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Controle social e desenvolvimento na perspectiva da Gestão Social e do
Bem Viver: estudos de casos na Argentina, Brasil, Chile e Equador.
Social control and development in the perspective of Social Management and Buen Vivir: case
studies in argentina, Brazil, Chile and Ecuador


Alex Luiz Barros Vargas 1
Cezar Augusto Miranda Guedes 2


RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar quatro realidades, em regiões da Argentina, Brasil,
Chile e Equador, problematizando os processos de controle social e desenvolvimento,
refletindo sobre as intervenções humanas que ocorreram - a partir dos interesses
contraditórios e das relações de poder que os configuravam –e,utilizando os
paradigmas do Bem Viver e da Gestão Social como referências. Para isso, além das
pesquisas bibliográfica e documental, que resultaram no exame dos marcos legais e
tradições políticas/culturais pertinentes à participação popular, adotou-se a
Hermenêutica Dialética como método de estudo de casos, definidos pelas pesquisas
de campo. A análise aponta para a consistência de uma crise sistêmica – econômica,
social e ambiental – enraizada no desenvolvimentismo, extrativismo, financismo,
racismo e patriarcalismo, onde o capitalismo apresenta extraordinária capacidade de
se perpetuar,desequilibrando a natureza e estimulando a distopia. Neste cenário, nos
intervalos dos recentes Governos Progressistas, se nota a dificuldade desses setores
em promover, se não o rompimento com as amarras estabelecidas
internacionalmente, pelo menos um rearranjo institucional e econômico, consistente,
que apontasse para a desconstrução das iniquidades. Em decorrência dessa situação,
observou-se que outros paradigmas alternativos, presentes em diferenciadas regiões
do mundo, acrescentam dimensões peculiares aos referenciados - Bem Viver e
Gestão Social- ampliando-se a possibilidade de estruturação de instrumentais teóricos
com a perspectiva de intervenções políticas e sociais emancipadoras.
Palavras-chave: Controle Social; Gestão Social; Desenvolvimento; Bem Viver;
Democracia.


ABSTRACT
The purpose of this thesis is to analyze four realities, in regions of Argentina, Brazil,
Chile and Ecuador, problematizing the processes of social control and development
and reflecting on the human interventions occurred - starting from the contradictory


1 Doutorado em Políticas Públicas Comparadas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro / Programa de Pós
Graduação Binacional em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária (UFRRJ / PPGCTIA). É pesquisador do
Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS/FGV/EBAPE) e do Grupo de Pesquisa Josué de Castro (GPJC / PUC – Rio).
E-mail: alexlbvargas@gmail.com
2 Professor Titular na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro no Programa de Pós Graduação em Ciência,
Tecnologia e Inovação em Agropecuária (PPGCTIA/UFRRJ). Pós doc no Instituto Superior de Economia e
Gestão/Universidade de Lisboa (ISEG/UL).Doutor pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo / Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo (EAESP/FGV). Mestre pela Coordenação dos Programas de Pós Graduação em
Engenharia/Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE /UFRJ). Economista pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). E-mail: cezar.eco@gmail.com

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interests observed and from the relations of power which configured them – and
utilizing the paradigms of Buen Vivir (lit. trans. Well Living) and of Social Management
as references. For such, beyond bibliographic and documented research, which
resulted in the analysis of the legal frameworks and political traditions/cultures relevant
to popular engagement, the Dialectical Hermeneutics was adopted as case study
method, defined by field researches. The promoted debate pointed towards the
consistency of a worldwide systemic crisis – economic, social and environmental –
rooted in productivism, extractivism, financism and patriarchalism, where capitalism
presents an extraordinary ability to perpetuate itself, unbalancing nature and
stimulating dystopia. In this scenario, in the intervals between Progressive
Governments, it is noticeable the difficulty for these sectors to promote, if not the
disruption with the internationally established ties, at least a consistent institutional and
economical rearrangement, pointing towards the deconstruction of inequities. As a
result of this situation, it has been observed that alternative paradigms, present in
different regions in the world, add peculiar dimensions to the referenced – Buen Vivir
and Social Management –, thus increasing the possibility of structuration of theoretical
instrumentals with the perspective of emancipatory social and political interventions.

Keywords: Social Control; Social Management; Buen Vivir; Development; Democracy


1. Introdução

Encontra-se, na história recente da América do Sul, um conjunto de programas e projetos que indicam o
tensionamento das seculares relações governantes/governados, formadas desde o período colonial e
atualizadas por recorrentes governos autoritários. Percebeu-se em vários países – Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela - no limiar do século XXI e após um ciclo de governos
neoliberais, a busca pela formulação de políticas públicas diferenciadas, mais abarcativas e com
características emancipatórias.
América foi a denominação que os europeus convencionaram chamar o continente onde nos encontramos.
Uma explícita homenagem a Américo Vespúcio, italiano que associava seus conhecimentos de cosmografia
e geografia ao que verdadeiramente importava na ocasião, e ainda hoje é a lógica do sistema econômico
predominante: conquistar novos mercados, descobrir novas mercadorias e espaços de valorização para o
capital. Esse batismo também pode ser considerado um anúncio do que aconteceria com as identidades
existentes por aqui. Logo, o injustamente apelidado ‘Novo Mundo’, tão antigo e organizado quanto outras
regiões, foi incorporado, política e economicamente à Europa, na condição de colônia. Também é nesse
território onde ocorre um dos maiores genocídios da humanidade. Os números variam, entretanto, os
estudos mais recentes estimam a população dos Impérios Teocráticos de Regadio das Américas, antes da
chegada dos europeus, entre setenta e oitenta milhões de habitantes. Um século e meio após a chegada
dos conquistadores, os povos originários foram reduzidos a, aproximadamente, 3,5 milhões. (RIBEIRO,
2016)
Dentre as várias conjeturas acerca da constituição do que se conhece como América Latina, aqui será
utilizada a referenciada pela Organização das Nações Unidas (ONU). É essa instituição que cria, em 1948,
um grupo com a intenção de incentivar a cooperação entre os países desse continente, e o denomina
Comissão Econômica para a América Latina, definido por Estados nacionais e territórios não independentes.
Por trás desse eufemismo, ‘territórios não independentes’, o que se esconde - por vezes em formas políticas-
jurídicas mais disfarçadas e, em outras, nem tanto – é a perpetuação econômica da condição colonial,
observada na continuidade do modelo que combina extrativismo e primarização dos principais produtos, e
a submissão dos países periféricos aos interesses estratégicos, políticos e militares, em disputa no mundo.
Nesse contexto se registra a permanência de situações que já causaram históricas comoções internacionais,
dada a inesgotável capacidade dos países europeus de transformar territórios em senzalas, quintais e bases

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militares, atestada pelas (re)definições políticas e geográficas das fronteiras mundiais, (re)desenhadas nos
mapas durante os séculos.
O artigo em pauta deriva da tese do primeiro autor, com orientação do segundo, e reflete sobre as
intervenções humanas que ocorreram nos países pesquisados - Argentina, Brasil, Chile e Equador – no
intervalo dos recentes Governos Progressistas e a partir de interesses contraditórios observados e das
relações de poder que os configuram. É no contexto do Bem Viver que se realizou o debate sobre as
alternativas políticas e econômicas propostas e praticadas na América do Sul. De forma associada e
complementar, foi no âmbito da Gestão Social que se avaliou as dificuldades e oportunidades do exercício
do controle social, enquanto alternativa democrática de organização da sociedade e do Estado. O texto
estrutura-se a partir desta introdução e de uma seção teórica sobre gestão social, controle social, bem viver
e desenvolvimento. Logo a seguir apresenta-se os procedimentos metodológicos utilizados para obter os
resultados e a discussão que embasaram as considerações finais dos autores, finalizando com as
referências bibliográficas pertinentes.

2. Gestão social


A gênese da gestão social é a negação da gestão estratégica. Nas palavras de Cançado, Pereira e Tenório
(2013, Apresentação), gestão social significa a “referência que contradiz o mainstream do pensamento
gerencial contemporâneo cuja origem é aquela de meados do século XIX quando a humanidade passou a
praticar não mais o valor de uso, mas o valor de troca”. Esse antagonismo, gestão estratégica x gestão
social, é o que define esta última. Nesse embate, Cançado, Sausen e Vilela (2013) chamam a atenção para
duas questões preliminares. Inicialmente, apontam que a “gestão estratégica, por ser hegemônica no mundo
do trabalho (Ramos, 1989, Gurgel, 2003, Aktouf, 2004), pode parecer, por vezes, como o único tipo de
gestão possível em nossa sociedade”. Por outro lado, indicam o risco de se perceber a gestão social uma
panaceia para todos os males. Para eles, trata-se de afirmar a gestão social como “um modo de gestão a
ser considerado, quando se tem a perspectiva da esfera pública e, consequentemente, do bem comum”.
(CANÇADO, SAUSEN e VILELA 2013, p. 86)
Ainda em Cançado, Pereira e Tenório (2013,p.132) gestão social é definida como “a tomada de decisão
coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e entendimento
esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação como fim”. Após
identificar as Categorias Teóricas presentes na literatura sobre gestão social, e com a intenção de organizá-
las para facilitar o entendimento das suas inter-relações, estes autores apresentam a seguinte
hierarquização das mesmas:

1) Interesse Bem Compreendido, ponto de partida da Gestão Social que abriga outras duas
categorias complementares, quais sejam, a solidariedade e a sustentabilidade; 2) Esfera
Pública será tratada como uma categoria intermediária do processo de Gestão Social, pois
constitui o lócus e condição essencial de seu desenvolvimento. Além disso essa categoria
abriga outras complementares: Comunidades de Prática, Democracia Deliberativa,
Dialogicidade, Interorganizações, Intersubjetividade e Racionalidade; 3) Emancipação,por
fim, é o ponto de chegada e de retroalimentação da Gestão Social. Portanto, consideramos
que a Gestão Social como processo se fundamenta teoricamente em três grandes
categorias que se articulam em uma sequência ascendente, qual seja: interesse público;
esfera pública e emancipação social (CANÇADO, PEREIRA, TENÓRIO, 2013 p.139)

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Aqui se evidenciará duas questões, elencadas na citação acima: i) Ao tratar de Emancipação,os autores
inscrevem essa categoria teórica na tradição marxista e na teoria crítica, “no sentido de ser a libertação de
uma dominação opressora, baseada nas relações de produção e reprodução da vida” (CANÇADO,
PEREIRA e TENÓRIO,2013, p.165); ii) ao apresentarem a categoria complementar Democracia Deliberativa
como o método de decisão proposto para o contexto da gestão social, os autores compartilham do trabalho
realizado por Lüchmann (2007), onde a pesquisadora evidencia, baseada nas experiências dos Conselhos
Gestores e Orçamentos Participativos no Brasil, a relação entre participação e representação. Segundo eles
“a autora mostra que a participação não substitui, mas reconfigura a representação, constituindo-se,
inclusive, a participação como chave da boa representação” (CANÇADO, PEREIRA, TENÓRIO, 2013, p.
153). Nesse sentido, criticam os descaminhos da Democracia Representativa na América Latina, mas não
negam esse espaço essencial de decisão política, e ratificam os arranjos apontados por Lüchmann (2007)
como detentores de potencial emancipador, que podem se constituir em ambientes inovadores e
pedagógicos, do ponto de vista da participação e controle social. Para eles, “organizações como os
Conselhos Gestores e o Orçamento Participativo, que podem ser considerados como embriões de esferas
públicas, e outros arranjos que porventura venham a ser criados no sentido de ampliar a democracia
participativa, são, em si, uma escola, apesar de seus inegáveis problemas.”(CANÇADO, PEREIRA E
TENÓRIO, 2013, p. 155)
Como se pode perceber, o debate proposto pela gestão social, em última instância, é sobre poder, verbo e
substantivo. Sobre as operações e ingerências que deveriam acontecer nos fóruns decisórios.
Resumidamente, são duas grandes questões: em que ambientes devem se dar as definições político-
administrativas sobre a produção e distribuição das riquezas? Quais interesses devem ser priorizados?
Nesse sentido, deve-se reconhecer que

O tema gestão social tem sido objeto de estudo e prática muito mais associado à gestão de
políticas sociais, de organizações não governamentais, de combate à pobreza e até
ambiental do que à discussão e possibilidade de uma gestão democrática, participativa.
Portanto, […] entenderemos gestão social como o processo gerencial participativo onde a
autoridade decisória é compartilhada entre os envolvidos na ação. (TENÓRIO, 2016, p.13)


3. Controle social

Segundo Allebrandt (et al 2018, p. 49), “Controle Social é um elemento da gestão social e indica, portanto,
a participação da sociedade civil na elaboração, acompanhamento e verificação (ou monitoramento) das
ações de gestão pública. [...] Ou seja, controle social é a sociedade controlando o Estado.” Destaca-se,
também, em Allebrandt (et al 2018), a compreensão de controle social como um dos aspectos mais
importantes da vida em sociedade, dado o potencial de colaboração para o estabelecimento e manutenção
da crença na Democracia, enquanto um ambiente político capaz de promover melhorias na qualidade de
vida da população, sem detrimento da liberdade e dos direitos fundamentais, a partir da refundação do
Estado e, consequentemente, reorganização do seu modus operandi.
Outro autor referenciado no debate sobre controle social é Vanderlei Siraque. A fim de acompanhar a
discussão que ele apresenta deve-se, introdutoriamente, demarcar algumas questões que atravessam essa
polêmica. Para ele, por exemplo, “O Estado [...] é uma entidade jurídica criada pela organização política de
um agrupamento de indivíduos, denominado povo, o qual tem força, poder suficiente e capacidade de
agregação para manter este grupo organizado e coeso em torno de certos objetivos”, e obter
reconhecimento internacional (SIRAQUE, 2004, p. 34). Dada essa definição, acrescenta: “O povo não é um
conjunto homogêneo de pessoas. Existem contradições e diferenças econômicas, políticas, ideológicas,

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culturais, religiosas, de nível de informação e formação.” Essas contradições e diferenças são resolvidas na
medida em que os grupos se organizam e disputam o Estado. Desta maneira, aqueles que ocupam as
funções legislativas, administrativas e jurisdicionais conseguem impor “suas vontades na formação da lei,
da atividade administrativa e na interpretação definitiva do ordenamento jurídico com o fito de aplicar as
sanções jurídicas, conforme a ótica estabelecida pela hegemonia deste grupo”. (SIRAQUE, 2004, p. 35)
A importância das definições acima é dada pelo fato de que o controle social almejado acontece,
estritamente, no âmbito do Estado e dos Governos. Portanto, preliminarmente, é imprescindível caracterizar
esses ambientes institucionais – considerando as suas peculiaridades políticas, geográficas e temporais - a
fim de construir o contexto e a conjuntura da análise. Para Siraque (2004, p. 37), o controle social das
atividades do Estado é “[...] uma luta incessante da humanidade. É direito humano fundamental da primeira
geração, também denominado de liberdades públicas, direitos e garantias individuais, direitos de resistência,
direitos civis, direito público subjetivo” e a observação histórica nos permite concluir que a “humanidade
conquistou os direitos fundamentais por meio da luta, da organização, da conscientização das pessoas e da
capacidade de aglutinação daqueles seres humanos que desejavam a liberdade, a igualdade e se
preocuparam com seus semelhantes […].”
Ao elencar os fatores que promovem o controle social do Estado, no Brasil, Siraque (2004) aponta o
orçamento participativo, o planejamento participativo, os conselhos de políticas públicas, as organizações
da sociedade – Organizações não Governamentais (ONGs)/Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPs)/Organizações Sociais (OS) - a eletrônica, as ouvidorias e os meios de comunicação como
mecanismos de participação popular e controle.
Sobre o primeiro fator, o autor avalia que, independente do conceito que se tenha sobre orçamento
participativo, trata-se de uma partilha de poder político. E só “pode partilhar poder quem tem o poder jurídico
de elaborar o orçamento objeto da participação. No caso, estamos interessados no orçamento dos entes do
Estado; isto é, o orçamento público, aquele cuja receita advém dos tributos arrecadados dos contribuintes”.
(SIRAQUE, 2004, p. 129). Quanto ao planejamento participativo, segundo fator elencado, o autor observa a
existência, entre os instrumentos jurídicos de planejamento, das leis (i) do Plano Plurianual, (ii) de Diretrizes
Orçamentárias, (iii) do Orçamento Público, e (iv) do Plano Diretor, “previstos nos artigos 165 e 182 da
Constituição, os quais foram regulamentados, respectivamente, pela Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal) e pela Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).” Reforçando a sua avaliação sobre
esses dois fatores, ressalta-se que, para ele, “O planejamento participativo ao lado do orçamento
participativo é uma verdadeira revolução na formulação de políticas públicas, tendo em vista o seu caráter
pedagógico e a inclusão de todos os interessados, sem exceção, na sua elaboração”(SIRAQUE, 2004, p.
132).
Aproveitando o conhecimento dos leitores sobre o papel nefasto dos meios de comunicação, nos quesitos
participação e controle social, e sobre a ampliação das oportunidades geradas pelas Ouvidorias e pela
internet3, apresenta-se, a seguir, os fatores limitadores do controle social observados por Siraque (2004).
Para ele, o clientelismo político, o tráfico de influências, o assistencialismo e o paternalismo político, as
dificuldades de acesso ao Poder Judiciário e às informações públicas, além da falta de tradição participativa
e de fiscalização, formam a cultura política de uma espécie de ‘Estado paralelo’: uma área de sombra na
sociedade, com características patrimonialistas, acessível quando se transita do ‘estado de direito’ para o
‘estado de exceção’.
Para Anibal Quijano os Estados na América são constituídos em bases racistas, autoritárias, sexistas e
coloniais – aí incluindo-se a exploração escravocrata do trabalho e a alienação dos recursos e dos produtos.
As elites locais não possuem condições, nem interesses – dada a formação subordinada das estruturas

3 Em que pese o fato dos ambientes virtuais prestarem, recentemente, um desserviço às democracias representativas,
como no caso das manipulações de opiniões nas eleições deTrump (EUA) e Bolsonaro (Brasil).

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políticas e econômicas - em reproduzir os Estados Nacionais tal qual formatados na Europa. Embora teórica
e idealmente os apresentem como modelos, o que a análise histórica permite concluir é que propugnam por
caricaturas deles, desfeitas por golpes e manipulações da democracia sempre que seus negócios –
aplicações, mercados e mercadorias - ou os de quem representam, são ou podem ser questionados
(QUIJANO, 2014a).

4. Bem viver

No livro ‘Alternativas sistêmicas’4 (2018) Pablo Solón expõe o Bem Viver como um conceito cuja força, “em
comparação com outras alternativas, está nos seguintes elementos: sua visão do todo ou da Pacha; a
convivência na multiporalidade; a busca do equilibrio; a complementaridade da diversidade; (e) a
descolonização” (SOLÓN, 2018, p. 23). Antes dele, Alberto Acosta definiu Bem Viver como “[...] uma filosofia
de vida que abre as portas para a construção de um projeto emancipador” (ACOSTA, 2016, p. 40). Nesse
mesmo livro (Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos/2016), Celio Turino consegue, no
brevíssimo ‘Prefácio à edição brasileira’ apresentar, em dois momentos, esclarecedoras questões para o
entendimento dessa ‘filosofia’. Inicialmente, Turino faz um alerta

Algum leitor apressado poderia pensar tratar-se de um princípio restrito ao ambiente andino
ou amazônico, mas não: o Bem Viver é uma filosofia em construção, e universal, que parte
da cosmologia e do modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais diversas
culturas. Está entre nós, no Brail, com o teko porã dos guaranis. Também está na ética e
na filosofia africana ubuntu – “eu sou porque nós somos”. Está no ecossocialismo, em sua
busca por ressignificar o socialismo centralista e produtivista do século 20. Está no fazer
solidário do povo, nos mutirões em vilas, favelas ou comunidades rurais e na minga ou mika
andina. Está presente na roda de samba, na roda de capeira, no jongo, nas cirandas e no
candomblé. Está na Carta Enciclíca Laudato Si do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado
da Casa Comum
. (ACOSTA, 2016)

Já Quijano contextualiza o início da formação dessa ‘filosofia’ afirmando que o Bem Viver “es,
probablemente, la formulación más antigua en la resistencia “indígena” contra la Colonialidad del Poder”,
presente no texto Nueva Crónica y buen gobierno, de autoria de Guamán Poma de Ayala, datado de,
aproximadamente, 1615 (QUIJANO, 2014b, p. 847). Complementando essa apresentação destaca-se, na
contracapa do livro Descolonizar o imaginário (2016) a análise que Carlos Walter Porto-Gonçalves faz sobre
o Bem Viver, proposto por Solón, Acosta, Turino e Quijano, entre outros, como

[…] parte da densidade teórico-prática desse continente que já nos deu tantas
contribuições teóricas de ponta – como a teoria da dependência, a pedagogia do oprimido,
a filosofia da libertação, a ecologia política desde os territórios (desde abajo), a teoria do
colonialismo interno, a teoria da autopoiesis, a teoria da investigação-ação participativa- e,
hoje, nos oferece a “luta pela vida, dignidade e pelo território”, que nos aponta ao Estado
Plurinacional, ao Bem Viver, à interculturalidade, à natureza como bem comum. (PORTO-
GONÇALVES, 2016).


4“A complementaridade entre o Bem Viver, o decrescimento, os comuns, o ecofeminismo, os direitos da Mãe Terra, a
desglobalização e outras propostas busca enriquecer cada um desses enfoques, criando interações cada vez mais
complexas que ajudam no processo de construção de alternativas sistêmicas. O objetivo não é apresentar uma alternativa
totalizante, mas desenvolver múltiplas alternativas holísticas que se entrelacem e se articulem.”(SOLÓN 2018)

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Definindo-se os fundamentos do Bem Viver a partir de quatro eixos – colonialidade do poder, direitos da
natureza, reforma do estado e alternativa ao desenvolvimento – e da interrelação entre eles, seus
antagonismos podem ser descritos, resumidamente, da seguinte forma: o eixo que trata da colonialidade do
poder se contrapõe à epistemologia eurocêntrica e coloca em pauta, de forma inovadora, entre outras
questões, a racial. O eixo que trata dos direitos da natureza distingue a exploração ambiental, nos moldes
observados a partir do processo da revolução industrial, como condutora da humanidade para uma situação
que aponta, não só para a extinção de algumas espécies mas, em última análise, da própria sobrevivência
humana, tal qual se conhece. É nesse contexto que emerge e se justifica o debate que gerou a inclusão dos
direitos da natureza, a partir de 2008, na Constituição do Equador (PARRA et AL, 2019). Ainda sobre a
reforma do estado, percebe-se que para os adeptos do Bem Viver trata-se de pensar a gestão pública para
além do autoritarismo, do patriarcalismo e do racismo, a partir da ótica dos movimentos sociais
emancipatórios. Como afirma Miriam Lang, o desafio é utilizar e “também transformar profundamente os
próprios aparatos estatais e as relações entre Estado e sociedade – e para isso é necessário contar com
uma sociedade fortemente organizada, autônoma, capaz de pressionar legitimamente os atores estatais”
(LANG, 2016, 41).
Desta maneira, depois de descaracterizar o Estado como único campo de ação política capaz de promover
mudanças estruturais, Acosta (2016, p. 26) indica a necessidade de repensá-lo em termos plurinacionais e
interculturais. Segundo ele, “há que se construir uma institucionalidade que materialize o exercício horizontal
do poder” com a perspectiva de construção de um outro mundo, “pensado e organizado comunitariamente
a partir dos Direitos Humanos – políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais dos indivíduos, das
famílias e dos povos – e dos Direitos da Natureza.”
Como se pode deduzir, os eixos da colonialidade do poder, dos direitos da natureza e da reforma do estado
convergem para a reorganização da economia – tema abordado no próximo tópico - e, no mesmo compasso,
processual e ciclicamente, reorganização da sociedade, em bases não capitalistas, na medida em que
combatem as teses e os comportamentos desenvolvimentistas - ‘produtivismo’ e ‘progresso’ - extrativistas5
e excludentes, próprios ao neoliberalismo.

5. Desenvolvimento

Os interesses econômicos, sociais e políticos - que se manifestam nas cotidianas e infindáveis disputas pelo
poder - transformam suas necessidades em desejos, ideologias, mitos, crenças e tabus, construindo
hegemonias que deixam em desvantagem inicial, nos debates, os que pretendem contestá-los. Este é o
caso do ideário desenvolvimentista. Quem é contra o desenvolvimento? Um objetivo, aparentemente, tão
necessário, generoso, associado à melhoria de qualidade de vida, justiça, riquezas, ciência, tecnologia,
democracia e até à sustentabilidade, pode ser contestado? Quem, de sã consciência, se oporia a isso? De
acordo com Marcelo Argenta Câmara, o desenvolvimento

É quase uma obsessão, onipresente nos discursos proferidos por órgãos públicos estatais,
por instituições privadas, por organismo multilaterais ou mesmo no senso comum. É o
objetivo sempre buscado, a justificativa para os mais diversos tipos de empreendimento.


5 “[...] extrativismo é sinônimo de extração desenfreada de recursos naturais, sem preocupação com a sustentabilidade.
Assim, quando se lê extrativismo, os autores estão se referindo à remoção de grandes volumes de recursos naturais
destinados à exportação, não se limitando aos produtos minerais ou ao petróleo. Trata-se de uma ênfase na
reprimarização da economia, que, para ser efetivada, quase sempre requer um sistema político pouco democrático. Sem
diálogo com as necessidades locais do território, necessita de um Estado repressor para impor sua racionalidade diante
de qualquer dissidência e, dessa maneira, manter uma divisão desigual de seus rendimentos.”(LANG, 2016, p. 20)

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Da geração de energia à ampliação da infraestrutura de transportes, da instauração de
megaprojetos de mineração à expansão do agronegócio, variadas são as iniciativas que
trazem consigo o desenvolvimento como objetivo. Embasados sob essa justificativa, esses
diversos projetos buscam atingir uma condição de consenso ou de incontestabilidade.
Afinal, quem não quer ser desenvolvido? (CÂMARA, 2017, p. 252)

O início da utilização política dos conceitos de desenvolvimento/subdesenvolvimento, tal qual é feita até
hoje, possui um marco histórico assinalado pelo discurso de posse do presidente Harry Truman, por ocasião
do seu segundo mandato (1945-1953), assim analisado por Gustavo Esteva,

Al usar por primera vez en este contexto la palabra 'subdesarrollo', Truman cambió el
significado de desarrollo y creó el emblema, un eufemismo, empleado desde entonces para
aludir de manera discreta o descuidada a la era de la hegemonía norteamericana. [...] El
subdesarrollo comenzó, por tanto, el 20 de enero de 1949. Ese día, dos mil millones de
personas se volvieron subdesarrolladas. En realidad, desde entonces dejaron de ser lo que
eran, en toda su diversidad, y se convirtieron en un espejo invertido de la realidad de otros:
un espejo que los desprecia y los envía al final de la cola, un espejo que reduce la definición
de su identidad, la de una mayoría heterogénea y diversa, a los términos de una minoría
pequeña y homogeneizante. (ESTEVA, 1996, p. 53)

A definição de desenvolvimento / sudesenvolvimento, nos termos acima, impregnado do modelo de
sociedade norte-americana (American way of life) e valores eurocêntricos, estabeleceu um sentido para o
mundo e uma “estrutura de dominação dicotômica: desenvolvido-subdesenvolvido, pobre-rico, avançado-
atrasado, civilizado-selvagem, centro-periferia.” (ACOSTA, 2016, p. 46). E foi nesse contexto que se
justificaram as criações de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e
outras formas de intervenção, como as de caráter militar. “Desarrollo fue, sobre todo en el debate
latinoamericano, el término clave de un discurso político asociado a un elusivo proyecto de desconcentración
y redistribución relativas del control del capital industrial, en la nueva geografía que se configuraba en el
capitalismo colonial-moderno global […]” (QUIJANO, 2014a, p. 848).
Passadas sete décadas, pode-se dizer que a aplicação do receituário desenvolvimentista revelou enormes
dificuldades de sucesso. Como afirma Acosta “o desenvolvimento, enquanto reedição dos estilos de vida
dos países centrais, é irrepetível em nível global” uma vez que o sistema é baseado na maximação de
resultados, redução de custos e acumulação incessante de capital. “Tal estilo de vida consumista e
predador, ademais, está colocando em risco o equilíbrio ecológico. E, cada vez mais, marginaliza massas
de seres humanos de suas supostas vantagens. Nem sequer a fome – que não é uma questão de falta de
alimentos – foi erradicada no planeta.” (ACOSTA, 2016, p. 50)
Diante desse quadro, quais são as alternativas ao desenvolvimento? Nas considerações apresentadas por
Miriam Lang destaca-se, inicialmente, a resistência aos “empreendimentos extrativos, ou a megaprojetos
funcionais a eles. Em muitos casos, defender um modo de vida relativamente autossuficiente e resistir a ser
espoliado das condições materiais que o tornam possível já representa em si mesmo, uma alternativa ao
desenvolvimento
.” Nesses ambientes, as estratégias populares/comunitárias de defesa, produção e controle
das áreas se revelam as mais adequadas. Desta forma, ao se negarem a participar da “elaboração
institucional de “planos de desenvolvimento”, muitos territórios colombianos, por exemplo, decidiram
elaborar planos de vida a partir de baixo […]” (LANG, 2016, p. 42). Compartilhando desse entendimento,
Acosta sustenta que

O Bem Viver [...] caracteriza-se como uma versão que supera os desenvolvimentos
“alternativos” e tenta ser uma “alternativa ao desenvolvimento”. É uma opção radicalmente

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distinta a todas as ideias de desenvolvimento – e que inclusive dissolve o conceito de
progresso em sua versão produtivista. Portanto, o Bem Viver sintetiza uma oportunidade
para construir outra sociedade, sustentada na convivência do ser humano, em diversidade
e harmonia com a natureza, a partir do reconhecimento dos diversos valores culturais
existentes em cada país e no mundo. (ACOSTA, 2016, p. 84)


6. Procedimentos metodológicos

Com o propósito de descrever e analisar, em que medida, as institucionalidades e práticas de Controle
Social ocorridas na Argentina, Brasil, Chile e Equador, no período 2014 / 2017, favoreceram a participação
cidadã nos processos de planejamento e acompanhamento de investimentos públicos, programas e projetos
sociais definiu-se as seguintes metas preliminares: (i) analisar os marcos legais e os processos operacionais
vinculados ao Controle Social na Argentina, Brasil, Chile e Equador; (ii) identificar o envolvimento das
Instituições de Ensino Superior (IES), pesquisadas, nos processos de elaboração, execução e avaliação
das Políticas Sociais; (iii) situar o período das entrevistas realizadas na história do subcontinente; (iv)
aproximar os paradigmas da Gestão Social e do Bem Viver, a fim de se construir referências para uma
abordagem sobre as iniciativas econômicas, políticas e sociais que aconteceram no período e nos países
referidos nas entrevistas.
Deve-se salientar que o artigo deriva do Projeto Gestão Social e Cidadania: O Controle Social no
Desenvolvimento Regional (2014 / 2018), implementado pelo Programa de Estudos em Gestão Social /
Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas / Fundação Getúlio Vargas (PEGS / EBAPE /
FGV); pelo Programa de Pós-graduação Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária / Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCTIA / UFRRJ); e pelo Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Regional / Universidade Federal do Tocantins (PPDT / UFT) e, como tal, promove a análise
das entrevistas – abertas e semiestruturadas - realizadas pelos pesquisadores do referido Projeto, na
Argentina (Nov 2016/total de 11), Chile (Dez 2015/total de 12), Equador (Set 2014/total de 12) e Brasil
(2016/total de 41), onde contou com o apoio do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas
Públicas, Desenvolvimento, Comunicação e Cidadania / Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul (GPDeC / UNIJUI)6. A abordagem dos textos – entrevistas, pesquisa bibliográfica e
pesquisa documental – se pautou pela Hermenêutica-Dialética, método de análise qualitativa, conforme
proposição de MINAYO (2013).

7. Resultados e Discussão
A análise realizada, referenciada nos paradigmas do Bem Viver e da Gestão Social, apontou para a
consistência de uma crise sistêmica mundial – econômica, social e ambiental – enraizada no
desenvolvimentismo, extrativismo, financismo, racismo e patriarcalismo, onde o capitalismo apresenta
extraordinária capacidade de se perpetuar, desequilibrando a natureza e estimulando um contexto distópico.
Um sistema com grande capacidade de se ressignificar, como pode ser visto no debate sobre


6As entrevistas na Argentina e Chile contaram com a participação de Airton Cardoso Cançado, Fernando Guilherme
Tenório e Lamounier Erthal Vilella. Da mesma forma, as realizadas no Equador também contaram com a participação
de Cezar Augusto Miranda Guedes. As entrevistas no Brasil constam da Dissertação de Mestrado de Taciana Angélica
Moraes Ribas - Controle Social do Desenvolvimento Regional à luz da Gestão Social no âmbito do COREDE Missões
- GPDeC / UNIJUI.

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desenvolvimento, seus adjetivos – local, sustentável - e âncoras – produtivismo 7 e progresso. Como
também, nas suas heranças dos tempos formais de colonialismo - o extrativismo, o patriarcalismo e o
racismo. Como se apresenta no quadro 1, ainda hoje, o capitalismo impõe aos países analisados uma
modalidade de acumulação que vem se metamorfoseando há 500 anos, mas fundamentado num viés
primário-exportador ou no que, contemporâneamente, denominamos mais amplamente de commodities,
que pode incluir alguns segmentos industriais intensivos em energia e/ou mão de obra barata.

Quadro 1 – Principais exportações– Argentina / Brasil / Chile / Equador - ano referencial 2017.
ARGENTINA 2017
1) Tortas e outros
resíduos sólidos da
extração do óleo de
soja ($9,2 Bilhão)
2) Milho
$4,05 Bilhão)
3) Óleo de soja e
respectivas frações,
mesmo refinados,
mas não
quimicamente
modificados
($3,88 Bilhão)

BRASIL 2017
1) Soja, mesmo
triturada ($25,9 Bilhão)
2) Minérios de ferro e
seus concentrados,
incluídas as pirites de
ferro ustuladas (cinzas
de pirites)
($20,1 Bilhão)
3) Óleos brutos de
petróleo ou de
minerais betuminosos
($17,4 Bilhão)

CHILE 2017
1) Minérios de cobre e
seus concentrados
($16,6 Bilhão)
2) Cobre afinado e
ligas de cobre, em
formas brutas
($14,9 Bilhão)
3) Filés de peixes e
outra carne de peixes
(mesmo picada),
frescos, refrigerados
ou congelados
($2,86 Bilhão)

EQUADOR 2017
1) Óleos brutos de petróleo ou
de minerais betuminosos
($5,63 Bilhão)
2) Bananas frescas ou
secas ($3,38 Bilhão)
3) Crustáceos, mesmo sem
casca, vivos, frescos,
refrigerados, congelados, secos,
salgados ou em salmoura;
crustáceos com casca, cozidos
em água ou vapor, mesmo
refrigerados, congelados, secos,
salgados ou em salmoura;
farinhas, pó e pellets de
crustáceos ($3,06 Bilhão)

Fonte: The Observatory of Economic Complexity8
É nesse contexto, interpreta Quijano, sem conseguir se livrar das amarras patrocinadas pelas questões
teóricas, sociais e econômicas impostas pela colonialidade do poder, que assistimos às transformações que
acontecem na economia mundial: a revolução científica tecnológica e a redução das necessidades de força
de trabalho; a financeirização estrutural; a mudança ética / política presente na versão eurocêntrica de
"Colonialidade / Modernidade"; a ascensão e a queda do nazi-fascismo; a desintegração do colonialismo
europeu na Ásia e na África; a prosperidade das burguesias e camadas médias dos países europeus e
americanos; o impacto dos movimentos sociais da década de 1960; a crise do socialismo; e a globalização9.
Com a perspectiva de superar as dominações econômicas, políticas, sociais, ambientais e culturais, Quijano
aponta seis sugestões que devem conduzir as práticas do Bem Viver, enquanto uma contínua produção
democrática da existência social. Diz ele:

Para desarrollarse y consolidarse, la Des/Colonialidad del poder implicaría prácticas
sociales configuradas por: a. la igualdad social de individuos heterogéneos y diversos,
contra la desigualizante clasificación e identificación racial/sexual/social de la población


7 “O produtivismo invisibiliza os trabalhos de reprodução e cuidado. O lar e a família, a alimentação, a limpeza, o apoio
efetivo, a manutenção dos aspectos comunitários são trabalhos reprodutivos, fundamentalmente levados a cabo por
mulheres e ignorados pelo produtivismo, interessado apenas em bens ou serviços que possam ser mercantilizados. (...)
Precisamos não apenas reconhecer e recompensar o trabalho reprodutivo desempenhado pelas mulheres no lar e nas
comunidades, mas promover esse trabalho a uma escala inédita.” (SOLÓN, 2019, p.211)
8Disponível em: <https://oec.world/pt/>. Acesso em 5 fev. 2019.
9A Globalização é o culminar de um processo iniciado com o ‘descobrimento’ da América e a construção do capitalismo
colonial, enquanto modelo de subjugação imposto ao mundo, baseado na classificação social da população, a partir da
idéia de raça. Essa construção mental atravessa o período entre o ‘descobrimento’ e os dias de hoje, e fundamenta a
racionalidade eurocêntrica. (QUIJANO, 2014a)

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mundial; b. por consiguiente, ni las diferencias ni las identidades no serían más la fuente o
el argumento de la desigualdad social de los individuos; c. las agrupaciones, pertenencias
y/o identidades serían el producto de las decisiones libres y autónomas de individuos libres
y autónomos; d. la reciprocidad entre grupos y/o individuos socialmente iguales, en la
organización del trabajo y en la distribución de los productos; e. la redistribución igualitaria
de los recursos y productos, tangibles e intangibles, del mundo, entre la población mundial;
f. la tendencia de asociación comunal de la población mundial, a escala local, regional o
globalmente, como el modo de producción y gestión directas de la autoridad colectiva y, en
ese preciso sentido, como el más eficaz mecanismo de distribución y redistribución de
derechos, obligaciones, responsabilidades, recursos, productos, entre los grupos y sus
individuos, en cada ámbito de la existencia social, sexo, trabajo, subjetividad, autoridad
colectiva y co-responsabilidad en las relaciones con los demás seres vivos y otras entidades
del planeta o del universo entero. (QUIJANO, 2014ª, p. 857)

Destaca-se, entre as “prácticas sociales” expostas na citação acima, a última – “la tendencia de asociación
comunal de la población mundial”– dada a centralidade que apresenta na perspectiva da economia, da
política e da sociedade e a relação que possui com o paradigma da gestão social. Quijano, além de participar
da Comunidad Urbana Autogestionaria de Villa El Salvador, experiência que aconteceu no Peru, entre 1971
e 1983, observou a constituição de diversas iniciativas alternativas, na América Latina, referenciadas em
"nuevas prácticás sociales, de reciprocidad, de solidaridad, de equidad, de democracia, en instituciones que
se forman fuera del estado o contra él, es decir, como un privado antagonista del privado del capital y del
Estado del capital privado o de su burocracia.”(QUIJANO, 1988, p. 67). Desta maneira, demonstra afinidade
com o pensamento de Karl Marx, para quem a experiência da Comuna de Paris foi marcante e contribuiu
para a construção de um dos pilares da sua teoria, como se percebe em Thamy Pogrebinschi.

O conceito de comunidade erige-se em contraposição ao de Estado, mais precisamente em
contraposição ao moderno conceito de Estado. Essa ideia de comunidade encontra sua
melhor expressão enquanto forma de organização do político substitutiva da estrutura
estatal nas análises que Marx faz da Comuna de Paris. A ideia de comuna (que aqui tomo
como base do conceito de comunidade) desenvolvida em A Guerra Civil na França
constitui-se em germe de concretização possível da nova sociedade sonhada por Marx. A
comuna articula-se com o novo, como uma nova forma de organização social e política que
surge em oposição direta ao velho arranjo estatal. O antagonismo entre novo e velho, ou
entre comunidade e Estado, faz-se presente ao longo de todo o texto sob as mais variadas
formas. O que está em jogo na experiência da Comuna de Paris não é simplesmente a
tomada de poder ou a mera troca de titularidade em seu exercício. Trata-se efetivamente
de superar uma forma de poder (o “velho poder estatal”), uma forma de governo (o “velho
governo”) e a forma de organização política em que se baseiam (o “Estado moderno”). Por
isso, o novo precisa advir da ruptura, sem depender da conservação de uma estrutura
existente. (POGREBINSCHI, 2009, p. 147).

Antes das considerações finais registra-se, no quadro abaixo,um desdobramento da análise das entrevistas,
onde buscou-se facilitar a observação de algumas características institucionais, políticas e sociais que
influenciavam a participação e controle social nos países pesquisados.

Quadro 2 – Indicadores de participação social e controle social.

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INDICADORES DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL E CONTROLE SOCIAL
CHILE EQUADOR ARGENTINA BRASIL
Marco Legal
1.
Guia de Participación
Ciudadana en la Gestión
Municipal (2016 /
Instrutivo Presidencial
de Participación
Ciudadana); 2. Ley
18.695 Orgánica
Constitucional de
Municipalidades; 3. Ley
20.285 de
Transparencia;
4. Ley 19.418 de Junta
de Vecinos; 5. Ley
20.500 Sobre
Associatividad y
Participación Ciudadana
en la Gestión Pública; 6.
Constituición Política de
la República de Chile.
Orçamento
Participativo
Até 2016 era realizado
em, aproximadamente,
30 Municípios, com
institucionalidades
diversas. Passou a
contar com regulação
nacional a partir desse
ano.
Oportunidades
Nacionais
:
1.Unidades de
Participación Ciudadana;
2. Audiencias Públicas;
3. Presupuestos
Participativos; 4.
Cabildos Ciudadanos
sectoriales y territoriales;
5. Encuentros de
diálogos participativos;
6. Plataformas digitales
participativas; 7.
Atuação teórica e prática
das Universidades; 8.
Eleições para os
Executivos e
Legislativos.
Municipais:
1. Marco Legal común
para todas las
Asociaciones sin fines
de lucro, y creación de
en Fondo para su
fortalecimiento; 2.

Marco Legal
1. Constituição de
Montecristi;
2. Sistema de
Participación Ciudadana;
3.Codigo Organico
Organización Territorial,
Autonomia
Descentralización;
4.Ley Orgánica de
Participación Ciudadana;
5. Sistema Nacional de
Descentralizado de
Planificación Participativa;
6. Sistema Nacional de las
Finanzas Públicas.
Orçamento Participativo
Política pública de âmbito
Nacional, Cantonal e
Paroquial.
Oportunidades
Nacionais
:
1. Constituição Federal
(Audiências Públicas;
Veedurías; Assembleas,
Cabildos Populares;
Consejos Consultivos;
Observatorios);
2. Legislação Federal
(Comissiones Ciudadanas
de Selección de
Autoridades; Comitês de
Usuárias e Usuários;
Rendición de Cuentas;
Silla Vacia; Presupuestos
Participativos; Mesas de
Diálogo)
3. Legislação Eleitoral;
4.Capilaridade das
Universidades Públicas.
5. Eleições para
Executivos e Legislativos.
Municipais:
(Cantões/Paróquias):
1.Reconhecimento da
importância da
participação social;
2.Legislação
Cantonal/Paroquial
Participativa, referenciada

Marco Legal
1.
Decreto 1.172 (Mejora
de la calidad de la
Democracia y de sus
Instituciones 03/12/2013);
2. Ley 14.449 (Acceso
Justo al Hábitat); 3.
Constituição Federal de
1994; 4. Constituciones
Provinciales; 5. Cartas
Orgánicas Municipales;
6. Leyes Orgánicas
Municipales.
Orçamento Participativo
Rosário, Morón, La Plata,
San Miguel, Bella Vista,
Ciudad de Córdoba,
Godoy Cruz, Cañada de
Gómez, Santa Fe,
Mercedes, Corrientes,
Cerrito, Entre Ríos Cidade
de Buenos Aires;
Córdoba.
Oportunidades
Nacionais
:
1. Conjunto de
experiências – projetos e
programas – realizado; 2.
Atuação teórica e prática
das Universidades; 3. As
Universidades atuam em
rede (Universidad de
Cuyo, Universidad del
Salvador, Universidad
Tres de Febrero); 4.
Eleições para os
Executivos e Legislativos.
Municipais:
1.
Reconhecimento da
importância da
participação social; 2.
Apoio para
implantação/fortalecimento
de projetos municipais; 3.
Consultas populares; 4.
Conselhos setoriais; 5.
Políticas estaduais;
Dificuldades
Nacionais:
1.
Memória institucional
inadequada; 2. Acesso à
informação pública;
3. Descontinuidade de
ações governamentais;

Marco Legal
1.
Constituição Federal de
1988; 2. Constituições
Estaduais; 3. Leis Orgânicas
Municipais;
Orçamento Participativo
A proposta de Orçamento
Participativo iniciou-se em
Porto Alegre / RS.
Posteriormente, ampliou-se
a iniciativa para a
competência do Governo
Estadual, com a criação das
Comissões Municipais de
Desenvolvimento.
Oportunidades
Nacionais
:
1. Constituição Federal
(Audiências Públicas;
Plebiscitos; Referendos;
Leis de Iniciativa Popular) 2.
Legislação Eleitoral; 3.
Políticas Nacionais e
Estaduais Setoriais
Participativas (conselhos,
conferências e fundos); 4.
Controladoria Geral da
União; 5. Plataformas
digitais participativas; 6.
Atuação teórica e prática
das Universidades; 7.
Presença de Universidades
Comunitárias; 8. Eleições
para os Executivos e
Legislativos.
Municipais:
1.Legislação Municipal
Participativa (Audiências
Públicas; Plebiscitos;
Referendos; Leis de
Iniciativa Popular); 3.
Políticas Municipais
Setoriais Participativas
(conselhos, conferências e
fundos); 5. Plataformas
digitais participativas;
Dificuldades
Nacionais
:
1.Organização política-
administrativa do Estado:
centralizadora, privatizada e
autoritária; 2. Atuação de
milícias e traficantes nas
cidades, e de grupos
paramilitares no campo; 3.

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Ordenanza y
mecanismos de
participación en la
Gestión Municipal; 3.
Consejo Comunal de
Organizaciones de la
Sociedad Civil; 4. Oficina
de Información,
Reclamos y Sugerencias
(OIRS); 5. Plebiscitos
Comunales; 6.
Audiencias Públicas
Dificuldades
Nacionais:
1.Organização política-
administrativa do
Estado: centralizadora,
privatizada e autoritária;
2. As Universidades não
atuam em rede; 3.
Deterioração dos
vínculos entre eleitores e
seus representantes; 4.
Paternalismo; 5. Alto
índice de abstenções
eleitorais;
Municipais:
1.
Limitada autonomia
local; 2. Baixo Capital
Social; 3.
Descontinuidade das
ações;

na Constituição e
Legislação Federal;
3.Apoio para
implantação/fortalecimento
de projetos
cantonais/paroquiais;
Dificuldades
Nacionais:
1.Institucionalização de
um Estado Plurinacional e
Intercultural;
2.Formação de uma nova
burocracia;
3.Desarticulação política
dos atores sociais
protagonistas da nova
ordem;
4.As Universidades não
atuam em rede;
5.Presença de Extensão
só nos cursos de
Medicina, Direito e
Agropecuária.
6. Desarticulação política
dos atores sociais
protagonistas da nova
ordem;
Municipais
(Cantões/Paróquias):
1.
Articulação
Cantonal/Paroquial dos
atores sociais das políticas
participativas;

4. Ausência de políticas
Nacionais; 5.
Desarticulação de
instâncias nacionais,
estaduais e municipais; 6.
A extensa carga de
atividades desenvolvidas
pelos professores:
docência, pesquisa,
gestão e extensão; 7.
Deterioração dos vínculos
entre eleitores e seus
representantes;
Municipais: 1.
Ausência de Arquivos
Municipais estruturados; 2.
Cultura individualista; 3.
Baixa institucionalidade
dos mecanismos de
Consulta Popular e
Conselhos Municipais; 4.
Limitação das iniciativas e
autonomias populares; 5.
Ausência de políticas
setoriais nacionais;

Atuação política
conservadora de grupos
religiosos; 4. Descenso do
movimento social; 5.
Desatualização, influência
econômica e
conservadorismo das
normas político-partidárias;
6. Deterioração dos vínculos
entre eleitores e seus
representantes e alto índice
de abstenções eleitorais;
7.As Universidades não
atuam em rede. 8.
Deterioração dos vínculos
entre eleitores e seus
representantes e alto índice
de abstenções eleitorais; 9.
Assistencialismo,
clientelismo e compra de
votos; 10. Atuação política
conservadora de grupos
religiosos;
Municipais:
1.
Baixo Capital Social; 2.
Descontinuidade das ações;
3. Descenso do movimento
social;

Fonte: elaborado pelo autor

8. Considerações finais


Este artigo descreveu e analisou, em que medida, as institucionalidades e práticas de controle social
ocorridas na Argentina, Brasil, Chile e Equador, no período 2014/2017, favoreceram a participação cidadã
nos processos de planejamento e acompanhamento de investimentos públicos, programas e projetos
sociais. E confirmou a hipótese – observada em maior escala no Equador - que as práticas e os conceitos
de controle social nos países pesquisados se diferenciavam, mas tinham como denominador comum o
fortalecimento dos vínculos societários e a gestão do território.

Assim, as perspectivas de dialogar com e dar publicidade para as experiências democráticas estavam
presentes desde a concepção desse trabalho. E o resultado indica, como as considerações proporcionadas
revelam, que apesar dos interesses econômicos regressivos que interferem no subcontinente desde os
primeiros passos do colonialismo, existem movimentos – políticos, religiosos, sociais e ambientais - que se

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organizam com a intenção de construir alternativas que respeitem o lugar, o tempo, o espaço e a cultura
das pessoas.
Inicialmente, percebe-se que o debate, a partir do paradigma do Bem Viver, indica a necessidade de
construção de novas epistemologias e ontologias que contribuam para as motivações emancipatórias
inclusas, ora explicitamente, ora implicitamente, tanto nos objetivos presentes nas alternativas sistêmicas –
decrescimento, ecofeminismo, direitos da mãe Terra, comuns, desglobalização, ecossocialismo, soberania
alimentar, economia solidária e Ubuntu - quanto na radicalidade democrática das propostas gerenciais que
a gestão social sistematiza e indica. Para que se observe o sucesso dessa nova empreitada teórica há que
se promover a sua desvinculação do pensamento definido como eurocêntrico, que conduz as análises da
realidade – desde as micros até as macros, nos diversos campos do saber e da sociedade - referenciado
em estruturas de valores, de conhecimentos e de processos elaborados, estruturados e significados pelos
mesmos que constituíram e mantêm o mundo que se pretende mudar.
Por isso, a discussão que acontece no âmbito do tema desenvolvimento reposiciona essa ideia – retirando
dos seus sentidos a linear e falaciosa associação positiva e generosa - e a aproxima da base conceitual
própria dos que querem manter o status quo de subordinação econômica, política e cultural da humanidade,
aos interesses da elite mundial, hoje representados pelos países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados
Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), pelo Mercado Comum Europeu, pela China e Rússia. O
desenvolvimentismo é apresentado como uma proposta inserida nos marcos do capitalismo, com a intenção
de preservá-lo, no momento histórico onde se fazia necessário um contraponto aos avanços materiais e
sociais promovidos pelo Sistema Socialista. Essa ‘inovação’ - coincidentemente, assim como a Defesa dos
Direitos Humanos pelos países centrais do Bloco Capitalista - perde força no pensamento hegemônico após
a superação da Guerra Fria, conforme análise de Boaventura de Sousa Santos. E o que advém é a essência
do capital, sem máscara nem maquiagem, caracterizada pelo rentismo, extrativismo, intolerância, belicismo
e abandono dos Estados de Direito e de Bem-Estar Social.
Neste cenário, nos intervalos dos recentes Governos Progressistas na América do Sul – período onde foi
realizada a pesquisa de campo utilizada - o que se observa é a dificuldade desses setores em promover, se
não o rompimento com as amarras estabelecidas internacionalmente, pelo menos um rearranjo institucional
e econômico, consistente, que apontasse para a desconstrução das iniquidades. Ou seja, na medida em
que não se obteve sucesso na constituição de novas matrizes econômicas e na reorganização conceitual
do Estado perdeu-se a oportunidade de estabelecer um novo patamar de possibilidades e disputa. Em que
pese as iniciativas de melhoria da qualidade de vida promovidas pelos Governos Progressistas, sente-se a
ausência de teorias políticas, econômicas e administrativas, de características regionais, amplidão
continental e articulações mundiais, que atualize a prática anti-colonial, anti-rentista, anti-extrativista e anti-
patriarcal.
Não é à toa que o Equador consegue avançar, com todas as divergências internas, na implementação de
um Estado Plurinacional e Intercultural, com referência na natureza, na democracia e no combate às
desigualdades. Por lá, é inegável a constituição de estrutura administrativa que favorece a gestão e o
controle social, portanto a cidadania ativa e a capacidade de reação da população. Por outro lado, Argentina,
Brasil e Chile encontram grandes resistências, e é bom que se registre, também da parte de setores
populares da sociedade, em alterar as bases competitivas, excludentes e racistas existentes. Como se pode
perceber nas entrevistas, a herança colonial, recentemente associada ao reforço extraordinário da ideologia
neoliberal e seus suportes, como o viés religioso, individualista e da teologia da prosperidade, conseguem
impor, nesses países, derrotas às organizações tradicionais - que operam na base da
cooperação/comunidade – e as filosofias mais recentes – que operam na base da
igualdade/fraternidade/liberdade - consolidando elitistas estruturas públicas e privadas, que fundem os seus
interesses e se tornam impermeáveis às necessidades da maioria da população e do planeta. Daí a
relevância de novos diálogos, como o realizado entre o Bem Viver e a Gestão Social, e o indicado, entre

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eles e as referidas alternativas sistêmicas propostas. Como as experiências recentes nos países
pesquisados reafirmaram, as vitórias eleitorais, sem alterações democráticas participativas nas estruturas
político-econômicas de poder, são fugazes.
A análise da aproximação entre o Bem Viver e a Gestão Social revelou uma positiva relação de coesão,
sinergia e complementaridade entre esses paradigmas. Destaca-se, nos pontos onde a identidade foi
considerada, a equivalência com (i) os ideais emancipatórios, em todos os níveis e circunstâncias; (ii) a
teoria crítica; (iii) a cidadania deliberativa; (iii) as teorias do sul; (iv) a compreensão das relações
sociedade/estado e trabalho/capital; (v) a democracia representativa, a democracia participativa e a meta
de uma democracia deliberativa; (vi) a crítica ao socialismo real e o neoliberalismo; (vii) a ideia de
comunidade enquanto ambiente de construção e consolidação de práticas emancipatórias.
Observou-se que esses conceitos se complementam quando são analisados enquanto teoria administrativa
– Gestão Social - e teoria política – Bem Viver. Evidentemente, ambos possuem caráter político e
administrativo, na medida em que são referências para a construção de sociedades e poderes públicos.
Entretanto, para efeito da analogia aqui desenvolvida, foi pinçada e realçada essa diferença, nas suas
origens. Diante disso, a relação entre eles aparece na percepção que fazem sobre disputa e consolidação
do poder. Enquanto um faz a abordagem sob a perspectiva do acesso do poder, o outro se caracteriza pela
ótica dos processos gerenciais resultantes.

REFERÊNCIAS
ACOSTA, A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Editora
Elefante, 2016. 264 p.
ALLEBRANDT, S. L.; RIBAS, T. M.; POLLETO, L. F.; MALAQUIAS, J. F. Controle Social do
Desenvolvimento Regional na Região do COREDE Missões (Rio Grande do Sul), na perspectiva dos
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