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Para distinguir amigos/inimigos da Covid-19: a Aliança entre o Coronavírus e
o Governo Brasileiro
To distinguish friends/enemies of Covid-19: the Alliance between Coronavirus and the Brazilian
Government


Valderí de Castro Alcântara 1
Ana Paula Santos Diniz 2
Jeferson Neri 3


RESUMO
Os modelos matemáticos e as projeções sobre a pandemia da COVID-19 estão
moldando políticas e preocupações públicas em diversos países. No entanto, o caso
do governo brasileiro desafia estes resultados, dado que resiste à influência dos
alertas. Neste contexto, o objetivo do presente trabalho é descrever os vínculos que
performaram a aliança entre o novo coronavírus e o governo brasileiro, bem como
verificar se configura uma estratégia da necropolítica. Metodologicamente o artigo se
baseia na Teoria do Ator-Rede como método de rastrear controvérsias e vínculos em
uma rede heterogênea. No artigo, descrevemos o vírus da natureza (a partir de dados,
gráficos, taxas, números, projeções etc.), o vírus da política (com foco nos atos e
discursos do Presidente e suas interações) e os vínculos da aliança, a partir da ótica
da necropolítica. Como contribuição apresentamos elementos de uma aliança entre o
governo brasileiro e o novo coronavírus que pode ser vista como uma estratégia da
necropolítica. Sobre a aliança descrita, a sua durabilidade vai depender das relações
que se estabelecem entre diferentes entidades. A noção aliança segue a perspectiva
de agenciamentos, e, portanto, não se atribui intencionalidade a parte humana no
sentido clássico da interpretação do social. É provável que mais cedo ou mais tarde,
a aliança seja desfeita. Assim, é preciso que, neste momento, seja descrita e registada
para ser lembrada pelo que foi: uma aliança.

Palavras-chave: Pandemia; Resposta Governamental; Controvérsias; Necropolítica.


1 Graduado em Administração pela Universidade Federal de Viçosa - Campus de Rio Paranaíba (2012). Mestre (2015) e
Doutor (2018) em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras
(PPGA-UFLA). Foi professor substituto do Departamento de Administração e Economia (DAE-UFLA). Atuou (2017-2018)
como coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (INCUBACOOP/UFLA). É membro do Núcleo
de Estudos em Administração Pública e Gestão Social (NEAPEGS) e do Grupo de Estudos Gênero e Política: Debates
Contemporâneos em Educação. Foi bolsista de extensão no País do CNPq - Nível C. Atualmente é professor e
coordenador do curso de Administração da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) - Unidade Cláudio. E-mail:
valderidecastroalcantara@gmail.com

2 Doutoranda em Filosofia, pelo Programa "Cidadania e Direitos Humanos" da Universidade de Barcelona, UB. Mestre
em Direito, pela Fundação Universidade de Itaúna, FUIT (2012-2014). Pesquisadora do Programa Cidade e Alteridade
(2012-2014) e Pólos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais/Tecitura/PADHU (2018; 2020). Professora
na Faculdade de Pará de Minas - FAPAM (2008-2015). Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Monografia da Faculdade
de Pará de Minas - FAPAM (2008-2015). Membro do Conselho Municipal de Educação de Pará de Minas - CME (2013-
2105). Membro da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM (2012-2015). Membro da Comissão
Permanente de Avaliação da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM. (2015). Professora na Universidade Cândido Mendes
(2018). Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais (2019). E-mail: aninhapsd@hotmail.com

3 Graduado em Administração Pública pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail: jnneri32@gmail.com

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ABSTRACT
The mathematical models and projections about the COVID-19 pandemic are shaping
public policies and concerns in several countries. However, the case of the Brazilian
government challenges these results, once it resists the influence of the alerts. In this
context, the objective of the present study is to describe the bonds that provided the
alliance between the new coronavirus and the Brazilian government, as well as to verify
whether it configurates a strategy of the necropolitics. Methodologically the paper is
based on the Actor-Network Theory as a method of tracking controversies and ties in
a heterogeneous network. In the paper, we describe the virus of nature (from data,
graphs, rates, numbers, projections, etc.), the virus of politics (focusing on the actions
and speeches by the President and them interactions) and the ties of the alliance, from
the necropolitics’ perspective. As a contribution, we present elements of an alliance
between the Brazilian government and the new coronavirus that can be seen as a
strategy of the necropolitics. Regarding the described alliance, its durability will
depend on the relationships established between different entities. The notion of
alliance follows the perspective of agency, and, therefore, the human part is not
intentionally attributed in the classic sense of the interpretation of the social. It is likely
that sooner or later the alliance will be broken. So, it is necessary that, at this moment,
it is described and registered to be remembered for what it was: an alliance.

Keywords: Pandemic; Government Response; Controversies: Necropolitics.



1. Introdução

Em dezembro de 2019, um surto de uma nova doença foi relatado na província de Hubei, na China. Este
novo vírus rapidamente apresentou aspectos preocupantes, o que levou as autoridades ao alerta da
Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o aumento significativo de contaminados. No início de janeiro,
os casos de contaminação cresceram exponencialmente na China e as autoridades chinesas detectaram
que se tratava de uma nova ramificação do coronavírus (KUCHARSKI et al., 2020). Em seguida, Tailândia
e Japão notificaram seus primeiros casos. Todavia, nenhum dos pacientes havia visitado o mercado da
cidade de Wuhan, o que aumentou as suspeitas de que o vírus era transmitido de pessoa para pessoa, o
que, posteriormente, foi confirmado (BRASIL, 2020).
Em 30 de janeiro, a OMS declarou que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) era
uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2020; KUCHARSKI et al., 2020), emitindo um alerta para que países tomassem maiores precauções, tendo
em vista a notificação de casos de pacientes contaminados em países como Estados Unidos, Alemanha,
Taiwan. O caso de pessoas contaminadas aumentou drasticamente no mês de fevereiro, levando à
caracterização pela OMS, em 11 de março de 2020, da COVID-19 como uma pandemia. No Brasil, de
acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020), o primeiro caso confirmado foi em 26 de fevereiro e o
primeiro falecimento em 16 de março. Atualmente, o país conta com mais de 29.000 mortos. De forma
contraditória, autoridades nacionais ainda insistem em subestimar a doença, apesar de todos os alertas da
OMS.
Os modelos matemáticos e as projeções estão moldando políticas e preocupações públicas em torno da
COVID-19 em diversos países (RHODES; LANCASTER, 2020). No entanto, o caso do governo brasileiro
desafia estes resultados, dado que resiste à influência dos alertas (e aos dados, modelos, exemplos, casos,

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projeções etc), inclusive, opondo-se frontal e abertamente às medidas emergenciais. Neste contexto, em 04
de maio de 2020, o jornal O Globo publicou reportagem afirmando que os atos e discursos do Presidente
contra o isolamento social “[...] podem estar por trás de pelo menos 10% dos casos e até mesmo de mortes
pela COVID-19 registrados no Brasil” (OSWALD, 2020). No mesmo sentido, em 25 de maio de 2020 foi
publicada pela Folha de S. Paulo a reportagem “O populismo de Jair Bolsonaro está levando o Brasil ao
desastre” que afirma que o “Presidente é responsável pela resposta caótica que permitiu que a pandemia
escapasse ao controle” (RACHMAN, 2020). Jornais como o The Telegraph, The Guardian, Financial Times
e The New York Times vêm publicando críticas ao Presidente por suas ações frente à pandemia
(RACHMAN, 2020).
Assim, o governo brasileiro vem contribuindo para que os casos de pessoas infectadas pelo coronavírus se
mantenham em crescimento. O que significa dizer que surgiu uma “aliança” (LATOUR, 2016) entre o
governo de um país e um vírus, o que pode ser visto como estratégia de necropolítica, ao considerar que é
uma política que define quem importa e quem não importa, quem é “descartável” e quem não é (MBEMBE,
2016). Neste contexto, a questão que aparece é: quais vínculos performaram a aliança de necropolítica
entre o novo coronavírus e o governo brasileiro? Objetiva-se, assim, descrever os vínculos que performaram
a aliança entre o novo coronavírus e o governo brasileiro, bem como verificar se configura estratégia de
necropolítica.
Metodologicamente, o artigo se baseia na Teoria do Ator-Rede (TAR) como método de rastrear
controvérsias e vínculos em uma rede heterogênea (VENTURINI, 2012; LATOUR, 2012). Para a coleta de
dados, foi realizada uma cartografia com dados digitais (VENTURINI, 2012). Além desta introdução, o texto
se divide em outras quatro partes. A parte dois descreve o vírus da natureza (em uma visão a partir de
dados, números, projeções); o vírus da política (com foco nos atos e discursos do Presidente nas interações
com a COVID-19) na parte três. Na quatro, descrevemos os vínculos da aliança e seu potencial de
necropolítica. Nas considerações finais (parte 5) apresentamos as conclusões, limitações e agenda de
pesquisa.

2. O vírus da natureza

O novo coronavírus SARS-CoV-2 se espalhou rapidamente pelo mundo, causando a doença denominada
pela OMS de COVID-19 (Coronavirus Disease 2019). O surto começou em Wuhan na China e se espalhou:
Ásia, norte da Itália, Irã, Europa, América do Norte, e, assim em diante (KUCHARSKI et al., 2020).
Atualmente, a pandemia vem modificando a vida de milhares de pessoas: na Figura 1 apresentamos a
incidência da COVID-19 no globo terrestre. Em 01 de junho de 2020 (atualizado 13h55min horário de
Brasília, 1 de junho de 2020) a OMS indicava 6.057.853 casos confirmados e 371.166 mortes pela COVID-
19 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020). Observamos que o Brasil (Figura 10 se encontra na faixa
azul escura com mais de 300 mil casos confirmados – a faixa de maior incidência de casos.






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Figura 1: Painel da COVID-19 da OMS (casos confirmados).


Fonte: World Health Organization (2020).

No dia 01 de junho 2020 (atualizado em 31/05/2020, às 20h55min) o Painel Coronavírus do Ministério da
Saúde indicava 514.849 casos confirmados (acumulados) com 29.314 óbitos (acumulados) com uma
letalidade de 5,7% (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). A Figura 2 demostra o crescimento exponencial dos
casos no Brasil. Até o momento a tendência é de crescimento desses números.

Figura 2: Casos acumulados de COVID-19 por data de notificação.


Fonte: Ministério da Saúde (2020).

A Figura 3 compara os casos confirmados no Brasil em relação a outros países como Estados Unidos, Reino
Unido, Itália e França (dados até 26 de maio). Percebemos que em alguns momentos a curva mudou de

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direção (efeito do isolamento social), no entanto, com o “afrouxamento” fez com que a curva voltasse a
tendência de crescimento – no último mês a palavra “recorde de casos” vem sendo utilizada diariamente –
na Figura 3 dados até 26 de maio de 2020.

Figura 3: Novos casos diários confirmados de COVID-19 (média móvel dos últimos 7 dias).


Fonte: Our World in Data (2020).

Outra diversidade de números, dados, projeções e modelos já foram construídos e divulgados sobre a
COVID-19, sobre a natureza do vírus – da mesma forma que pesquisadores vêm investigando taxas de
letalidade, impacto no sistema de saúde, origem da SARS-CoV-2 etc. As ciências estatísticas, biológicas,
médicas e epidemiológicas vêm se preocupando com essa dimensão do vírus. Todavia, essas ciências
indicam que o vírus pertence ao reino da natureza. Assim, reproduz a “purificação” denunciada por Latour
(2009) entre natureza e sociedade, natureza e política. No entanto, o coronavírus mostra que existem
vínculos a serem explorados. Estratégias como a quarentena revelam como o social se constrói nas
controvérsias e incertezas (LATOUR, 2012) visibilizando a imbricação entre ciência, política e sociedade
(RHODES; LANCASTER, 2020). Ressalte-se que uma pandemia coloca em jogo entidades heterogêneas
– Guattari e Deleuze (2010) já listaram algumas para uma epidemia: homem, animal, vírus, molécula,
microrganismo – e nesse sentido a aliança é política.

3. O vírus da política

O vírus não é somente um elemento da natureza, vez que noções como biopolítica, necropolítica,
agenciamento, aliança e ecologia política nos obrigam a reconhecer a imbricação de natureza e política.
Neste artigo, descrevemos a aliança entre o governo e o coronavírus – de outra forma: “[...] ele [Bolsonaro]
e o vírus estão associados” (GHIRALDELLI, 2020). O quadro 1 evidencia momentos das relações.



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Quadro 1: Linha do tempo do novo coronavírus no Brasil (até 25 de maio de 2020).

Data Evento
09 de

fevereiro
34 brasileiros que viviam em Wuhan, China, foram repatriados.

26 de
fevereiro

Confirmado o primeiro caso de coronavírus no Brasil.
28 de

fevereiro
Ministério da Saúde (MS) lançou campanha publicitária de prevenção ao coronavírus.

05 de
março

É confirmada a primeira transmissão interna no país.

09 de
março

Presidente afirma que o vírus foi superdimensionado.
11 de
março

OMS declarou pandemia de coronavírus.
13 de
março

Ministério da Saúde (MS) regulamentou critérios de isolamento e quarentena a serem aplicados pelas
autoridades sanitárias.

15 de
março

Presidente afirma: “Não podemos entrar em uma neurose como se fosse o fim do mundo”.
17 de
março

A recomendação do MS é testagem para coronavírus apenas em casos graves. Presidente afirma:
Esse vírus trouxe uma certa histeria

20 de
março

A transmissão comunitária foi reconhecida pelo MS. Presidente chama a pandemia de “gripezinha”.

24 de
março

Presidente critica em pronunciamento o pedido para que as pessoas fiquem em casa, contrariando o
especialistas e autoridades sanitárias: “No meu caso particular, pelo histórico de atleta, caso fosse
contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito acometido
de uma gripezinha ou resfriadinho
”.

28 de
março

Estudo do Imperial College de Londres estima que Brasil poderia ter mais de 1.150.000 mortes
decorrentes do novo coronavírus, se nenhuma estratégia de isolamento fosse adotada.

29 de
março

Presidente afirma: “Essa é uma realidade, o vírus tá aí. [...]. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”.

31 de
março

Pronunciamento do Presidente: “O coronavírus veio, um dia irá embora, infelizmente teremos perdas
neste caminho
”. Insiste na retomada das atividades tendo em vista a recuperação da economia.

12 de
abril

Presidente fala que o vírus está indo embora.
16 de
abril

Presidente exonera o ministro da Saúde.

20 de
abril

Perguntado do número de mortes, Presidente afirma: “eu não sou coveiro, tá?”.
28 de
abril

Ao ser perguntado sobre dados da COVID-19, Presidente afirma: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o
quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre
”.

08 de
maio

Pronunciamento do Presidente, que faz críticas às medidas tomadas pelos estados e que as medidas
não devem causar mais danos à economia.

11 de
maio

Presidente decide incluir atividades industriais, construção civil, salões de beleza, academias e
barbearias na lista de atividades essenciais.

12 de
maio

Estudo publicado na revista Journal of the American Medical Association não encontra evidências de
que cloroquina reduza mortalidade entre pacientes do novo coronavírus.

13 de
maio

Presidente volta a defender uso da cloroquina no tratamento do novo coronavírus.

15 de
maio

Ministro da Saúde (o segundo do período) pede demissão do cargo pouco menos de um mês à frente
da pasta, que havia alertado sobre os riscos da cloroquina e defendido medidas de distanciamento
social, contrário ao que defende o Presidente.

19 de
maio

Em live, o Presidente anuncia assinatura de novo protocolo para uso da cloroquina, na ocasião, faz
piada sobre uso do medicamento: “Quem é de direita toma cloroquina; quem é de esquerda, tubaína”.

22 de
maio

A OMS reconhece o Brasil como mais afetado pela pandemia na América do Sul.

25 de
maio

MS afirma que não deve recuar de protocolo de uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento
para a Covid-19.

31 de
maio

Presidente participou de manifestação, falou com apoiadores e andou em cavalo. Em vários momentos
não seguiu os protocolos da OMS e do próprio MS.

Fonte: Adaptado a partir de Sanarmed (2020) e Tajra (2020).

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Para Tajra (2020), “o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dá sinais de que considera a pandemia do
novo coronavírus pauta secundária no país – chegou a equiparar a crise econômica à sanitária e disse
diversas vezes que o Brasil tem outros problemas a resolver”. Por sua vez, Tostes (2020, p. 34) mostra que
“[...] de forma radicalmente política que o tema tem sido manejado pelo governo Bolsonaro, mesclando
negacionismo da pandemia, grandes conspirações da esquerda nacional e mundial, e o remédio milagroso
da Cloroquina”.
Em vários momentos o MS divergiu do Presidente e se alinhou aos direcionamentos da OMS, o que levou
à saída de dois ministros. Assim, a partir do momento em que o chefe do executivo apresenta
comportamentos e narrativas que expõem a vida e a saúde da população a riscos de contaminação; não
apresenta medidas efetivas de proteção, prevenção, combate à doença, pelo contrário, quando estimula o
contágio, por meio de manifestações populares e ameaça de desemprego, coloca os cidadãos contra os
governantes locais e/ou, até mesmo, prescreve tratamento médico não recomendado pela comunidade
científica, está definindo sob quais condições práticas se exerce o direito de matar, deixar viver ou expor à
morte, formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte no sentido discutido por Mbembe
(2016). Por isso, Souza (2020) coloca a política de Bolsonaro como necropolítica negacionista.
A banalização da morte é revelada explicitamente pelo poder que o governante exerce sobre a população
ao relativizar a gravidade da situação. Em reportagem de 12 de maio de 2020, Dantas, Grandin e Manzano
(2020) noticiam que Bolsonaro teria dito em 11 de maio que 70% pegará coronavírus: “O percentual é
apresentado pelo presidente como um número inevitável e um argumento contra medidas de isolamento
social”. Caso essa projeção se realize, o número de mortes será de 1,8 milhão – ‘Alguns vão morrer? Vão
morrer, ué, lamento’ disse o Presidente” (CASADO, 2020).
Quando o Presidente estimula o contágio, ele está realizando um controle sobre a vida e a morte das
pessoas, principalmente, no contexto brasileiro, onde a desigualdade social é grande e boa parte da classe
trabalhadora depende de apoio governamental para cumprir as recomendações de isolamento social. Essa
necropolítica fica evidente nas falas do Presidente que pede às pessoas para voltar a trabalhar, indica o
isolamento vertical e afirma que cada família tem que cuidar de seus idosos.
Na guerra contra a COVID-19, o Presidente indica que os sobreviventes serão os fortes – a figura de
Bolsonaro demonstra, em seu machismo, desprezo pelo cuidado ao desafiar o isolamento social
praticamente todos os dias (Figura 4). Conforme Alcadipani (2020) explicita, ele busca se mostrar forte em
sua masculinidade hegemônica. No pronunciamento de 24 de março de 2020 ironizou que se fosse
contaminado seria “acometido de uma gripezinha ou resfriadinho” devido ao seu “histórico de atleta”.
Recentemente, sua performance em cima de um cavalo, em Brasília, em 31 de maio de 2020 é mais um
indicativo disso.

4. Os vínculos da aliança de uma necropolítica

As alianças foram construídas em diversos momentos conforme demonstramos na seção anterior. Um
esclarecimento é que diferente das noções de alianças políticas, coalizões, a aliança aqui é entre entidades
heterogêneas, humanos e não humanos. Segundo Latour (2020) a crise da COVID-19 mostra que as
distinções clássicas entre cultura e natureza, entre o vírus e a política não se mantém. Afinal, a sociedade
depende a cada momento das associações entre atores heterogêneos – no momento nossas alianças
envolvem a OMS, os governos subnacionais dedicados a contenção da COVID-19, o álcool em gel, os novos
hábitos de higiene, as políticas governamentais, o home office, as máscaras, as autoridades sanitárias, as

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projeções e dados etc. A maior aliança talvez seja com a reflexão sobre o que nos é essencial (LATOUR,
2020).
Estamos em um “estado de guerra” contra o vírus que envolve: máscaras, testes, regulamentos, decretos,
hábitos de higiene, gestos de solidariedade, confinamento (LATOUR, 2020). O próprio Bolsonaro
(08/04/2020) já se referiu ao momento como de guerra: “essa guerra que estamos enfrentando”. Em 20 de
maio, pelo Twitter, voltou a afirmar que “estamos em Guerra”. No entanto, diferente do que coloca o
Presidente, os agenciamentos demonstram que seus atos e discursos estão do mesmo lado do vírus e não
em lado oposto.
Na guerra é preciso distinguir os lados. Isso se fundamenta na perspectiva de Latour (2020) de que “o
mesmo vírus não age da mesma maneira em Taiwan, Cingapura, Nova York ou Paris”. Não podemos
entender o vírus apenas como um fenômeno natural – não é somente uma crise sanitária, afinal, sua
dimensão biológica sempre foi biopolítica para lembrar de Foucault (2008). Ainda mais, alertamos que não
se trata de conceber o aparato estatal como o único para resolver os problemas da pandemia, dado que
isso traz riscos de setor inchado conforme argumentam Lazzarini e Musacchio (2020), mas, que na verdade
o governo vem se colocando de forma determinante para que a crise da COVID-19 tenha efeitos mais
dramáticos no Brasil. A postura negacionista do atual chefe de governo brasileiro diante da pandemia do
COVID-19, põe em risco a saúde pública, seja pelos discursos/atos ou pela ausência de respostas as
emergências exigíveis no momento.

Considerações finais

É importante neste momento (in medias res) conhecermos de que lado da guerra se encontra as diferentes
entidades que compõem nosso mundo – afinal, precisamos fazer alianças com a OMS, com governos
subnacionais dedicados à contenção da COVID-19, com as medidas de proteção recomendadas
cientificamente. Em uma guerra é preciso distinguir os amigos dos inimigos (LATOUR, 2014). O novo
coronavírus performou, para além da sua entidade “natural”, outras questões morais e políticas. Muitas
análises a partir da “purificação” (LATOUR, 2009) entre natureza e política, não conseguem captar e
descrever a aliança, estratégia de necropolítica, que explicitamos neste artigo – mesmo que de forma
preliminar. O artigo demostra que as relações entre natureza, política e sociedade são imbricadas e a aliança
descrita entre o coronavírus e o governo, especialmente, nos atos e falas do Presidente, foi evidência disso
– sabemos que governo é uma rede heterogênea, por isso uma limitação é explorar de forma rápida os
agenciamentos que envolvem o Ministério da Saúde, os governos locais e estaduais, decretos, índices de
isolamento etc.
Ainda como limitações do estudo indicamos: a) uma perspectiva descritiva a partir de dados secundários;
b) não sem aprofundar na questão econômica e como ela parece mediar a aliança entre o vírus e o governo
e c) não aprofundamento na heterogeneidade do governo. Para pesquisas futuras, indicamos os estudos
dos vínculos, controvérsias e incertezas em torno das diversas questões de interesse (LATOUR, 2012) que
a COVID-19 vem despertando: renda básica, papel do Estado e seu tamanho, relações entre privado e
público, a renovação da solidariedade, as desigualdades sociais, a confiança na ciência, a cloroquina, as
relações entre economia e sociedade, as contradições do isolamento social, as empresas após a crise, as
relações com o meio ambiente, novos modos de vida, o capitalismo pós-crise, as comunidades vulneráveis,
os novos mecanismos de cooperação, o efeito do desemprego, os sistemas de saúde etc.
Sobre a aliança descrita, a sua durabilidade (LAW, 1999) vai depender das relações que se estabelecem
entre diferentes entidades. A noção aliança segue a perspectiva de agenciamentos (DELEUZE &
GUATTARI, 1995), e, portanto, não se atribui intencionalidade a parte humana no sentido clássico da

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interpretação do social. É provável que mais cedo ou mais tarde, a aliança seja desfeita. Assim, é preciso
que, neste momento, seja descrita e registada para ser lembrada pelo que foi: uma aliança.

Referências bibliográficas

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