade e com a proposta de oferecer um retorno colaborativo ao local pesquisado, uma vez
que um dos pesquisadores reside no local há mais de vinte anos.
Ribeirão das Neves é um dos municípios do estado de Minas Gerais, localizado na Mesorregião
Metropolitana de Belo Horizonte. Para Souza (2008) a expansão de Ribeirão das Neves foi influenciada pela
construção das unidades prisionais, gerando a alcunha de “cidade dos presídios” e caracterizando-a como
periferia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A mesma também é estigmatizada como “cidade
dormitório” por apresentar dependência da capital para empregabilidade de seus cidadãos, demostrando
que enfrenta problemas de desenvolvimento econômico. As pesquisas científicas envolvendo o

município abordam principalmente a sua unidade prisional, o alto número da população carcerária e
instalações presidiárias (ANDRADE, 2009).
Assim, ao estudar essa temática visa à contribuição para o enriquecimento e a diversificação de pesquisas
voltadas para a economia solidária, a gestão social, a democracia deliberativa, as associações e para o
município de Ribeirão das Neves, a fim de aumentar a sua visibilidade por meio de uma perspectiva
solidária. Além disso, as associações similares à pesquisada poderão com base nos achados deste estudo,
refletir sobre o seu histórico, identificar possíveis problemas e traçar novas perspectivas e melhorias para
a organização e para a comunidade atendida.


2. ORGANIZAÇÕES SOLIDÁRIAS: UM ENFOQUE SOBRE AS ASSOCIAÇÕES

As organizações solidárias são experiências que promovem a Economia Solidária (FRANÇA FILHO;
EYNAUD, 2020; SINGER, 2013). Para França Filho e Eynaud (2020) as organizações para serem
consideradas solidárias devem priorizar as pessoas e não o capital; precisa ter a função social como
principal objetivo e prezar pelos valores de igualdade e equidade, assim como o seu processo decisório
deve ser horizontal para incentivar a participação e a comunicação de seus membros; a apropriação dos
resultados econômicos é coletiva; e o trabalho dos sócios não é assalariado. Mas, não se deve ter uma
visão utópica de que as organizações solidárias são soluções absolutas para sanar os problemas do
capitalismo ou que estas não enfrentam desafios (SINGER, 2013; STAHL; SCHNEIDER, 2013).



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Como apontado por Stahl e Schneider (2013) as principais falhas das organizações solidárias, em síntese,
são: a falta de controle do recurso financeiro e material; alta rotatividade; baixa retirada e inexistência de
garantias; carência no processo produtivo, comercialização e qualidade dos produtos; dependência de
terceiros, principalmente de órgãos públicos e entidades filantrópicas; dificuldade do associado em
compreender e assumir o seu papel de sócio, e participar ativamente na tomada de decisão. Singer (2013)
complementa que, em geral, a maioria das organizações solidárias possuem caráter emergencial e
contigente, o que resulta na ausência de planejamento, estrutura, controle e despreparo dos sócios na
aplicação da autogestão.
O associativismo e o cooperativismo são formas organizacionais solidárias, existentes na sociedade, que
unem indivíduos em prol de objetivos comuns, possibilitando a viabilização de ações coletivas de
reivindicação ou de representação de direitos sociais (PEREIRA; CANÇADO, 2018), entretanto associações
e cooperativas são organizações distintas (VEIGA; RECH, 2001). O Quadro 01 permite identificar as
diferenças entre essas organizações.

QUADRO 01- As principais diferenças entre Associação e Cooperativa



ASSOCIAÇÕES

As associações não podem possuir capital próprio. São formadas e mantidas por taxas
pagas por associados, doações, fundos e reservas. Além disso, não remuneram seus
dirigentes nem distribuem sobras entre seus associados, conforme o princípio de
instituições sem fins lucrativos. Os associados não são propriamente os donos. Os
ganhos devem ser destinados à sociedade e não aos associados. O patrimônio
acumulado, no caso de sua dissolução, deve ser destinado à outra instituição
semelhante, conforme determina a lei.



COOPERATIVAS
As cooperativas possuem capital social que é fixado em estatuto e dividido em quotas
integralizadas pelos associados, existe também o repasse dos valores relacionados
ao trabalho prestado pelos cooperados ou da venda dos produtos entregues na
cooperativa. Os cooperados são os donos da cooperativa e estes são os maiores
beneficiários dos ganhos. Por meio da assembleia geral, as sobras das relações
comerciais podem ser distribuídas entre os cooperados.

Fonte: Elaborado pelos autores, baseados em Veiga e Rech (2001), Sebrae (2021), Lei do Cooperativismo- Lei nº
5.764/1971 (1971).

Conforme SEBRAE (2021) e Veiga e Rech (2001), o objetivo das associações é levar adiante uma atividade
social, podendo ter como finalidade a promoção de assistência social, educacional, cultural, representação
política, defesa de interesse de classe e/ou filantropia. Especificamente a associação de bairro, no cenário
brasileiro, conforme França Filho e Eynaud (2020) representa uma forma de criação de rede local de
economia solidária, sendo geralmente desenvolvida em meio às fragilidades sociais e econômicas presentes
em suas localidades. As articulações criadas nesse movimento têm por objetivo impactar as áreas
socioeconômica, sociocultural e socioambiental, desenvolvendo atividades conforme as necessidades e
demandas do território. Para Marchi, Pinheiro e Pagani (2021) as associações de bairro surgem no sentido
de promoverem um ambiente que incentive o diálogo, e proporcione oportunidade para a comunidade de
participar efetivamente e realizar cobrança constante ao poder público por demandas sociais de forma
constitucional e democrática.
Para França e Eynaud (2020) e Marchi, Pinheiro e Pagani (2021) as associações de bairro para mobilizarem
suas atividades se envolvem com as demais instituições e organizações econômicas, sendo necessário
diferentes práticas de inovação social. Ressalta- se que essas relações são variadas e não se limitam ao
território que está localizado a associação, podendo ser realizada com as organizações da sociedade civil,



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instituições públicas e/ou privadas, incubadoras tecnológicas vinculadas às universidades e centros de
pesquisa (FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020).
Marchi, Pinheiro e Pagani (2021) apontam que um dos desafios vivenciados pela associação de bairro é a
falta de compromisso da comunidade. Em geral, os moradores do bairro não compreendem sobre a
necessidade de sua participação nas atividades da organização, não exercem a sua cidadania e não
reconhecem a importância do papel desempenhado pelas associações perante a sociedade. Andrade e
Oliveira (2019) e Marchi, Pinheiro e Pagani (2021) expõem que nas últimas décadas a associação de bairro
passou a ser utilizada como espaço para satisfazer interesses pessoais e político-partidários, resultando na
baixa representativa e participação dos moradores, no enfraquecimento da atuação dessas organizações e
na desligitimação de seus objetivos políticos, ao considerar a associação de bairro como instituição
filantrópica ou/e a visualizando apenas como uma forma para se obter dinheiro público.
Marchi, Pinheiro e Pagani (2021) ainda ressaltam que ao não ter a participação dos moradores nas reuniões
e decisões coletivas da associação impede a ocorrência de diálogos e debates, tornando a função da
associação limitada, sendo solicitada apenas para atenderem satisfações pessoais e individuais,
aumentando as chances destas se tornar paternalista e reprodutora de programas governamentais.
Para a associação de bairro redescobrir o seu papel político, os gestores são fundamentais, no sentido de
que estes têm a capacidade de estimularem a comunidade a exercer a política de forma democrática
(MARCHI; PINHEIRO; PAGANI, 2021). Ademais, a associação de bairro por se tratar de uma oganização
solidária deve ser gerida de modo distinto das empresariais. Neste sentido, a gestão social torna-se uma
alternativa viável, pois segundo França Filho e Eynaud (2020) se existe uma economia solidária, deve existir
uma gestão compatível aos seus valores e princípios. Para ampliar o entendimento sobre a gestão social,
no próximo tópico aprofundará sobre a temática.


3. FUNDAMENTOS DA GESTÃO SOCIAL

A Gestão Social é um tema recente, que se introduz na sociedade brasileira a partir da década de 1990 em
meio à tensão entre processos que marcaram a realidade contemporânea, como por exemplo, à
globalização da economia, que mercantilizou e ampliou os campos de atuação e regulação social (MAIA,
2006).
Cançado, Tenório e Pereira (2011, p. 697) definem a Gestão Social como “a tomada de decisão coletiva,
sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido
como processo, na transparência como pressuposta e na emancipação enquanto fim último”. Para Tenório
(1998) a Gestão Social é uma das maneiras das organizações substituírem a gestão empresarial,
possibilitando incluir em seus processos os princípios participativos e a comunicação dialógica, além de
valorizar os indivíduos e incentivar a tomada de decisão coletiva. Pereira e Cançado (2018) complementam
que esse tipo de gestão torna-se uma alternativa a ser seguida pelas organizações solidárias por possibilitar
que as práticas gerenciais sejam coerentes aos seus princípios e valores solidários.
Esse modelo tem como propósito a gestão das demandas e das necessidades do social, divergindo do foco
da gestão estratégica que se fundamenta na racionalidade utilitária, portanto, espera-se que as ações do
gestor social sejam diferentes das ações de um gestor empresarial (FRANÇA FILHO, 2003). Isso significa,
conforme Pereira e Cançado (2018) que nesse tipo de gestão, o gestor social é fundamental, pois por meio
de suas ações, esse deve incentivar a formação da consciência crítica e a participação ativa dos associados,



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conhecendo os envolvidos, seus desejos e suas dificuldades. Com isso construir em conjunto com estes os
objetivos e as metas, implementar as decisões realizadas coletivamente, orientar na identificação dos
problemas e nas suas soluções, tendo como principal ferramenta a comunicação. Ainda conforme os
autores, o gestor social deve assumir o compromisso de garantir os direitos e cobrar o cumprimento dos
deveres dos associados, distanciando de atitudes autoritárias, decisões individuais e discursos persuasivos
e alienantes.
Cançado, Tenório e Pereira (2011), França Filho e Eynaud (2020) e Pereira e Cançado (2018) apontam que
a função do gestor social é possível devido aos princípios da gestão democrática e da autogestão, presentes
em iniciativas solidárias (SINGER, 2013). Para Leal e Rodrigues (2018) a autogestão, pode ser definida
como uma metodologia de gestão interna não hierárquica, formada pelo trabalho coletivo e a participação
democrática dos associados.
Singer (2013, p. 21), aponta que “a autogestão tem como mérito principal não a eficiência econômica
(necessária em si), mas o desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes”. Ressalta-se ainda a
importância do indivíduo participar das discussões e decisões do coletivo no qual se está associado, como
fonte de educação e conscientização, tornando-se autoconfiante, seguro e um pensador crítico (SINGER,
2013), elementos estes enfatizados também pela democracia deliberativa (TENÓRIO, 1998).
Ao compreender que a democracia deliberativa defende a participação igualitária, a democratização, a
comunicação sem coerção, a solidariedade, a autonomia dos indivíduos (MARQUES, 2009), entende-se
que esta pode contribuir com a gestão social e as organizações solidárias, como as associações. Portanto,
o próximo tópico apresenta as contribuições da cidadania deliberativa para a gestão social e a Economia
Solidária.

3.1. A CONTRIBUIÇÃO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA PARA A GESTÃO SOCIAL E AS
ORGANIZAÇÕES SOLIDÁRIAS

A teoria do agir comunicativo de Habermas constitui a base da democracia deliberativa (AGUIAR; HELLER;
MELO, 2012; SILVA; AVELAR; PEREIRA, 2021). Em síntese, a Teoria do Agir Comunicativo (TAC) proposta
por Habermas (2012a, 2012b) trata- se de uma análise teórica e epistêmica da racionalidade presente na
sociedade, evidenciando a racionalidade comunicativa. Segundo Habermas (2012a) a racionalidade
comunicativa contrapõe a racionalidade instrumental por se basear na busca pelo consenso através do
diálogo, apresentando como êxito o processo de entendimento dos indivíduos, o qual determina e direciona
o seu agir.
Baseados nos ensinamentos habermasianos, a democracia deliberativa pode ser considerada um meio de
ampliar a comunicação e a representatividade dos indivíduos (TENÓRIO, 2010). Habermas (2003)
considera que o objetivo da democracia deliberativa é solucionar um problema com a participação ativa de
todos os envolvidos, no qual devem compartilhar seus distintos saberes, influenciar e cooperar uns com os
outros. Sendo assim, este tipo de democracia torna-se uma via possível para alcançar o desenvolvimento
local, para isso precisa-se de indivíduos atuantes nas questões do território (ZANI; TENÓRIO, 2014).
Para Marques (2009) essa democracia possui como princípios a igualdade, a publicidade, a reciprocidade,
a reflexividade, a autonomia, a accountability, o respeito mútuo e a ausência de coerção. O autor ainda
complementa que Habermas ao propor a democracia deliberativa, estava pensando em um modelo que
poderia ser utilizado na esfera pública do Estado, que se baseia na razão comunicativa e argumentação,
permitindo que a sociedade civil adquirisse uma opinião pública e participasse ativamente nas decisões do
Estado.



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Sant’Anna et al. (2019) considera que esse modelo de democracia pode ser utilizado em outras esferas e
tipos de organização. Mas, a democracia deliberativa não é um modelo que pode ser implantado em
qualquer tipo de instituição estatal e/ou social (MARQUES, 2009; TENÓRIO, 1998). Essa precisa ser
composta por princípios que proporcionem igualdade, liberdade e autonomia para os indivíduos se
expressarem e agirem sem constrangimentos (HABERMAS, 2003), o que faz as associações, guiadas pelos
princípios solidários, ser o ambiente propício e ideal para esse tipo de democracia (PEREIRA; CANÇADO,
2018).
Em relação à gestão democrática deliberativa baseada nos ensinamentos habermasiano, de acordo com
Aguiar, Heller e Melo (2012), esse tipo de gestão dá oportunidade a todos e valoriza a participação dos
envolvidos do início ao fim do processo, identificando o problema ou situação, a escolha das soluções, a
elaboração e a avaliação dos resultados, para proporcionar um aprendizado mútuo, ampliar os
conhecimentos, compreender as normas e os valores e encontrar soluções que melhorem as condições de
vida de todos, portanto, a ação gerencial assume papel importante na condução do processo decisório das
associações.
A definição e os objetivos da gestão social se assemelham com o modelo da democracia deliberativa por
priorizar a interação e a comunicação entre os indivíduos, incentivando a participação, a realização de
decisões de forma conjunta, sem qualquer tipo de coerção, e buscando a emancipação (TENÓRIO, 1998).
França Filho (2003) evidencia que alcançar a emancipação se faz importante na gestão social, pois ela é
vista como a via para alcançar a participação. Tenório (1998) considera que a cidadania deliberativa
representa a verdadeira gestão social na qual é possível colocar em prática a igualdade política e decisória,
assim a gestão social também busca o entendimento e não a negociação para alcançar o bem comum
(SALGADO et al., 2019).
A gestão das associações deve priorizar a ação gerencial social-deliberativa, que se fundamenta na
racionalidade e no agir comunicativo em busca do entendimento e do bem comum dos associados. De
acordo com França Filho (2003) os gestores desse tipo de organização devem buscar a transparência das
ações e o aprendizado coletivo. Além de priorizar as demandas e as necessidades do social, observando
uma lógica que se afaste do burocrático-instrumental. Após buscar comprender as contribuições da
democracia deliberativa para a gestão social e as organizações solidárias, a seção seguinte apresenta a
metodologia adotada na pesquisa.

4. METODOLOGIA


Para melhor cumprir o objetivo da pesquisa, a abordagem é qualitativa, apresenta como método o estudo
de caso descritivo. O caso apresentado nesta pesquisa refere-se à Associação de Moradores do bairro
Metropolitano/Fazenda Castro. Para a coleta de dados utilizou-se da triangulação, visando alcançar a
validade do estudo e obter novas perspectivas e horizontes para o conhecimento (VERGARA, 2005), sendo
assim, os instrumentos selecionados para o recolhimento de informação foram: a pesquisa documental, as
entrevistas semiestruturadas e a observação participante.
Segundo Yin (2001) os estudos de caso devem utilizar as informações documentais para corroborar e
valorizar as evidências recolhidas em outras fontes, dessa forma para essa pesquisa analisou-se diversos
documentos disponibilizados pelos gestores da associação, como as atas, os ofícios e, inclusive, o Plano
de Ação que estava sendo executado pela atual gestão (2020/2021) no momento da coleta de dados.



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Para obter um conhecimento real do funcionamento da associação e compreender a sua interação com a
comunidade, essa pesquisa utilizou-se da observação participante artificial. As observações ocorreram
através da inclusão nos grupos de mensagem eletrônica (WhatsApp) destinados a comunicação entre os
moradores e a associação, além das visitas à associação. As observações foram realizadas entre o período
de fevereiro a junho de 2021, sendo descritas em um diário de campo.
Em relação à entrevista, dentre as várias modalidades disponíveis, utilizou-se a entrevista semiestruturada,
com a elaboração de dois roteiros. O primeiro roteiro foi direcionado aos gestores da associação e teve
como objetivo entender os valores e princípios da ASMOBAM e o tipo de gestão que é empregada ao local.
O segundo foi direcionado aos moradores e procurou compreender a visão da comunidade sobre a
associação.
Ao todo, realizou-se entrevistas com os dois gestores voluntários da associação e cinco moradores do bairro
no mês de julho de 2021. O critério para a escolha dos participantes da pesquisa foi acessibilidade e
indicação dos próprios entrevistados. O processo para realização das entrevistas obteve algumas
dificuldades devido ao período pandêmico e a indisponibilidade dos entrevistados, o que fez com que as
entrevistas aos moradores do bairro fossem realizadas através de ligação telefônica ou por meio do
Whatsapp. Ressalta-se que, para o processo das observações participativas na associação e as entrevistas
presenciais, seguiu as orientações do Ministério da Saúde.
O Quadro 02 apresenta o perfil dos entrevistados e os códigos de identificação, sendo utilizada a letra M
para representar os entrevistados moradores e o G para os gestores voluntários da associação.
QUADRO 02- Nomenclatura e caracterização dos entrevistados


Identificaçã

o
Sexo Idad

e
Escolaridade Profissão

M 01 Feminino 29 Ensino
Superior

Fisioterapeuta
M 02 Masculin

o
25 Ensino Médio Técnico em Logística

M 03 Feminino 25 Ensino Médio Técnica de Segurança
M 04 Masculin

o
52 Ensino Médio Encarregado Administrativo

M 05 Masculin
o

35 Ensino Médio Auxiliar de Logística
G 01 Feminino 28 Ensino

Superior
Auxiliar Administrativo

G 02 Masculin
o

35 Ensino
Superior

Consultor de moda
masculina

Fonte: Elaborado pelos autores.

As entrevistas, mediante autorização prévia dos entrevistados, tiveram o áudio gravado, posteriormente,
estes foram transcritos no Word para dar início ao processo da análise de conteúdo. Ainda sobre as
transcrições, utilizou-se o tipo naturalizada, para

preservar as gírias e as expressões regionais, o que contribuiu para aproximar da realidade vivenciada pelos
moradores e o contexto que permeia a associação (NASCIMENTO; STEINBRUCH, 2019).
Para tratar dos dados utilizou-se a análise de conteúdo na perspectiva de Bardin (2016), seguindo as três
etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados e interpretação. A escolha das
categorias fundamentou-se no referencial teórico definindo a priori as categorias: Economia Solidária e Ação
Gerencial Social-Deliberativa. Os elementos da Economia Solidária consistiram em identificar os objetivos
da organização e se esta se enquadra como associação; identificar aspectos (cooperação, solidariedade,



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comunicação, autonomia, participação, interação, tipo de gestão) que caracterizam a associação como uma
organização solidária; e expor os desafios enfrentados pela ASMOBAM. Na Ação Gerencial Social-
Deliberativa os elementos concentraram-se em identificar o tipo de gestão adotado na associação, buscando
compreender o perfil, a visão e o comportamento dos gestores da associação; as principais práticas e
princípios que regem a organização; os instrumentos e as ferramentas de gestão aplicadas na ASMOBAM;
e identificar aspectos da democracia deliberativa na gestão da associação.
Após detalhar a metodologia, o próximo tópico refere-se à análise e à discussão dos dados. Destaca-se
que, antes de iniciar a análise das categorias, descreveu sobre a ASMOBAM, em especial o seu histórico,
formação e estrutura.

5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1. CARACTERIZAÇÃO DO CASO

A Associação de Moradores do bairro Metropolitano/ Fazenda Castro (ASMOBAM) surgiu em 1998, através
da mobilização de moradores com o propósito de gerar projetos sociais e melhorar a qualidade de vida da
população do bairro. Segundo informações do site da ASMOBAM (2021), este propósito permanece em
vigor, uma vez que a associação continua realizando ações voltadas para conquistar benefícios para toda
a comunidade, intermediando o acesso às políticas sociais de saúde, de educação, de esporte, de cultura,
de segurança e de infraestrutura do bairro.
A ASMOBAM está localizada no bairro Metropolitano em Ribeirão das Neves em uma área institucional,
possuindo mais de oito mil metros quadrados. O espaço utilizado como sede é um antigo canteiro de obras
deixado pela Copasa. Conforme as informações obtidas pelo Plano de Ação (2020) da associação, a
organização tem como missão promover ações de cidadania com excelência para a proteção e o
desenvolvimento das famílias, focando na maternidade, infância, adolescência e na velhice, bem como
amparar moradores em situação de vulnerabilidade. Sua visão é ser referência na articulação, na promoção
da garantia e proteção social, e seus valores referem-se à conduta ética, transparência, responsabilidade
social, democracia, pluralismo, autonomia, solidariedade e comprometimento com a comunidade.
Em seu histórico recente, a associação teve uma má administração, os antigos gestores utilizaram-se da
organização de forma inadequada visando o benefício próprio, o que resultou em seu fechamento por quatro
anos (2016 a 2020) e em dívidas com a Receita Federal, por não dar baixa no Cadastro Nacional da Pessoa
Juridíca (CNPJ) da associação. A reabertura da associação sob uma nova gestão surgiu em 2020, após a
união e mobilização dos moradores. Destaca-se que, para reabri-la, os novos gestores precisaram traçar
estratégias para arrecadar fundos para quitar algumas dívidas, realizando ações pontuais como venda de
rifas e de feijão tropeiro.
As famílias atendidas pela associação, em sua maior parte, são chefiadas por mulheres desempregadas
e/ou possui empregos informais, e enfrentam graves problemas

familiares, como a dependência química, a evasão escolar, e outros ligados à situação de risco e
vulnerabilidade social. A ASMOBAM acredita em um trabalho realizado em rede, visando a união de
esforços e competências a fim de agregar valores à comunidade, e simultaneamente, construir uma base
sustentável para a associação.



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5.2. ASMOBAM: UMA ORGANIZAÇÃO SOLIDÁRIA?

O foco desse tópico é caracterizar a organização a fim de identificá-la como uma associação com princípios
solidários.
Ao analisar os dados coletados obtidos pela pesquisa documental, a observação participante e as
entrevistas semiestruturadas, constata-se que a ASMOBAM se caracteriza como uma associação devido
aos seus associados serem voluntários não remunerados, manterem o seu funcionamento através de
doações, principalmente dos gestores e da comunidade, e por realizarem atividades sociais apresentando
como principais objetivos: a representação política, a assistência social e filantrópica aos moradores. Com
menor expressividade, a associação também promove a educação e a cultura, corroborando com as
definições e caracterizações expostas pelo SEBRAE (2021) e por Veiga e Rech (2001). A maioria dos
moradores entrevistados possui uma percepção semelhante em relação ao papel a ser desempenhado por
uma associação, pois para estes, esse tipo de organização deve desempenhar atividades que priorizem os
interesses coletivos, proporcionando assistência social e representação política (FRANÇA FILHO;
EYNAUD, 2020; MARCHI; PINHEIRO; PAGANI, 2021).
Em relação aos aspectos que a caracterizam como uma organização solidária, baseados em França Filho
e Eynaud (2020), Singer (2013), Stahl e Schneider (2013), identifica-se que a organização possui uma
gestão autogestionária, não hierárquica, aberta à comunicação e à troca de conhecimentos, e possui como
pilares em suas diretrizes os valores solidários e coletivos. Nota-se a priorização das necessidades dos
moradores do bairro e uma preocupação em oferecer uma melhor qualidade de vida para estes.
O interesse referente ao capital ocorre na obtenção dos recursos para alcançar os objetivos solidários de
assistencialismo, não se restringindo a doação de dinheiro, mas arrecadações de alimentos, livros e outros
itens, o que corrobora com o caráter solidário da ASMOBAM. Entretanto, como ressaltado pelos seus
gestores, a falta de recursos para manter as atividades da associação é o principal problema enfrentado, a
maioria das despesas é custeada pelos próprios gestores, o que limita as atividades e dificulta o
planejamento e a gestão da organização (FRANÇA FILHO, 2003; SINGER, 2013; STAHL; SCHNEIDER,
2013).
Os relatos dos moradores do bairro apontam à coletividade, a representatividade, a comunicação, as ações
sociais, os benefícios e melhorias para a comunidade como as principais características que devem mover
a funcionalidade da associação (FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020; MARCHI; PINHEIRO; PAGANI, 2021).
Esse ideário se distancia do modo de produção capitalista e comunga com os valores da Economia Solidária
(SINGER, 2013, STAHL; SCHNEIDER, 2013). Os entrevistados também apontam que a associação poderia
desenvolver atividades que proporcionam renda para o local e para os moradores, entretanto essa ação
seria mais coerente para uma organização cooperativista. Essa situação expõe a limitação desse tipo de
organização e o desconhecimento dos moradores sobre as diferenças entre as associações e as
cooperativas (VEIGA; RECH, 2001).
A ASMOBAM pode ser considerada uma organização solidária, esta caracterização foi adquirida
recentemente, devido à mudança de gestão. De acordo com o relato dos entrevistados, moradores e
gestores, a gestão anterior utilizava o espaço da associação para finalidades pessoais, como escritório e
local para venda de lotes. Além disso, em conversas informais descritas no diário de campo, relatou-se o
uso do nome da associação para campanhas políticas e autopromoção. Problemas estes vivenciados, nas
últimas décadas, pelas associações de bairro como apontado por Andrade e Oliveira (2019) e Marchi,
Pinheiro e Pagani (2021).



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Diante desse histórico da associação, como apontado por Marchi, Pinheiro e Pagani (2021) a maioria dos
entrevistados expõe uma imagem negativa e insatisfatória para com a organização devido às ações dos
gestores passados, o que resultou na quebra de confiança e apoio dos moradores com a associação. Essa
falta de credibilidade gerou um relacionamento frágil entre moradores e associação, sendo um obstáculo a
ser superado. Essa descrença na associação pode ser um dos fatores que fazem os moradores não se
envolverem ativamente nas atividades da associação, resultando na falta de conhecimento sobre a
organização (MARCHI; PINHEIRO; PAGANI, 2021). Esse aspecto tornou-se evidente nos relatos dos
moradores, como na fala da entrevistada M 01, residente do bairro há vinte e dois anos, que relata não ter
conhecimento sobre as atividades no comando da atual gestão. A entrevistada complementa que as últimas
informações que tinha sobre a associação era que ela estava fechada e sem prestar os seus serviços à
comunidade.
Para que o avanço da Economia Solidária ocorra, como apresentado por Singer (2013), não é necessário
inteiramente o apoio do Estado e do fundo público. O fundamental para consolidar uma organização solidária
depende, especialmente, da própria população/comunidade, o que envolve a disposição em aprender e
testar novas fontes de conhecimento e renda, de sua adesão e aceitação aos princípios da solidariedade,
da igualdade, da democracia e de sua intenção em seguir estes fundamentos no cotidiano colocando em
prática as ações solidárias.
Em conformidade com esses aspectos apontados por Singer (2013), observou-se que todos os moradores
reconhecem a importância e os benefícios proporcionados por uma associação de bairro para a comunidade
(FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020). Mas quando questionados se são voluntários ou participam de forma
efetiva na associação, todos responderam negativamente, sendo predominante a justificativa de falta de
tempo. Esse fato reforça ainda mais a relação fragilizada entre a associação e os moradores (MARCHI;
PINHEIRO; PAGANI, 2021). Além disso, ao se ausentar das questões da comunidade, expõem a falta do
espírito coletivo e solidário dos moradores, tão importante para a consolidação da Economia Solidária,
principalmente nas associações.
Os gestores da associação são voluntários não remunerados, para garantir a sua sobrevivência exercem
outras atividades, o que torna o trabalho na associação não exclusivo. Essa situação, somada ao pequeno
número de gestores, faz com que estes fiquem sobrecarregados e encontrem dificuldades para sanar as
demandas da comunidade. Os próprios gestores têm consciência da importância do envolvimento dos
moradores, reconhecendo que, se estes fossem mais participativos, a associação poderia ampliar e
melhorar os serviços prestados para a própria comunidade.
Como apontado por Singer (2013), a própria comunidade pode fortalecer a Economia Solidária, para isso
esta deve-se comprometer com as questões da comunidade. Diante o exposto, observa-se que a
comunidade do bairro Metropolitano/Fazenda Castro sabe informar quais são os principais problemas da
associação, dentre eles a falta de credibilidade, de recursos e de voluntários, mas em sua maioria não
entendem que eles mesmos podem promover as mudanças necessárias. Os moradores reconhecem a
importância da associação para o bairro e os benefícios para si mesmos, porém optam por não participar
da ASMOBAM.
Nota-se uma postura de passividade por parte dos moradores, estes atribuem a responsabilidade de
solucionar os problemas do bairro aos outros, sendo estes representados pelas entidades públicas, as
organizações privadas, os gestores da associação, os vizinhos, entre outros, sempre retirando a sua
responsabilidade da situação presente no bairro. Isso expõe uma espécie de comodismo, de não
compreendimento sobre o papel de cidadão e a dificuldade de praticar a autogestão (FRANÇA FILHO, 2003;
FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020; SINGER, 2013; STAHL; SCHNEIDER, 2013), pois, estes esperam que
as soluções de problemas venham de terceiros ou de forma hierarquizada como na heterogestão (LEAL,



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RODRIGUES, 2018; SINGER, 2013). Demonstra também que, a associação pode até ser caracterizada
como organização solidária, mas se os mesmos valores (solidários, democráticos e cooperativos) não
estiverem interiorizados nos indivíduos, dificilmente a Economia Solidária se solidificará e tornará uma
alternativa superior ao sistema capitalista.

5.3 A ANÁLISE DOS ASPECTOS DA GESTÃO SOCIAL E DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA NA
ASMOBAM

Esse tópico concentra-se em reconhecer o tipo de gestão aplicada na associação e se essas características
se assemelham aos ensinamentos da gestão social e da democracia deliberativa, uma vez que estes
modelos valorizam os indivíduos, promovem a participação dos membros, a comunicação dialógica e a
tomada de decisão coletiva (TENÓRIO, 1998). Para identificar o tipo de gestão e suas implicações utilizadas
na ASMOBAM, analisou-se os gestores e, em seguida, as diretrizes, os objetivos e as ferramentas utilizadas
na associação.
Conforme os relatos, as observações e os registros no diário de campo, no ano de 2021, apenas duas
pessoas eram voluntárias e realizavam o trabalho de gestores da associação. Segundo o relato da
entrevistada G 01, o projeto para reabertura da associação inicialmente era formado por cinco gestores,
mas após a pandemia e a reabertura da associação, apenas duas pessoas permaneceram nos postos,
ocasionando a redistribuição de papéis e funções entre eles para gerir as demandas da associação. Em
geral, G 02 atua mais na parte burocrática da organização, enquanto G 01 realiza o trabalho operacional.
Nos dizeres de G 01, eles não têm um cargo específico, mas na lógica ele está como presidente e ela como
vice, “o presidente é a parte pensante e eu sou a parte executiva”.
Ao entrevistar os responsáveis pela administração da ASMOBAM, questionou-se como a gestão é
realizada, quais são as ferramentas e conhecimentos prévios que existem para efetuar o trabalho. Em suas
falas, o presidente da associação (G 02) explícita uma parceria com o Instituto Federal de Minas Gerais
para estabelecer o direcionamento inicial da gestão. De acordo com ele, graças ao auxílio da IFMG eles
aprenderam questões importantes como o estabelecimento de objetivos e metas para gerir melhor a
organização. Ressalta-se também, a construção do Plano de Ação desenvolvido em 2020, juntamente com
a IFMG, realizou-se a Análise SWOT, para identificar as forças, as fraquezas, os pontos fortes e as possíveis
ameaças no contexto da atual gestão.
A parceria realizada com a IFMG demonstra que as associações de bairro podem desenvolver parcerias
com outras organizações proporcionando benefícios para o desenvolvimento e a gestão da organização,
sem desvirtuar de seus princípios e valores (FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020). Torna-se possível ver que
a administração da associação tem uma noção de planejamento estratégico e consegue identificar quais
são os seus maiores empecilhos e oportunidades de melhoria para a associação.
Quando questionados sobre quais são as principais práticas e princípios que regem a associação, G 02
coloca a percepção de pertencimento à comunidade como uma das principais práticas a serem obtidas
pelas ASMOBAM. O mesmo relata que as metas da associação são direcionadas para solucionar problemas
em curto, médio e longo prazo, abrangendo toda a população. Entre as atividades que são realizadas
atualmente pela associação os gestores pontuaram o caráter assistencialista, que mesmo não sendo o
principal objetivo tornou-se fundamental devido às necessidades que surgiram com a pandemia, o que
resultou na distribuição de cestas básicas e kits de higiene para os moradores. Além disso, a associação
assume o papel de intermediação entre a população e os órgãos públicos como em casos de falta de água



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e buracos no asfalto. Após os pedidos dos habitantes do bairro, a ASMOBAM realiza as solicitações às
entidades responsáveis pelo problema.
Os gestores não classificam o tipo de gestão aplicada na associação. Com as entrevistas, as observações
e as constatações realizadas no tópico anterior, notou-se que a gestão da ASMOBAM ocorre de forma
autogestionária, não hierárquica (FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020; SINGER, 2013; STAHL; SCHNEIDER,
2013), apresenta objetivos sociais, anseia por maior participação da população e tomada de decisão
coletiva, e possue como principal ferramenta a comunicação, identificando traços da Gestão Social
(CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011; TENÓRIO, 1998).
Os gestores da associação desenvolvem ações buscando o aprendizado coletivo, a priorização das
demandas e as necessidades do social estimulando a prática da gestão social na organização (FRANÇA
FILHO, 2003; FRANÇA FILHO; EYNAUD, 2020; PEREIRA; CANÇADO, 2018), e colocam em prática os
princípios da igualdade, reciprocidade, autonomia, o respeito mútuo e não demonstram nenhuma ação
coercitiva (MARQUES, 2009), porém observou-se à ausênsia da participação ativa dos moradores, aspecto
fundamental para a concretude da democracia deliberativa.
Para Habermas (2003) a finalidade da democracia deliberativa é solucionar um problema com a participação
ativa de todos os envolvidos, objetivando que estes compartilhem os conhecimentos e as experiências, para
resultar na influência e cooperação mútua. Entende-se que todos os moradores do bairro deveriam estar
envolvidos na ASMOBAM, mas a realidade vivenciada é distinta deste cenário ideal. Percebe-se que em
geral os moradores enxergam a associação como um “canal de serviços e reclamações” (MARCHI;
PINHEIRO; PAGANI, 2021), mas não se envolvem e nem buscam solucionar as dificuldades em conjunto,
ao contrário, esperam que os gestores por serem considerados os responsáveis pela associação
solucionem sozinhos os problemas da comunidade. Dessa forma não há uma busca pelo entendimento e o
consenso, não há uma racionalidade comunicativa. A democracia deliberativa é um meio para ampliar a
comunicação, a representatividade dos indivíduos (TENÓRIO, 2010) e tornar-se possível o desenvolvimento
local, mas esta para ser praticada precisa de indivíduos presentes e interessados nas questões da
comunidade e da associação (ZANI; TENÓRIO, 2014).
Por outro lado os gestores apesar de ter a consciência da importância do morador na associação e de anciar
pela participação de todos nas atividades da organização, estes não demonstraram interesse em
desenvolver ações para promoverem um processo de reflexão e emancipação aos moradores, para trazer
clareza para o morador do bairro sobre o seu papel como cidadão, a importância da cooperação e
solidariedade entre os moradores, a necessidade destes de se envolverem nas questões da comunidade,
participarem ativamente na associação (FRANÇA FILHO, 2003; MARQUES, 2009) e exercerem a política
(MARCHI; PINHEIRO; PAGANI, 2021). Os gestores precisam melhorar os princípios de publicidade e
accountability (MARQUES, 2009), para intensificar a transparência na prestação de contas e divulgação das
ações realizadas na associação.
Os gestores demonstram que entendem as dificuldades e as urgências da associação provocadas pela falta
de participação da comunidade, mas não buscam soluções transformadoras para reverter essa situação
(MARCHI; PINHEIRO; PAGANI, 2021), expondo que estes também precisam passar por um processo de
reflexão e emancipação para serem capazes de promoverem a racionalidade comunicativa, a democracia
deliberativa, a gestão social na associação em prol do bem comum (SALGADO et al., 2019).
O objetivo da associação e de seus gestores é exercer e promover a política (MARCHI; PINHEIRO; PAGANI,
2021) e manter práticas que abrangem melhorias para comunidade, com princípios de colaboração, decisão
partilhada e senso de pertencimento à localidade. A gestão praticada deve intensificar os aspectos políticos
na associação, uma vez que o aspecto assistencialista atualmente está se sobressaindo na organização,
mas essa demonstrou está alinhada com os princípios solidários (PEREIRA; CANÇADO, 2018; SINGER,



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2013) e apresentou potencial para colocar em prática a gestão social e a democracia deliberativa (PEREIRA;
CANÇADO, 2018; SANT’ANNA et al., 2019) que proporciona benefícios para toda a comunidade.
Entretanto, observou-se que, o objetivo dos gestores da ASMOBAM de trabalhar em união com a
comunidade construindo uma rede forte e participativa demanda tempo, pois ainda se encontra fragilizada
e em fase inicial, assim, estes precisam intensificar seus esforços e serem persistentes e inovadores,
buscando novas estratégias para envolver a comunidade com as atividades da associação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do estudo consistiu em analisar as ações promovidas pela ASMOBAM para a comunidade, de
forma a identificar se a organização pode ser caracterizada como solidária, o tipo de gestão aplicada pela
mesma e se a democracia deliberativa contribui para o processo de gestão da associação e para com os
moradores do bairro, através de uma pesquisa qualitativa utilizando da triangulação para a coleta de dados.
Assim aplicou-se como técnicas de coleta a pesquisa documental, a observação participante e as entrevistas
semiestruturadas realizadas com cinco moradores e dois gestores da associação.
A ASMOBAM caracteriza-se como uma organização solidária por possuir uma autogestão, não
hierarquizada, aberta à comunicação e à troca de conhecimento, possuindo em suas diretrizes os valores
solidários e coletivos no qual prioriza as necessidades dos moradores. Porém, a condição de organização
solidária é recente, pois a mesma apresentava, em sua antiga gestão, finalidade de sanar os objetivos
individuais e politíco-partidários de seus gestores. O fato da associação se caracterizar atualmente como
solidária não a isenta de enfrentar desafios, Identificou-se como principais problemas a falta de envolvimento
dos moradores e a escassez de recursos para custear as atividades da organização.
Em relação à gestão da associação, apesar de seus gestores não utilizarem a denominação, observa-se
traços da gestão social, pois a associação apresenta objetivos sociais que proporcionem o desenvolvimento
local, e os seus gestores priorizam a comunicação dialógica, promovem a democracia ao incentivar a
participação dos moradores e a tomada de decisão coletiva, indo ao encontro das fundamentações da
democracia deliberativa. Mas, a democracia deliberativa para ser praticada precisa que os envolvidos
tenham participação ativa, e em seu processo seja promovido à busca pelo entendimento, o consenso e a
emancipação dos indivíduos. Como observado isso não ocorre na ASMOBAM, uma vez que, em geral, os
moradores do bairro não se envolvem e se mostram desinteressados nas atividades da associação, além
de seus gestores não apresentarem interesse de colocar em prática ações efetivas para mudar tal cenário.
A limitação do estudo se dá pela falta de interesse e indisponibilidade dos moradores que resultou na
redução do número de participantes na pesquisa. A situação agravou-se devido a pandemia da COVID-19,
que além de diminuir o número de entrevistados, fez com que as entrevistas dos moradores ocorressem de
forma virtual, limitando a utilização da técnica observação participante. Sugere-se para os próximos estudos
uma pesquisa quantitativa a fim de alcançar um maior número de moradores, por meio de questionários
para obter maiores informações e dados, mesclado com uma pesquisa qualitativa utilizando outras técnicas
como roda de conversa e o grupo focal a fim de acompanhar a evolução da associação e o desenvolvimento
do relacionamento entre a associação e os moradores do bairro. Além de ampliar o estudo entre a relação
da associação com os agentes externos como os órgãos públicos, o IFMG, os habitantes de outros bairros,
entre outros.
Este artigo contribui com a área acadêmica trazendo diversificação para o campo da administração com as
junções das temáticas: economia solidária, gestão social, democracia deliberativa e associação, uma vez
que ainda são poucos os estudos brasileiros destinados a aproximarem essas temáticas e terem como



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objeto de estudo as associações. O estudo também aponta a importância da conscientização dos indivíduos
em disseminar e praticar os valores solidários para a consolidação da economia solidária, e reforça as
dificuldades enfrentadas pelas associações. Para ASMOBAM possibilitou a compreensão da importância do
seu papel para a comunidade e como os moradores do bairro a visualizam, permitindo identificar os
principais problemas na perspectiva dos moradores e traçar estratégias para melhorias.
Destaca-se que apesar da ASMOBAM caracterizar-se como uma organização solidária e apresentar traços
da gestão social e da democracia deliberativa, para consolidar a economia solidária e esse tipo de gestão
torna-se fundamental o envolvimento da comunidade. É notório que os moradores do bairro entrevistados
mantêm um receio em relação ao trabalho da associação pelas experiências negativas vivenciadas, o medo
do abandono e do uso inadequado do espaço, porém uma das formas para que isso não se repita é a
participação efetiva da comunidade em eleições, reuniões e ações promovidas pela associação. Conclui-se
que a gestão social e a democracia deliberativa podem contribuir e serem benéficas para o desenvolvimento
da associação e da comunidade local, mas para que isso ocorra na prática necessita da participação ativa
dos moradores do bairro, por isso é mais do que desejável que estes conscientizem sobre a importância do
seu papel na associação, e que os gestores os auxiliem no processo desse entendimento.

AGRADECIMENTOS

FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

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