ISSN - 2237-7840 DE BOMBORDO A BORESTE

Revista NAU Social - v.12, n.22, p. 457 – 460 Nov. 2020 / Abr. 2021 |
457

Editorial

Prezadas leitoras, prezados leitores


Sei que há léguas a nos separar,

Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá

Navegar, navegar
Chico Buarque


E eis que chegamos ao primeiro número da Revista NAU Social a partir da curadoria exclusiva dessa nova
dupla editorial. Dupla sorte, duplo desafio…
Dupla sorte porque os novos editores André Luis Nascimento dos Santos (UFBA) e Maria Amélia Corá
(UFAL), em verdade foram agraciados por esse convite luxuoso da Escola de Administração da UFBA para
dar continuidade aos passos trilhados por esse periódico. Uma revista consolidada no meio acadêmico e,
mais que isso, portadora de um público cativo, que a acompanha e que torce pelo prosseguimento de sua
pegada contrahegemónica, o vigor da NAU Social decorre da sua trajetória de vanguarda. Esse caminhar
é, em verdade, fruto do esforço, dedicação e engajamento investidos pela professora Rosana Boullosa
(UNB) e pelo professor Ives (UFCA) …, ambos, mais que editores, realizadores, desbravadores desses
mares interdisciplinares que a gestão social e as políticas públicas nos permitem navegar. Nossos respeitos,
nossa profunda gratidão a essa dupla que nos passou o bastão com tanto esmero, com tanto cuidado, com
tanta responsabilidade e, sobretudo, com tanto afeto. Nesse período de transição, mais do que a passagem
do check list e o passo a passo de uma revista, nos foi passado, sobretudo, o savoir faire de uma rede de
afetos compartilhados em prol de uma causa maior, qual seja, um mundo melhor, mais justo, mais humano,
mais livre e emancipado.
Por esses nossos mares de dupla sorte residem também os nossos mares de duplo desafio… A esses
novos editores cabe uma série de obrigações que nos implicam publicamente com o presente e o futuro
dessa revista. A NAU Social carrega no seu DNA um sonho que não pode jamais ser traído, ela é uma
revista que se consolidou por um caminhar de curadorias contrahegemonicas, sendo um espaço de
publicação destinado a leituras e narrativas historicamente negligenciadas pelo mainstream. Desse modo,
interessa-nos continuar publicando escritos que refletem distintas tradições do pensamento crítico, onde as
interseções entre o campo dos direitos humanos, das políticas públicas, da gestão social e das diversidades
possam coabitar e nos conduzir rumo a mares mais repletos de democracia plena. Essa que é uma revista
interdisciplinar, para além de conteúdos teóricos, continuará engajada em divulgar também as produções
empíricas, ensaísticas e tecnológicas, favorecendo assim a ecologia marítima dos saberes.
Essa edição que ora apresentamos para a comunidade de leitores da NAU Social, muito embora não traga
tantos artigos que tratam diretamente de aspectos sociais envolvendo a Pandemia da Covid-19, é, sim, uma
publicação que espelha os dramas e dilemas de um Brasil Pandêmico, um país profundamente martirizado
pelo cenário de crise sanitária cada vez mais agravada pelos contextos de desmonte institucional,
esfacelamento das políticas públicas de recorte social e insegurança alimentar.
Por outra via, notamos no processo de curadoria, a presença de muitos artigos que tratam de temáticas
pautadas em soluções redentoras no campo da gestão social e das políticas públicas destinadas a
determinados enclaves do país que, se por um lado, sozinhas não são capazes de resolver todos os nossos
dramas nacionais, por outro, articuladas em rede, guardam, sim, potenciais oportunidades de
transformação, emancipação e esperança social.

ISSN - 2237-7840 DE BOMBORDO A BORESTE

Revista NAU Social - v.12, n.22, p. 457 – 460 Nov. 2020 / Abr. 2021 |
458

Sim, queridos leitores, a esperança é um valor que não podemos nos dar ao luxo de abandonar, sobretudo,
nesse momento em que a necropolítica anda tão em voga, naturalizando em números frios vidas humanas,
as tornando estatisticamente inominadas. No momento da escrita desse editorial, chegamos à triste marca
de 400 mil brasileiros mortos pela COVID-19. Parafraseando aqui mais uma vez o poeta Chico César, “se
números frios não tocam a gente, espero que nomes possam tocar...”.
Nessa mesma semana que fechamos esse editorial, comemorou-se em terras lusitanas as bodas pela
Revolução dos Cravos. Nada mais prosaico que em estando nós içando nossas velas para singrar nossa
NAU Social ao mar, “Tanto mar, tanto mar” de Chico nos remete aos anos de chumbo que ficaram para trás
e oxalá, não retornem mais! Em um cenário mundo (e nacional), onde a democracia enfrenta cotidianamente
tantas agressões, é também do esperançar a coragem para navegar, navegar.
Diria Dona Canô, falecida matriarca santamarense da família dos Velosos, “para ser feliz, é preciso ter
coragem!”. E coragem não nos falta para seguir viagem. A Bahia de Todos os Santos é grande, mas o
Brasil, é bem maior. - Seu moço, pra onde assopra mesmo esse vento que nos leva? Muitos são os ventos
que sopram neste número da NAU Social.
Iniciemos pois pela seção dos Diários de Bordo. Aqui, temos dois artigos nos quais, cada um ao seu modo,
tratam de agendas no campo da gestão social articuladas ora de modo macro, ora de modo micro. No
primeiro, Controle social e desenvolvimento na perspectiva da Gestão Social e do Bem Viver: estudos
de casos na Argentina, Brasil, Chile e Equador
de modo ambicioso, trata da gestão social e do bem viver
a partir da metodologia de análise de política comparada, onde Argentina, Brasil, Chile e Equador são vistos
em perspectivas. Já em gestão social e cidadania deliberativa na gestão de conselho curador da
Fundação UNIRG,
por sua vez, articula gestão social e cidadania deliberativa a partir do conselho curador
da Fundação UNIRG.
Adentrando a seção dos Novos Territórios, encontramos, pois, um conjunto de seis artigos onde
possibilidades redentoras disputam territórios com a realidade dramática do Brasil Pandêmico. Aqui, mais
uma vez, queridos leitores, precisaremos articular os dados da realidade contemporânea, em princípio, nada
alvissareiras com as possibilidades de reconstituição dos tecidos sociais esgarçados pela necropolítica. Ao
fim e ao cabo, o que está em jogo é o nosso hoje e o nosso amanhã, seja pela manutenção daquilo que as
políticas necrológicas de recorte neo liberal ainda não conseguiram destruir, seja pela roteirização das
políticas públicas que precisarão ser retornadas, realinhadas, reeditadas para a viabilização dos direitos
humanos.
O primeiro desses artigos intitulado por O campo de políticas públicas na encruzilhada: aproximações
teórico-metodológicas entre os estudos críticos, o pragmatismo e a gestão social
é talvez o
argumento demarcatório da encruzilhada na qual Exu, o Hermes afrobrasileiro, se nos coloca na
contemporaneidade no campo da compreensão e abrangência das políticas públicas. Nesse sentido,
estamos a experienciar um momento de escolhas, definições e alinhamentos entre a civilização e a
barbárie, entre o entendimento das políticas de modo mais restritivo ou mais abrangente, entre as noções
estadocentricas e as possibilidades mais disruptivas de modos a inserirmos nos nossos campos de visão,
olhares de mundo mais sociocentricos. Esse é certamente um farol que nos anima a transcender os
contextos mais regressivos e repressivos aos quais nos encontramos nos últimos tempos da nossa
república.
O segundo artigo dessa seção, Para distinguir amigos/inimigos da Covid-19: a aliança entre o
coronavírus e o governo brasileiro
, demarca justamente o território habitado pela necropolítica, ou seja,
quando o Estado, a partir das suas potestades, decide, de modo premeditado, aqueles que tem chances de
viver e aqueles que devem morrer pela sua inação ou ação articulada e engajada. O argumento central
desse artigo é justamente a associação deliberada do Estado em prol do potencial devastador da COVID-
19, ao que até agora já transformou em inominados mais de 400 mil vidas brasileiras. O Brasil dos próximos

ISSN - 2237-7840 DE BOMBORDO A BORESTE

Revista NAU Social - v.12, n.22, p. 457 – 460 Nov. 2020 / Abr. 2021 |
459

anos precisará render as devidas homenagens para essas tantas pessoas que partiram e deixaram essa
morada terrestre, esse será o primeiro passo para tal como vaticinava um jovem poeta e cantador da década
de 1980, “Abrirmos a cabeça, Para que, afinal, floresça, O mais que humano em nós”...
Seguindo o fluxo dessa NAU Social, adentramos ao terceiro artigo dos Novos Territórios, qual seja,
Violência sexual conjugal: gênero e transgeracionalidade em histórias orais no sul do Brasil, aqui,
continuamos a refletir as gramáticas da violência, agora na dimensão do doméstico, no mundo da casa, no
mundo dos relacionamentos, onde as histórias de vida refletem as memórias dolorosas da violência conjugal
e suas perspectivas de gênero e transgeracionalidade.
Pensando no lado das encruzilhadas que apontam para a esperança, chegamos aos quatro últimos artigos
desta seção das novas territorialidades. Artigos que como apontamos mais acima, colocam luzes sobre
experiências recentes que embora por se só não tenham a capacidade de transcender todos os nossos
dramas nacionais, se articuladas de modo sistêmico, nos conduzem a grandes avanços sociais.
Assim, em Inserção e institucionalização da política pública de economia solidária na agenda
governamental
nos traz a leitura de como a ação da sociedade civil organizada fez surgir no rol dos
problemas de pública relevância os ecos sobre a viabilidade de se inserir a economia solidária nas agendas
governamentais, um processo que no país se deu não de modo integral, articulada e estruturada, mas de
modos isolados respondendo as permeabilidades políticas possíveis nos âmbitos locais e regionais.
Nessa mesma pegada das ações programáticas engajadas, Extensão universitária: apoio à participação
social para o desenvolvimento dos territórios rurais
traz a baila o potencial das ações extensionistas
como articuladoras da gestão social dos territórios. Nesse artigo, os autores trazem como exemplo ilustrativo
dessas trilhas extensionistas o caso do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento
Territorial (PEPEDT).
Finalizando essa seção, através do artigo Capacidades estatais no Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) em minas gerais: uma análise comparada da implementação nas redes estadual e
municipal
encontramos também uma reflexão acerca do potencial impacto social dos marcos regulatórios
no campo da alimentação escolar. Nesse sentido, os autores, a partir da metodologia de análise de politicas
comparadas na dimensão cross time e cross level, colocam em perspectiva os modelos de execução dessa
política setorial adotados pelas redes de ensino municipal e estadual no estado de Minas Gerais.
Na seção Novas Rotas através do artigo Casa nova, vida nova? Percepção dos beneficiários do
Programa Minha Casa Minha Cida
somos convidados a pensar os impactos positivos e negativos na vida
dos atores beneficiados pelo programa Minha Casa, Minha Vida, a partir da percepção desses atores. Não
é de hoje que o ato de morar nas cidades se constitui em um verdadeiro drama na vida dos indivíduos. Não
sem razão, o morar precariamente povoa o nosso imaginário coletivo, seja na literatura, seja no cancioneiro
popular. Nestes termos, o morar no Brasil, ainda que advindo de uma política pública de grande monta,
como bem ilustra o texto, pode ser associado a um certo tipo de morar portador de sofrimentos, resignações
e temores. Mas também, pode ser portador de percepções de melhoria de vida, realizações pessoais e
demarcadores de transformações familiares, em suma, um tipo de vento litorâneo que faz também
esperançar as velas desta Nau Social que busca por terras mais firmes.
Já em Bons Ventos, temos o artigo Reflexões sobre a inserção do conteúdo “Gestão Social” no
mestrado acadêmico em Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora
que se debruça sobre
o conteúdo e a sistemática de avaliação da disciplina “Gestão Social” no mestrado acadêmico em
Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora, conhecimento tão pertinente para aqueles que se
predispõe a compreender a estruturação deste campo nas universidades.

ISSN - 2237-7840 DE BOMBORDO A BORESTE

Revista NAU Social - v.12, n.22, p. 457 – 460 Nov. 2020 / Abr. 2021 |
460

Por fim, na seção da Rosa dos Ventos, a partir do artigo intitulado por Economias para o Bem Viver: uma
reflexão para a sociedade pós-pandemia,
a proa do nosso barco nos aponta mais uma vez para o bem
viver. Esse tema que já despontou no segundo artigo da seção dos Novos Territórios, ressurge aqui nesse
horizonte tal como uma bússola que nos orienta rumo às terras firmes nos mares habitados pela justiça
social e pela cidadania. Se a palavra de ordem é esperançar, o bem viver deve ser esse porto seguro que
buscamos todos nesta Nau.
E retornando a pergunta que nos enveredou por essas águas: - Seu moço, pra onde assopra mesmo esse
vento que nos leva? - De Bombordo ou de Boreste, seu mano? E nas águas mansas nos intermezzos entre
a velha Bahia e as Alagoas ouve-se a voz de um preto velho e o seu assoviar - “Vamos chamar o vento,
vamos chamar o vento, Curimã ê, Curimã lambaio, Curimã ê, Curimã lambaio, Curimã”...O mar... amar.

Referências
Chico Buarque de Holanda. Tanto Mar
Chico Cezar. Espero que nomes consigam tocar!
Dorival Caymmi. Vamos chamar o vento.
Peninha. Então ta combinado!



André Luis Nascimento dos Santos (UFBA)
Editor-chefe da NAU Social
Maria Amélia Corá (UFAL)
Editora-assistente da NAU Social