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Violência sexual conjugal: gênero e transgeracionalidade em histórias orais
no sul do Brasil
Conjugal sexual violence: gender, and transgenerationality in oral histories in southern Brazil
Luciana Rosar Fornazari Klanovicz 1
Cibeli Aparecida Tozzi Pereira 2
RESUMO
este artigo buscamos refletir sobre a violência sexual em relações conjugais a partir
da aproximação de produção acadêmica já consolidada sobre o tema em relação a
histórias orais trabalhadas em âmbito regional no estado do Paraná. Interessa, nesse
sentido, tecer uma abordagem que leva em conta gênero e transgeracionalidade. Para
a construção deste artigo, utilizamos quatro relatos que foram construídos por meio
de histórias orais de vida de participantes voluntárias em centro de atendimento de
mulheres vítimas de violência. A leitura de relatos construídos numa região do país
permite perceber a dimensão microscópica e a transgeracionalidade da violência
sexual conjugal, além dos embates que essa violência apresenta para instituições.
Palavras-chave: Violência; Conjugalidade; Mulher; Gênero; Brasil.
ABSTRACT
In this article, we seek to reflect on sexual violence in marital relationships based
through an approach that links academic production and oral histories at the regional
level in Brazilian state of Parana. In this sense, it is interesting to weave an approach
that takes into account gender studies, and intergenerationality. We used four reports
constructed through oral life stories with voluntary participants in a care center for
women victims of violence. Reading reports built in a region of the country allows us
to perceive the microscopic dimension and the transgenerationality of conjugal sexual
violence, in addition to the background that this violence presents to institutions.
Keywords: Violence; conjugality; woman; gender; Brazil
1. Introdução
No Brasil, o espaço familiar tem sido entendido como campo propício para a perpetuação e reprodução da
violência sexual, em função do caráter privado das relações intra familiares, mas também de construções
socioculturais mais amplas e históricas. Esse fato legitima condutas violentas, subestima dados e dificulta
1 Doutora em História (UFSC, 2008). Pós-Doutorado no Lateinamerika Institut - Freie Universität Berlin (2017).
Docente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Comunitário, da Universidade Estadual
do Centro-Oeste (Unicentro), Paraná. E-mail: lucianarfk@gmail.com
2 Mestra em Desenvolvimento Comunitário (Unicentro). Assistente Social do CRAM-GUARAPUAVA-Paraná. E-mail:
tozzicibeli2@gmail.com
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as denúncias, tornando a violência parte do convívio entre homens e mulheres (TELES et al., 2003, p.64).
No âmbito familiar, o estupro nas relações conjugais desperta preocupação como problema de saúde pública
(RAIMONDO, 2015, p. 18) e se mostra como uma violência fere e viola os direitos fundamentais das
mulheres, mostrando, ainda que esse fenômeno é multifacetado (MINISTERIO DA SAÚDE, 2010, p 13).
Frente à violência, o controle da sexualidade da mulher é manifestado pela imposição do desejo sexual de
outrem, quando o ato sexual não consentido – manifestado pelo domínio do corpo e da sexualidade pela
força e a ameaça (AGUIAR, 2015, p. 13), tem sido interpretado como expressão de poder (CAVALCANTI,
2004, p. 31). Estratégias políticas e sociais procuram meios para combatê-la por meio de estudos e ações
de prevenção e proteção à mulher, como trabalho de prevenção nas escolas e meios acadêmicos,
discussões em diferentes cenários políticos e sociais, grupos/ações socioeducativas com autores de
violência. Não existem, contudo, dados precisos a respeito dos crimes sexuais conjugais, sendo as
delegacias especializadas e os Institutos Médicos Legais (IML), órgãos que, pelo menos, realizam essas
estimativas (DREZETT, 2000, p. 539). No casamento, a violência sexual se apresenta como uma ocorrência
subnotificada no país, provavelmente mediada por crenças culturais, religiosas e sociais que reforçam esse
tipo de comportamento, legitimando e desestimulando a mulher a procurar seus direitos (AGUIAR, 2015, p.
14). Mesmo assim, a partir dos dados gerais em torno da violência contra a mulher, esse tipo de violência
pode ser problematizada, haja vista que crimes como estupro podem envolver companheiros ou parentes.
Isso fica evidente, por exemplo, em dados regionais sobre essas ocorrências, como acontece no Paraná
que, de acordo como Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, registrou uma média de 13 estupros
por dia. A publicação ainda mostra que 4.952 pessoas foram abusadas sexualmente, com um aumento de
9,7% em relação ao ano anterior (ABSP, 2017, p. 13).
Neste artigo, a perspectiva é refletir sobre a violência sexual em relações conjugais, considerando a
pertinente produção acadêmica em torno do tema, operando um deslocamento de olhar a partir de relatos
que provocamos no Paraná que falam dessa modalidade de violência. De 17 vítimas de violência de um
grupo que pudemos acessar, detalhado a seguir, selecionamos quatro deles para discussão neste artigo,
considerando a dimensão de gênero e transgeracionalidade do fenômeno da violência. A leitura de relatos
construídos numa região do país permite perceber a dimensão microscópica da violência sexual conjugal,
além dos embates que essa violência apresenta para instituições, o que faz com que possamos considerar
que, apesar de narrativas elaboradas com base na memória falem do lugar, estão em constante relação com
a construção da macropolítica.
Do ponto de vista teórico-metodológico da história oral que construímos, os relatos que permitiram nossa
reflexão foram obtidos a partir de uma abordagem de história oral, construída na tessitura de leitura dos
processos históricos com as pessoas (NIMMO et al., 2020), permitindo retomar discursos múltiplos e
singulares que se unem, considerando “memória, imaginação e representação como bases que sustentam
qualquer narrativa sobre o passado e o presente” (MEIHY et al., 2011, p. 53). Nesse contexto, a interpretação
das narrativas das mulheres em situação de violência sexual nas relações conjugais proporcionou reflexões
sobre relacionamentos abusivos, sutilmente manifestados em ciclos da violência, que adoecem e violam os
direitos das mulheres. Tedeschi (2014) afirma que entre os dois princípios que endossaram a prática da
história oral está “a ideia de que a história oral daria voz aos silenciados, às classes subalternas, aos pobres,
às mulheres, entre outros grupos, permitindo o acesso à experiência histórica subjetiva” (TEDESCHI, 2014,
p.15). Assim, a história oral permite considerar distinções entre tradição oral, história oral temática, história
oral testemunhal e história oral de vida (MEIHY et al., 2011, p. 195).
Os relatos permitem tecer uma proximidade diferente com os sujeitos que integram o meio investigativo,
permitindo apreciar as vivências e experiências das mulheres envolvidas no contexto da violência. Alberti
(1990) destaca que “esta metodologia proporciona condições de pensar que o vivido é lembrado de forma
diferente por cada indivíduo, que ao contar algum acontecimento, atribui diferentes configurações de
importância ou de percepção” (ALBERTI, 1990, p. 23).
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Desse modo, a metodologia contribui para a análise das relações sociais construídas entre homens e
mulheres, possibilitando a estas mulheres o espaço de diálogo e expressão de suas mazelas e sofrimentos.
Como afirma Tedeschi (2014), “assim, pela oralidade podemos decifrar o processo interno que viveu cada
grupo social, seus atores e que serve de fundamento para reescrever a própria história” (TEDESCHI, 2014,
p. 29).
Trabalhamos com relatos construídos numa comunidade que se organiza em torno do Centro de Referência
de Atendimento à Mulher (Cram), Secretaria de Políticas Públicas às Mulheres no município de Guarapuava,
Paraná, para compor os relatos que permitiram refletir sobre o tema. O centro faz parte da rede municipal
de enfrentamento à violência contra a mulher do município. Pudemos tecer históricas com 20 mulheres que
denunciaram violência sexual e foram atendidas pela rede. Delas, 17 sofreram violência nas relações
conjugais. Todos os relatos foram obtidos em 2019, e isolamos quatro deles para esta análise.
Utilizamos pseudônimos para trabalhar os relatos aqui apresentados e a situação de todos eles reflete
conversas tecidas em 2019. Estela, de 24 anos, negra, católica, mãe de dois filhos também apresentava
ensino médio incompleto, estava desempregada, tinha síndrome do pânico e convivia com o fenômeno da
violência havia 6 anos. Sofia, de 54 anos, branca e evangélica, em processo de separação, tinha três filhos,
com renda de R$1.700,00, ensino médio incompleto, sofria violência em casa havia três anos, apresentando
ansiedade, insônia e enxaqueca. Andreia, de 51 anos, também evangélica e branca, estava divorciada, tinha
cinco filhos, uma renda de R$1.300,00 e ensino fundamental incompleto, relatando violência conjugal por 11
anos. No Cram, apresentava quadro de depressão e insônia. Por fim, Sandra, de 39 anos, negra e católica,
era divorciada, com quatro filhos, desempregada, ensino médio incompleto, e sofria violência havia 20 anos,
apresentando depressão, insônia e problemas ginecológicos intrauterinos.
No momento dos relatos, as participantes não conviviam mais com os companheiros. Quanto ao estado civil,
três foram casadas com autores da violência, duas haviam se divorciado, uma estava em processo de
separação e duas em união estável. Observa-se que, entre as mulheres mais jovens, as duas que
conviveram maior tempo com os autores de violência permaneceram nessa situação entre 15 e 20 anos.
Elas iniciaram o relacionamento conjugal ainda jovens, com idade entre 19 e 23 anos, tendo os
companheiros como primeiro relacionamento. Cabe destacar que duas das cinco entrevistadas não tiveram
seus direitos garantidos no momento da separação, tiveram que deixar suas residências, não recebendo
parte dos bens adquiridos durante o casamento. Três necessitaram buscar judicialmente o direito dos filhos
à pensão de alimentos. O tempo de separação dos companheiros alterna-se entre dois anos e um mês e
cinco anos e sete meses, porém duas delas ainda vivem sobre medida protetiva, ou seja, as que possuem
menos tempo de separação. Mesmo após a denúncia e a separação, elas são ameaçadas por seus ex-
companheiros, que alegam não aceitar a separação, atribuindo a elas a culpa pelo fim do relacionamento.
Com a pretensão de analisar cada período histórico da vida das participantes, foram construídos eixos
temáticos para apresentar as vivências experienciadas. No eixo um apontam-se as percepções iniciais das
mulheres, a infância e a família, bem como o processo educacional voltado para o casamento influenciou as
relações familiares e como aspectos transgeracionais contribuíram para que comportamentos baseados na
desigualdade entre homens e mulheres fossem perpetuados por gerações. No eixo dois, analisa-se o
processo da violência sexual nas relações de conjugalidade que viola o corpo e priva a liberdade e a
autonomia das mulheres. Já no eixo três, observa-se como a violência sexual e a impunidade fragilizam a
mulher no processo de ruptura com o ciclo da violência. Concomitante a esse eixo, no eixo quatro pondera-
se sobre o desenvolvimento da rede de apoio que identifica potencialidades e contribui para o fortalecimento
da mulher no processo de ruptura com o ciclo da violência. No eixo cinco, procura-se evidenciar os aspectos
que contribuíram para o recomeçar e a ressignificação de um novo caminho.
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2. Violência sexual e vida conjugal
O debate em torno da violência sexual na vida conjugal insere-se no tema maior que é violência contra a
mulher, dando significado às expressões e relações de poder características entre homens e mulheres. Por
meio de movimentos feministas desde os anos 1980, buscou-se dar visibilidade ao fenômeno construindo
uma tipologia das violências com o objetivo de combatê-las mediante intervenções sociais. Com a
intensificação destes estudos, os referenciais teóricos procuraram “compreender e definir o fenômeno social
da violência contra as mulheres e a posição das mulheres em relação à violência” (SANTOS e IZUMINO,
2005, p. 2).
Cecília Santos e Wânia Izumino (2005, p. 3) destacam três correntes teóricas que diferenciam e conceituam
os estudos sobre a violência contra a mulher: “a primeira denominada dominação masculina, a segunda,
dominação patriarcal, e a terceira, relacional” (SANTOS e IZUMINO, 2005). Quanto à primeira vertente,
discute-se a dominação masculina a partir do viés da anulação da autonomia da mulher, sendo a mulher
vítima e cúmplice da relação. Já na segunda corrente, o conceito de dominação patriarcal compreende a
violência como expressão do sistema patriarcal, em que a mulher é historicamente vitimada pelo controle
social do homem, apesar de ser um sujeito autônomo. Quanto à terceira corrente relacional, a violência é
observada como forma de comunicação, um jogo do qual a mulher não se apresenta como vítima e sim
cúmplice, pois relativiza as noções de dominação masculina e vitimização feminina (SANTOS e IZUMINO,
2005, p. 150).
A partir da percepção das três vertentes e com a intencionalidade de observar o fenômeno da violência
sexual nas relações conjugais, pensamos que o fenômeno prescinde de uma leitura que envolve gênero
como categoria de análise, por entender a violência como contribuinte para a intensificação de
desigualdades e assimetrias de poder entre homens e mulheres. Nesse sentido, também, violência precisa
ser pensada a partir da noção de mulheres em situação de violência sexual, já que os termos jurídicos que
conceituam “vítima de violência”, envolvem mulheres, homens e segmentos como o estado ou entidades
coletivas. Mulheres em situação de violência, por outro lado, é uma noção que remete a outros significados,
podendo ser empregado para definir e caracterizar os tipos de violências e como se manifestam
(SACRAMENTO e REZENDE, 2006, p. 97). Desse modo, o termo vítima se justifica somente quando se
refere ao modo como os textos e documentos jurídicos fazem referência às mulheres.
No contexto da violência sexual, o corpo e a sexualidade da mulher vivenciam diferentes formas de violência
sexual que afeta, adoece e viola mulheres, silenciando suas dores e calando sua voz (RAIMONDO, 2015,
p. 35). O corpo não possui apenas uma definição biológica; ele é marcado pela expressão das imagens, dos
sentidos, dos discursos pessoais e sociais, das representações que dele se produzem e reproduzem;
movimenta-se expressando propriedades externas e é através do corpo que histórias são contadas diante
de expressões físicas, estéticas, políticas e materiais (PERROT, 2007, p. 76). A manifestação histórica do
corpo tornou-se objeto de interesse de inúmeras áreas, com ênfase na diferença entre os sexos (DEL
PRIORE, 2004, p. 41).
Para Guacira Louro et al. (2003), um corpo não é somente um corpo; é também o seu entorno, intervenções
operativas, sentimentos que nele se incorporam, silêncios que por ele falam, vestígios que nele se exibem.
O filósofo Maurice Merleau-Ponty (1999) apresentava a afetividade como um mosaico de estados
manifestados por prazeres e dores fechados entre si, que só se compreendem e se explicam através da
organização corporal. Assim, observar o corpo como “superfície de inscrição de conhecimento”, biológico,
cultural e social permite pensar e discutir inúmeras manifestações presentes na sociedade, como gênero,
violência, sexualidade, saúde, entre outros (FOUCAULT, 2006, p. 23).
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As inúmeras expressões da violência contra a mulher, sobretudo a sexual, afetam o ser e estar no mundo,
como também a sua corporeidade, deixando marcas visíveis e invisíveis. As inúmeras expressões sociais e
culturais de uma sociedade marcam o corpo, transformando-o, alterando seus paradigmas e posturas
(RAIMONDO, 2015, p. 49). Nesse sentido, a construção da percepção do corpo a partir das vivências da
mulher em situação de violência, possibilita romper com o véu da invisibilidade, adentrando seu mundo
subjetivo conhecendo suas particularidades, os significados atribuídos que interferem na sua corporeidade.
Nesse sentido, sendo o corpo o primeiro e único lugar da experiência humana, é produtor de sentimentos,
emoções e desejos (LABRONICI et al. 2011, p. 402).
Essa percepção diante da violência sexual também permite que o corpo da mulher seja entendido como algo
a ser produzido e ressignificado, enlaçado por redes de controle e poder, manifestando vivências ambíguas
e conflituosas, envolvendo coerção, subordinação, saúde, disciplinamento, privação de liberdade e prazer
(RAIMONDO, 2015, p. 77).
A partir de uma perspectiva histórica é possível perceber que desde o período colonial do Brasil, a
sexualidade das mulheres sofreu influências externas, sendo subordinada e controlada. A igreja exercia forte
adestramento e controle sobre o corpo feminino em face à superioridade masculina, o fundamento escolhido
para justificar tal dominação (DEL PRIORE, 2004, p. 37). Essa mirada histórica permite observar várias
manifestações de controle e disciplinamento do corpo e da sexualidade da mulher. Um exemplo é a carta
“Guia de casados”, de 1651, criada por Francisco Manuel de Melo, político, escritor e militar português (DEL
PRIORE, 2004, p 41), na qual enfatizava a superioridade masculina, os deveres da mulher casada, sua
importância na sociedade como esposa e dona de casa (DEL PRIORE, 2004, p 42). Um século mais tarde,
o médico e intelectual Ribeiro Sanches apresentou o manual de “Educação de uma menina até a idade de
tomar estado no reino de Portugal”, aplicando regras de comportamento para as meninas. O documento
enfatizava que a leitura e a escrita para a mulher deveriam ser voltadas para o bom desempenho dos
afazeres domésticos, o qual lhe tomaria todo tempo, afastando-lhe de costumes inapropriados como leitura
de novelas e comédias (SILVA, 1984, p. 183). Às meninas eram destinados ensinamentos voltados aos
princípios da religião, com o intuito de protegê-las dos “defeitos ordinários do sexo”, uma vez que nasceram
com predisposição a agradar, seguido pelo desejo incontrolável de serem vistas, procurando pelos agrados
do espírito e do corpo (SILVA, 1984, p. 185).
Nessa perspectiva sobre o passado colonial brasileiro e seus desdobramentos, desde muito jovem, a mulher
devia ter seus sentimentos domesticados, preparando-se para o matrimônio, única forma de reconhecimento
social, sendo a obediência transferida do pai para o marido. Os anseios e desejos deviam ser controlados
pela família e sociedade, o ato sexual possuía única e exclusivamente função de procriação (DEL PRIORE,
2004, p. 42). A sexualidade da mulher no período colonial manifestava-se sobre diversos aspectos, sendo
manipulada pela misoginia de uma sociedade controladora. Pairava sobre a mulher o sentimento de culpa e
pecado atribuído pela igreja. Cabia à mulher a função de mãe, irmã, filha, religiosa, jamais amante (DEL
PRIORE,1992, p. 38).
Mesmo que em condições de violência no âmbito privado, as mulheres travaram lutas para sair do espaço
doméstico de dominação e ocupar lugares públicos na busca por direitos. Cavalcanti (2004) pontua que: “a
politização do privado descortina-se como pauta e agenda, e não mais como um dos silêncios da esfera
doméstica que caracterizavam os finais do século XIX e a primeira metade do XX” (CAVALCANTI, 2004, p.
244). Entre as diversas lutas e movimentos de resistência das mulheres durante séculos de opressão e
dominação, destacam-se os movimentos feministas, que ganharam força e se levantaram para exigir
melhores condições de vida às mulheres.
Na seção seguinte, apresenta-se sobre as principais ondas feministas que ganharam terreno com o passar
de décadas e garantiram direitos significativos, ainda que de forma sucinta. Convém destacar que este
estudo não possui a pretensão de esgotar a discussão em torno da conquista das mulheres a partir das
mobilizações e frentes de lutas e resistência feministas, até porque trata-se de uma experiência polissêmica
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e plural, que possui raízes em diferentes linhas históricas teóricas conceituais. Nesse momento, pretende-
se somente destacar a importância deste movimento na conquista dos direitos das mulheres, desde seu
surgimento com as primeiras mulheres na Inglaterra e Estados Unidos até a atualidade (SARTI, 2004, p.
36).
De acordo com Bandeira (2014), a violência de gênero é permeada pela supremacia do poder masculino e
submissão feminina, baseada na hierarquia, uma vez que as projeções que reproduzem os papéis sociais
definem o ser mulher e o ser homem no contexto doméstico (BANDEIRA, 2014). As relações de poder e a
invisibilidade das violências nas relações conjugais regem os comportamentos legitimando as violências.
Aliás, a concepção de mulher ideal, altruísta, abnegada e cuidadora, construída a partir de comportamentos
sociais preestabelecidos, contribui para o aumento da violência sexual, tendo em vista que submete a mulher
a uma relação abusiva, aos desejos e caprichos sexuais do homem (FORNARI, 2014, p. 19).
Para Rodrigues (2015), nesse sentido, é importante romper com perspectivas androcêntricas que estruturam
a sociedade e violam os direitos sexuais das mulheres. A luta permanente da sociedade e de coletivos de
mulheres contra as desigualdades estabelecidas nas relações sociais evita o silenciamento das vozes
femininas e rompe com ciclos de violência e medo (RODRIGUES, 2015, p. 45). Os apontamentos de
Rodrigues (2015) permitem perceber que, entre a violência em sentido amplo e o contexto das relações
conjugais, uma cultura perversa se desenha: a do estupro.
3. A cultura do estupro e o contexto global da violência sexual nas relações conjugais
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2017), os casos de estupro em relações
conjugais são subnotificados. Na maioria das vezes, as ocorrências são escondidas dentro dos lares e das
relações (IPEA, 2017, p.7). Mesmo diante da exposição do corpo da mulher ao estupro, das consequências
que essa violência traz para sua saúde e, consequentemente, para sua vida, diversos motivos levam a
mulher a não denunciar. Todos eles relacionados com fatores sociais, isto é, atribuem à própria mulher a
culpa do ato, a vergonha, o medo. Vale ressaltar que a reprodução do fenômeno viola duplamente a mulher
e que essa discussão é historicamente posicionada ainda no início do século XX (KOLLONTAI, 2016, p. 1).
O estupro é uma das formas mais severas de violência contra a mulher, porque anula a liberdade de escolha
e o pleno exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (RAIMONDO, 2015, p. 30). A Organização da
Saúde (OMS, 2012) reconhece o conceito de violência sexual a partir da análise de Jewkes et al. (2002), a
saber, a manifestação do ato ou tentativa de se obter sexo sem consentimento, insinuações, comentários
ou exposições sexuais não desejadas, controle da sexualidade e comercialização através do uso da coerção
(JEWKES et al., 2002). No contexto das relações interpessoais, o estupro não é sexo, não envolve
afetividade nem intimidade; trata-se de uma violência de gênero. Segundo Brownmiller (1975), é uma relação
de poder em que homens, autores de violência, submetem mulheres à inferioridade, coisificando o indivíduo,
extraindo sua condição de humanidade, privando seus direitos sobre o próprio corpo.
Quando se discute cultura do estupro, interpretações múltiplas se manifestam. As incertezas e opiniões
contraditórias estão muitas vezes associadas à noção de cultura, tendo em vista que, popularmente,
acredita-se que cultura é a manifestação de expressões artísticas, folclóricas, de um povo em determinada
região. Frente a essa interpretação, as relações sociais construídas no decorrer da história deixam de ser
relevantes, haja vista que se dispõe chamar uma prática social de cultura, necessita-se atribuir uma série de
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fatores que exprimem que essa conduta se caracteriza, entre outras coisas, por ser comum, transformando
essa ação uma atividade humana (SOUZA, 2017, p. 10).
Na construção interpretativa sobre cultura no sentido que assume nesta leitura, Villela (2014) apresenta o
termo cultura como sendo uma importante chave para se compreender as estruturas sociais, com base em
um conjunto de regras, da moralidade e das expressões das relações de poder. Nesse sentido, os
comportamentos violentos, como o estupro nas relações conjugais e o silêncio da sociedade diante da
manifestação dessa violência, podem ser expressões de uma cultura regada à desigualdade de gênero,
discriminação e preconceitos (SOUZA, 2017, p. 13). Logo, as inúmeras manifestações do estupro precisam
ser discutidas e desmistificadas, estupradores não são doentes, são pessoas que carregam noções culturais
baseadas nos papéis de dominação dos homens sobre as mulheres, apropriando-se do corpo da mulher.
Conforme Warken (2016): “Para compreender o estupro como algo cultural, também é imprescindível livrar-
se do estereótipo de que estuprador é aquele homem feio escondido num canto escuro pronto para dar o
bote. Estuprador também é aquele cara que transa com a garota desacordada, que toma o silêncio de uma
mulher bêbada como um sim (WARKEN, 2016, p. 2). Nesse sentido, uma pesquisa realizada pelo Instituto
Avon em parceria com o Data Popular entre setembro e outubro de 2015 e que contou com 1800 pessoas,
entre os meses de setembro e outubro de 2015, nas principais universidades brasileiras. Dessas, 42% das
entrevistadas disseram sentir medo de sofrer violência, manifestada pelo sentimento de insegurança, que
pode limitar as ações das mulheres, cerceando o pleno desenvolvimento no meio social. 36% das
participantes da pesquisa confirmaram ter deixado de fazer alguma atividade na universidade por medo de
serem estupradas e, por fim, 67% relataram já ter sofrido violência na universidade, manifestada por assédio
sexual, coerção, estupro, violência física, desqualificação intelectual, agressões morais e psicológicas,
justificando assim seus temores. Na mesma pesquisa, é possível observar que atitudes rotineiras regadas
pelo machismo que viola os direitos das mulheres não são vistas como violência sexual. 27% dos homens
entrevistados declararam que abusar de uma mulher alcoolizada não é violência. 35% acreditavam que
obrigar uma mulher a participar de atividades humilhantes como trotes e leilões não estava errado, e 31%
acham certo compartilhar vídeos e fotos íntimas sem autorização. Tais posturas contribuem com o aumento
da violência nas relações conjugais, pois a naturalização da violência entre parceiros íntimos chega até os
lares numa relação conjugal. Cândido Henrique Silva (2011), organizador do Raio X do Estupro no Brasil,
apresenta a violência dando destaque à subnotificação.
A cultura do estupro é um termo usado para analisar a maneira em que a sociedade culpa as mulheres pela
violência e assédio sexual (ONU, 2016), culpa essa que, muitas vezes, normaliza o comportamento violento
dos homens. Ou seja, se existe manifestação que responsabiliza a mulher pela violência sofrida, justificando
o comportamento masculino, existe naquele país a cultura do estupro.
A cultura do estupro é uma consequência da naturalização de atos e comportamentos
machistas, sexistas e misóginos, que estimulam agressões sexuais e outras formas de
violência contra as mulheres. Esses comportamentos podem ser manifestados de
diversas formas, incluindo cantadas de rua, piadas sexistas, ameaças, assédio moral ou
sexual, estupro e feminicídio. Na cultura do estupro, as mulheres vivem sob constante
ameaça (ONU-BRASIL, 2016, p.1).
Diante do panorama da violência sexual contra a mulher, a OMS (2012) realizou uma pesquisa com 25 mil
mulheres em 10 países com vistas a obter um quadro do problema. Essa pesquisa proporcionou condições
de análise profunda da violência, uma vez que mostrou que 20% da população feminina, em algum momento
da vida, sofreram violência sexual, 30% das mulheres que participaram da pesquisa relataram que sua
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primeira experiência sexual foi forçada, e que aproximadamente 12 milhões de pessoas sofram com a
violência sexual, por ano, no mundo.
De acordo coma ONU (2016), os dez países mais perigosos para as mulheres em termos de violência sexual,
não sexual e tráfico humano, eram Índia, Afeganistão, Síria, Somália, Arábia Saudita, Paquistão, República
Democrática do Congo, Iêmen, Nigéria e, em décimo lugar, EUA. Em pesquisa realizada com 5.857
mulheres com idade entre 18 a 44 anos nos Estados Unidos, evidencia-se que uma em cada quatro mulheres
sofreu coerção sexual nas relações com parceiro íntimo e 12,5% vivenciaram estupro na primeira relação
sexual (FORNARI, 2014, p. 24). Pesquisa semelhante, da ONU Mulheres e com foco na América Latina e
Caribe, mostra que esse território, quando comparado a outras regiões do mundo, apresentam o maior índice
de violência contra as mulheres globalmente, com destaque para a América Central e o México. A América
Latina e o Caribe apresentam as maiores taxas de violência sexual contra mulheres fora de relacionamentos
e a segunda maior taxa mundial quando o tema é relacionamentos íntimos (ONU Mulheres, 2017, p. 1).
Em se tratando de violência sexual nas relações conjugais, os estudos desenvolvidos por Contreras (2010)
por meio do Centro Internacional de Pesquisa sobre a Mulher, Violência Sexual na América Latina e no
Caribe: uma análise de dados secundários, traz informações relevantes para se analisar a dimensão da
violência sexual perpetrada por parceiro íntimo. Na Bolívia, em 2003, foram entrevistadas 12.005 mil
mulheres. Delas, 15% relataram ter sido forçadas a ter relações sexuais não desejadas com frequência. Já
na Colômbia, em 2005, das 25.669 mulheres entrevistadas, 12% narraram manifestações violentas através
de força física, forçando-as a relações sexuais e atividades sexuais não desejadas. A descrição da violência
sexual se repete entre as mulheres da República Dominicana no ano de 2007, onde das 8.421 mulheres
entrevistadas, 5% tiveram as mesmas experiências violentas. Já no Equador, 12% das mulheres, de um
total de 7.270, foram submetidas à violência sexual nas relações conjugais. Em El Salvador, 12%
descreveram suas experiências traumatizantes diante da violência sexual, de um total de 7.349 mulheres.
Na Guatemala, entre 2008 e 2009, 11.357 mulheres foram entrevistadas. Delas, 10% informaram a violência
sexual por seus parceiros íntimos.
No Haiti, entre 2005 e 2006, do total de 6.348 mulheres;11% tiveram suas vidas marcadas pela violência.
Ao passo que em Honduras, no ano de 2005, constatou-se que do total de 15.479 mulheres, 9% tiveram
suas relações sexuais marcadas pela violência. Jamaica não foge do contexto de violência sexual, sendo
que 8%, das 7.222 mulheres, também descreveram momentos de sofrimento e medo diante da violência.
No México, apesar de a pesquisa não apresentar o número total de mulheres entrevistadas, observa-se
que18% sofreram violência sexual, o que vem ao encontro dos dados apresentados pela ONU Mulheres
(2013). Na Nicarágua, em 2006, das 11.393 mil mulheres questionadas, 9% expressaram medo e
insegurança, pois tiveram experiência violentas nas relações sexuais. No Paraguai, o estudo foi realizado
com 4.414 mulheres, destas; 5% descreveram suas histórias de vida conjugal baseadas em violência sexual
(CONTRERAS, 2010, p. 27). No Peru, segundo a OMS (2012), os dados são ainda mais preocupantes.
Foram realizadas duas pesquisas no ano de 2002, com 46,7 mil mulheres na cidade de Cuzco e 1.086
mulheres na cidade de Lima. Destas, 47% residentes na cidade de Cuzco e 23% das residentes em Lima já
sofreram violência sexual nas relações conjugais.
Em relação ao Brasil, o mesmo estudo desenvolvido pela OMS (2012) traz dados importantes sobre este
tipo de violência. No ano de 2002, 1.188 mulheres foram consultadas na cidade de Recife e em Pernambuco,
14% relataram violência sexual perpetrada nas relações conjugais. Já na cidade de São Paulo, o estudo foi
realizado com 940 mulheres, 10% foram forçadas fisicamente a manter relações sexuais contra a vontade
(GARCIA et al., 2018, p. 2). Quando analisada a violência a partir das capitais do Brasil, nota-se que o
Paraná, no ano de 2013, registrou 3.584 estupros, com um aumento considerável para o ano de 2014, em
que os registros marcaram 3.913 casos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).Ao se debruçar sobre os dados da
Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres no município de Guarapuava, do total de 329 atendimentos
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referentes ao ano de 2016, 20 mulheres sofreram violência sexual, caracterizadas por ato sexual não
consentido nas relações conjugais (GUARAPUAVA, 2016).
Destaca-se, assim, a importância de discutir este crime como um problema sociocultural, de caráter
relacional, contribuindo para o fim do silêncio e para a proteção da mulher (WARKER, 2016, p. 2).Com o
recorte histórico que apresenta a manifestação da violência em diferentes cenários e contextos sociais,
ressalta-se o quanto a violência sexualé usada para ofender, denegrir, apoderar-se e dominar a vida das
mulheres, trazendo para o centro do debate a violência de gênero manifestada na relação sexual. As
aproximações com conceitos e análises possibilitam observar o consentimento como peça chave para
diferenciar sexo saudável de violência e crime.
4. Casamento, violência sexual e consentimento
Conceituar a violência conjugal envolve uma complexa gama de significados, uma vez que é preciso
considerar as diversas expressões que o fenômeno assume (FALCKE et al., 2005, p.18). Assim, incluem-
se, em sentido amplo, atos de agressão física, psicológica e atos sexuais forçados (ACOSTA et al., 2016, p.
548). As diferentes áreas do conhecimento como o serviço social, psicologia e direito, que atuam de forma
interdisciplinar no atendimento à mulher e ao autor de violência, refletem sobre meios de combater a
violência nas relações íntimas e procuram aplicá-los, mesmo que com diferentes perspectivas.
Historicamente, o serviço social abarca os direitos das mulheres em seus diversos campos de luta, atuando
diretamente por meio de políticas públicas na prevenção e combate à violência contra a mulher em suas
diversas faces (CFESS, 2016, p. 2). Já no direito, o foco é inibir a incidência, com rigorosa punição por parte
do Estado, regulamentado com penas severas quem pratica ato sexual sem o consentimento da outra
pessoa. A Psicologia compreende o fenômeno de forma multicausal, observando o processo como um todo,
analisando as expressões individuais e as consequências psicossociais existentes na relação entre todas
as pessoas envolvidas (MAZONI et al., 2014, p. 35).
Diante disso, algumas nomenclaturas são utilizadas por diferentes especialistas para descrever este
fenômeno que ocorre nas relações íntimas. Os movimentos feministas questionaram a utilização da
expressão “violência conjugal” no decorrer de décadas de discussões, pois defendiam ser uma expressão
generalista que implicava em agressões mútuas, ofuscando as reais consequências da violência na vida da
mulher. A partir desta perspectiva, várias nomenclaturas foram apresentadas, entre elas: “violência contra a
mulher” e “ violência de gênero”, ressaltando a ideia da mulher vítima e o homem agressor (FALCKE et al.,
2005, p. 47).
As expressões da violência sexual são acompanhadas pela violência psicológica e física. A mulher, mesmo
participante da relação, diante da violência encontra-se em desvantagem, uma vez que a coerção, a força
física e a ameaça impossibilitam-na de reverter a situação de violência naquele momento. No momento da
recusa do ato sexual, as demais violências tornam-se presentes. A naturalização da pressão exercida sobre
a mulher vem acompanhada do contrato instituído pelo casamento e camuflada sobreas obrigações
conjugais (MAZONI et al., 2014, p. 37).
A recusa ao ato sexual desencadeia uma gama de pressões de caráter psicológico sobre a mulher,
intercalando momentos em que elas se sentem forçadas a ceder ao ato sexual para evitar crises violentas e
momentos de relações sexuais forçadas, sem consentimento, caracterizadas como estupro. Rosa (2013) e
Falcke et al. (2005) destacam que as relações interpessoais que desencadeiam a violência sexual são
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marcadas por paradoxos do afeto, já que o mesmo indivíduo que ama é capaz de ferir. Esta conduta violenta
emerge a partir da combinação complexa de fatores históricos, pessoais, sociais, econômicos e
interacionais.
Para a advogada Viviana Waisman (2018), presidente da Women’s Link, o consentimento para o sexo não
é apenas dizer sim ou não, é ter um aparato judicial que possa, sem discriminação, analisar de forma justa
e igualitária esta manifestação, não culpabilizando a mulher pela violência sofrida. O conceito estupro, por
si só, remete a uma ação violenta, porém a sociedade reluta em reconhecê-lo, porque demandam
interpretações passíveis de análise e justificativas diversas, todas atribuídas ao comportamento feminino.
Mesmo estando bem definido na legislação como sendo ato sexual não consensual, imposta por violência
ou ameaça, inúmeros casos são ignorados. Quando manifestado nas relações conjugais, em muitos casos
este crime é silenciado, contribuindo com a perpetuação da violência.
O consentimento é o conceito chave para a compreensão e reconhecimento que existe uma diferença entre
sexo e estupro. Embriaguez, vestimenta e lugar onde a mulher se encontra não justificam a prática do
estupro. Até mesmo o indicativo do desejo ao ato sexual não autoriza a violência, tendo em vista que mudar
de ideia constitui-se um direito da mulher e deve ser respeitado por seu parceiro íntimo (BURIGO, 2019, p.
2).
Desenvolver estudos visibilizem a violência sexual conjugal contribui para desmistificar comportamentos
opressivos. Quanto mais se discutir sobre estupro nos diversos meios sociais, desconstrói-se, mesmo que
lentamente, a máxima que a culpa é da mulher. Independente das circunstâncias em que a violência se
caracterizou, a mulher nunca tem culpa pela violência sofrida, ela não merece ser violentada.
A partir da discussão da violência sexual nas relações conjugais, este capítulo aborda as marcas da violência
na vida e saúde das mulheres que comprometem o pleno desenvolvimento emocional e social. Nesse
sentido, almeja-se discutir o processo da violência caracterizada e legitimada a partir de comportamentos
culturais e sociais preestabelecidos, que determinamos deveres conjugais da mulher diante do casamento,
baseado no processo de dominação e subordinação, caracterizadas por relações de poder.
Diferentemente da violência sexual manifestada por atores desconhecidos da mulher, o fenômeno da
violência sexual dentro do casamento manifesta-se num processo contraditório, envolto pelo contexto da
afetividade. A confiança depositada na relação dá lugar aos sentimentos de insegurança, dor, medo,
decepção, vergonha. Tais relações agravam os efeitos negativos da violência na vida das mulheres
(GUEDES et al., 2007, p. 2). Mesmo assim, afastar-se do companheiro violento é um processo doloroso,
porque envolve questões ligadas ao cuidado emocional dos filhos, a dependência financeira da mulher, a
falta de apoio e compreensão por parte da família extensa. Preocupações com opiniões alheias, como
vizinhos e amigos também são fatores que desestimulam e submetem a permanência da mulher no lar
violento (SOUZA et al., 2006, p. 51).
Especialistas de saúde, médicos (as), enfermeiros (as) psicólogos (as) entre outros, analisam as
consequências não fatais para a saúde física e mental da mulher e, como resultado, as implicações fatais
associadas aos saldos e repercussões negativas no quesito economia. Quanto à saúde física, ela está
associada ao risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, dentre elas o HIV e a gravidez
indesejada (BRASIL, 2012, p. 14). Em se tratando da saúde emocional/mental, Diniz (2017) apresenta
fatores que servem de pressuposto para análise e discussões:
[...] as manifestações de violência afetam a saúde mental, ou seja, o estado psíquico e
emocional da pessoa; o senso de identidade, de segurança e abala profundamente a
confiança nos outros. Grande parte das mulheres que vive conjugalidades marcadas pela
presença de violências, experienciam sintomas de estresse pós-traumático, ou seja, medo
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e ansiedade generalizados; sentimento de evitação e de constrição afetiva. É comum a
presença de dúvidas em relação à competência e eficácia pessoal; presença de sentimento
de impotência aprendida; baixa autoestima e autoconceito (DINIZ, 2017, p. 8).
Como todo ser humano, a mulher é movida por anseios, desejos e expectativas, guiada por princípios
baseados na liberdade. Porém, quando se depara com manifestações violentas que ferem e violam seu
corpo, está exposta a atos de dominação, humilhação e opressão e o desencadear de tais ações manifesta
uma multiplicidade de sensações conduzidas por anulação, sofrimento e dor (RAIMONDO, 2015, p. 75).
O ato sexual violento, movido por práticas de dominação e intimidação, fere a liberdade e autonomia das
mulheres, infiltra-se na sociedade não respeitando fronteiras raciais e sociais. Quando manifestado, resulta
em uma pluralidade de marcas visíveis e invisíveis, inscritas no corpo feminino (ZÜWICK, 2012, p. 27). A
partir desta perspectiva, a violência sexual é observada como uma das demonstrações cruéis da violação
dos direitos humanos, apresenta características de uma epidemia recorrente em diversos espaços sociais.
Sua característica inicial manifesta-se como violência simbólica e moral, deixando marcas na vida das
mulheres, promovendo vulnerabilidades e insegurança. As consequências dos altos índices de stress pós-
traumático, causado pelo ato sexual violento, fazem com que a cada cinco anos, mulheres percam um ano
de vida em função deste ato brutal (BRASIL, 2012, p. 13).
De acordo com o médico ginecologista Denis Mukwege, prêmio Nobel da Paz em 2018, a violência sexual
é como uma metástase, espalha-se pela sociedade causando problemas de ordem pessoal, social e
econômica, uma vez que afeta corpos, famílias e comunidades. Mukwege atendeu mais de 30 mil mulheres
estupradas, com ferimentos graves, na República Democrática do Congo, onde a guerra civil deixou mais
de 6 milhões de mortos e milhares de mulheres submetidas a estupros (NEVES, 2019, p. 3).
No Brasil, nos anos de 1980, estabeleceu-se uma nova área de estudos e ações, que deu início a um novo
espaço de debates com uma abordagem política singular, o que contribuiu para a criação de serviços e
políticas públicas especializadas e leis próprias, visando a prevenção e combate à violência de gênero
(BANDEIRA, 2014, p. 449). Contudo, mesmo com bandeiras de luta voltadas à prevenção e combate à
violência, são escassos os estudos que abordam a violência sexual conjugal, embora as notificações estejam
crescendo no Brasil, em geral refere-se à violência como agressão, sem especificá-la (MAZONI, 2014, p.
36).
Por se tratar de uma violência silenciada dentro dos lares, os dados não condizem com a realidade. Estando
a mulher em situação de opressão diante do cenário da violência, quando procura por serviços de saúde e
assistência social, na maioria das vezes não expõe a realidade vivenciada, atribuindo a outros entraves sua
condição precária de saúde e vida (SCHRAIBER, 2010, p. 168).
A complexidade relacionada às expressões desta violência baseada numa relação íntima adoece a mulher,
causando-lhe sofrimento e morte. Por isso, estratégias e abordagens multidisciplinares devem ser capazes
de romper com paradigmas conservadores, prevenindo, detectando e auxiliando a mulher. A realidade da
violência sexual nas relações conjugais diferencia-se das demais violências, porque submete a mulher aos
caprichos e contratos impostos pelo casamento. A identificação da presença de gatilhos disparadores desta
violência contribui para ações de prevenção e cuidado (FORNARI, 2014, p. 30).
Diante disso, diversos fatores contribuem para silenciar a mulher, entre eles o não reconhecimento do ato
como crime, consequentemente, uma violação dos direitos individuais e a interiorização por questões
culturais e familiares dão a ideia de que sexo no casamento é obrigação, naturalizando as práticas sexuais
violentas.
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5. O que falar quer dizer: as percepções de mulheres em torno da violência sexual conjugal
Sofia se casou aos 17 anos, com seu companheiro que tinha 18 anos à época, e Andreia aos 16, com o
companheiro que tinha 23. Tiveram dois relacionamentos até a data da entrevista, sofrendo violência
doméstica em ambos. Todas casaram com seus primeiros namorados, iniciando o namoro ainda na
adolescência. Sofia começou o relacionamento com 12 anos. Estela lembra, como as outras, que cresceu
em ambiente violento, porque o pai bebia demais e batia na mãe. A genitora sempre dizia a ela que
“casamento era para toda a vida”, e é possível pontuar que essas mulheres vivenciaram desde a infância
uma banalização de violência que tiveram implicações na moldagem do comportamento feminino e de alguns
valores culturalmente compartilhados, como o casamento, conforme observa Bandeira (2014, p. 451). Estela
apresenta em sua história de vida a violência doméstica como parte do convívio entre os pais por anos e
silenciada pela mãe. Diante do cenário permeado por questões de gênero no cotidiano, verifica-se nos
discursos das protagonistas que as concepções em relação ao sexo podem ser modificadas no decorrer da
história, ou seja, a identidade atribuída ao masculino e feminino é construída pelas relações sociais,
elaboradas a partir do próprio ser, da família, do sistema educacional e dos meios de comunicação
(FORNARI, 2014, p. 19).
Sofia pontua também uma vida infantil de violência, com expressões paternas como “Você tem que se
preocupar em achar um marido para te sustentar” ou ainda com violência física continuada: “Todos nós
apanhamos muito dele. Minha mãe ficou surda de um tapa que ele deu uma vez, porque não fez a maionese
do gosto dele”.
Andreia observa que, mesmo não vivendo em clima de violência constante, foi ensinada a entender que
castigo físico é uma forma de educação, ligada a conceitos como merecimento de reparação a um dano
causado. A violência manifestada como forma de educação, não raro, justifica a intervenção dos pais,
objetivando corrigir o comportamento e eliminar condutas consideradas indesejáveis. Acredita-se que a
imposição de limites às crianças necessariamente deve estar acompanhada de repressões, que incluem as
agressões físicas e restrições à liberdade de locomoção (ADORNO, 1988, p. 10). A expressão da violência
física, assim, foi internalizada por gerações na vida de muitas mulheres como parte de um aprendizado,
quando essa violência se manifestou no casamento. Andreia não conseguiu reconhecer como parte de uma
violação de seus direitos, já que aprendeu desde cedo que educação se ensina com violência e, sendo o
marido a figura central, assumiu o papel do pai na família, o castigo oferecido pelo marido é igualmente
justificado.
Outro fator que merece análise diz respeito às relações sociais e se baseia na influência da família diante
do desenvolvimento feminino. Os papéis sociais são determinados ainda na infância e adolescência,
atribuindo aos pais a função de guiar os filhos ao alcance destes objetivos, a mulher casar-se e constituir
família. Esta noção do que é socialmente esperada no exercício da parentalidade (BOTTON et al., 2015, p.
44), sendo perceptível nas experiências de Sandra.
Sandra observa que, na sua história de violência, quando completou 15 anos parou de estudar porque o pai
já havia considerado que o esforço era suficiente; era momento de “achar um rapaz bom para casar”. De
acordo com ela, “comecei a me preocupar em não conseguir casar, como minhas irmãs e primas. Foi naquele
ano que encontrei o inferno da minha vida, meu ex-marido. Meu pai gostou dele de cara e disse: ele é para
casar”. No processo de interação direta com a família, como também é lembrado por Sofia, processos de
violência que atingiram produtoras de relato se assemelham quando se percebe que a relação tecida com
os companheiros segue a inferiorização da mulher e a assimetria de papeis de gênero previamente
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existentes. Sofia lembra que “a história na minha vida se repetiu; a gente não consegue fugir da própria
história; meu pai era carrasco e meu primeiro marido também, eles eram muito parecidos, meu ex-marido
era aquele que a mulher tinha que cuidar da casa e dos filhos e não precisava estudar nem nada; era duro
comigo, sofri muito, não tinha conversa. Eu servia para limpar e cozinhar”.
As experiências vividas na família de origem foram carregadas e expressadas no convívio da nova família
formada. A mulher é ensinada a se comportar como dona de casa, não conhecia outra realidade sem ser a
mulher do lar e da família, revivendo as mesmas experiências, perpetuando assim uma relação baseada
nas diferenças sociais, em que é retirado da mulher a possibilidade de construir relações de igualdade.
Quando a violência de gênero se manifesta nas relações conjugais, a mulher não encontra apoio na família
extensa para denunciar o comportamento violento do companheiro, já que ocupa um lugar de subalternidade
diante da relação, possui a responsabilidade de manter o casamento, resolvendo seus problemas no
contexto doméstico. Com apresentado por Andreia, “eu passei tudo que passei quieta. Não tinha como
contar para a minha família. Eles não iriam compreender. Minha família só foi saber quando ele tentou me
matar pela quarta vez, quando fiquei internada”.
A aceitação de comportamentos violentos é repassada de geração para geração, a violência passa a ser
parte do casamento. Este é caracterizado por momentos bons e ruins, os bons são identificados com o
nascimento dos filhos, os ruins justificam-se no desemprego, na dependência química, nas expressões do
machismo e no sentimento de posse do corpo e da vida da mulher. Esta ensinada a suportar tudo como
parte do casamento. Quando decide pôr fim ao relacionamento, rompendo com anos de violência vivenciada
pelas mulheres da família, encontra dificuldades, porque, culturalmente, possui a obrigação de manter o
relacionamento de forma harmoniosa. Assim, a violência de gênero pode estar relacionada não somente a
fatos e situações atuais, mas conectadas a determinantes como a transgeracionalidade, isto é, gera-se um
ciclo que se manifesta através das gerações, pois ao se tratar da transmissão de padrões e estruturas
sociais, apresenta um processo contínuo que pode durar por toda vida (SANTOS et al., 2011, p. 223).
Ao considerar que a violência sexual nas relações conjugais expressa a dominação do corpo transformando-
o em objeto sensível, o tocar, o violentar transfigura e transforma, limita a autonomia, o poder de decisão, a
condição de escolha entre o sim e o não. A privação da liberdade manifesta-se na invasão e sujeição. Isso
pode ser observado nos recortes das falas das participantes sobre como se deu o processo de violência.
Para muitas mulheres, a inserção no mercado de trabalho é devido ao aumento da desigualdade social e da
pobreza, acarretando à mulher o acúmulo de atividades fora e dentro de casa, desencadeando o que Dantas-
Berger et al. (2005) chama de atualização da desigualdade de gênero, ou seja, a mulher, ao sair do ambiente
doméstico para o mercado de trabalho, necessita complementar a renda, auxiliar nas despesas mensais, no
entanto as obrigações da mulher com os filhos, com a casa e com os deveres conjugais continuam os
mesmos, ampliando sua jornada (DANTAS-BERGER et al., 2005).
Andreia observa que: “ele me forçava sempre, me pegava a força, sempre dizia que se não fosse dele não
seria de mais ninguém. Naquele dia foi grave; eu estava trabalhando e ele apareceu no meu trabalho,
fardado. Ele é policial, encostou algo nas minhas costas e disse que era para o seguir. Fui. Falou para entrar
no carro, que não queria que vissem ele ali. Foi parar no motel. Quando entramos, colocou a arma do lado
da cama, me mandou ficar de quatro e só senti que alguma coisa me perfurou por baixo. Já vi que começou
a sangrar”.
No caso de Sandra, destaca-se a manifestação do machismo expresso no comportamento de um
profissional da segurança pública no momento de extrema fragilidade emocional que ela enfrentou: “O
delegado sabe e fez pouco caso de mim; a enfermeira teve que falar para ele me ouvir. Ele não acreditava.
Dizia que era exagero meu, que conhecia meu marido que era homem de bem”.
Para muitas mulheres, abandonar o município de residência, o convívio familiar e comunitário torna-se uma
estratégia de sobrevivência. A ruptura com o cotidiano de forma brusca, o reiniciar sua vida fora do contexto
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habitual, traz desgaste emocional e físico para a mulher e sua família. Sandra precisou deixar para trás tudo:
a vida que levava, a residência, os pertences, o sentimento de pertencimento a um local e seu senso de
identidade pessoal.
Considerações Finais
A violência como fenômeno complexo precisa de um enfrentamento efetivo e integrado. No momento que
se registra o boletim de ocorrência, iniciam-se as medidas judiciais cabíveis e a rede trabalha em conjunto,
visando garantir a essas mulheres acesso às demais políticas públicas, como trabalho, saúde, educação,
cursos profissionalizantes, geração de renda, assistência social, psicológica e jurídica, habitação e
segurança.
A fala de Andreia mostra a importância de um acompanhamento psicológico para as mulheres que enfrentam
processos de violência nas relações conjugais. Esse suporte auxilia a mulher a encontrar novos caminhos,
porque visa desenvolver o protagonismo e o empoderamento. No relato de Sandra fica clara a importância
do diálogo como forma de fortalecimento e superação dos traumas causados pela violência sofrida. Em
diversas ocasiões as mulheres procuram o Serviço da Rede de Enfrentamento para falar, para serem
ouvidas e recebem as respostas que necessitam para seguir adiante, ao passo que o processo da escuta
qualificada oportuniza as ferramentas para o despertar de novas concepções e paradigmas.
No que tange à análise das diferenciações impostas a mulheres e homens na construção de uma família,
chamado por Scott (1995) de “dicotomias do gênero”, elas provocam relações e comportamentos verticais,
gerando dominação do masculino em detrimento do feminino. As vivências apresentadas pelas
colaboradoras mostram as configurações familiares baseadas nestas desigualdades, a diferenciação no
tratamento destinado às mulheres da família, a falta de diálogo sobre assuntos referentes à sexualidade e
desenvolvimento pessoal, a violência física usada como forma de educação dos filhos, as restrições ao
ensino e à educação e a inferiorização da mulher, limitando suas escolhas e atribuindo a elas papéis sociais
destinados à maternidade e ao casamento.
Esses modelos de paternidade e maternidade sustentados por um modelo hegemônico de masculinidade e
de feminilidade aprisionam homens e mulheres em cárceres sociais, impedindo que desenvolvam a
parentalidade de forma saudável e igualitária. Este modelo socialmente construído possui impacto direto na
vida de homens e mulheres, em que sua perpetuação é inevitável entre gerações, possibilitando que os
filhos reproduzam os papéis do que é ser pai e mãe no contexto familiar (BOTTON et al., 2015, p. 49).
As décadas de naturalização da desigualdade de gênero na família das protagonistas contribuíram para que
elas não identificassem comportamentos violentos dentro e fora do contexto familiar. A obrigação da mãe
em repassar para as filhas ensinamentos ligados à vida doméstica, com finalidades claras de aprender a se
doar e a cuidar do outro, construiu na vida dessas mulheres conceitos de como ser uma boa mulher e
esposa. Quando confrontadas com a violência e o medo, elas não encontraram suporte para identificar
comportamentos abusivos. Sentiram-se responsáveis pela violência vivida, incapazes de fazer o
companheiro feliz, merecedoras dos castigos impostos. Fatos estes que também foram vivenciados por suas
mães, mesmo àquelas que não sofreram violência no casamento, carregam consigo ensinamentos que
responsabilizam a mulher pelos problemas decorrentes dele. A figura da esposa está associada a fatores
de harmonização no seio familiar, ela que cuida, organiza e mantém tudo em seu devido lugar. Romper com
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padrões predeterminados é extremante difícil para as mulheres, pois contraria tudo que lhes foi ensinado no
decorrer de uma vida.
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