O triste retrato da violência infantil no brasil
DOI:
https://doi.org/10.9771/cmbio.v15i1.16648Palavras-chave:
Violência Infantil, BrasilResumo
Diferentemente das denominadas causas naturais, indicativas da degradação do organismo ou da saúde em razão de doenças ou do envelhecimento, as causas externas fazem referência a fatores que, independentemente das condições orgânicas, provocam lesões ou agravos à saúde, sendo responsáveis por sequelas e até pela morte de indivíduos. Essas causas externas englobam um conjunto de circunstâncias, classificadas de acordo com a intencionalidade da ação. Assim, aquilo que é casual, fortuito ou imprevisto é classificado como acidente, enquanto os atos premeditados e com o propósito de lesar ou até mesmo causar a morte da vítima, são classificados como “violência”.
Para a Organização Mundial da Saúde, referendada por outras instituições internacionais e nacionais, a violência é o uso de força física ou de poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, contra um indivíduo ou contra um grupo, que resultou ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. Nesse contexto, a violência estrutural, presente em maior ou menor grau em todas as sociedades desde os tempos mais remotos, tem sua origem na desigualdade social e suas consequências: má distribuição de renda, miséria, exploração dos trabalhadores, falta de condições mínimas para uma vida digna, além da falta de assistência em educação e saúde. Contudo, apesar de existirem políticas públicas com vistas ao enfrentamento de todas as formas de violência, elas nem sempre são priorizadas e acabam competindo com outras ações governamentais que, postas em prática de forma isolada, prejudicam a necessária parceria entre os órgãos gestores e a execução dessas ações com a imprescindível brevidade.
Ainda que consista em um fenômeno de proporção universal, a violência atinge mais severamente os grupos mais frágeis e indefesos da sociedade: a criança, a mulher e o idoso. Tratando-se particularmente da violência infantil, é fato a sua inserção nas agendas públicas dos governantes do mundo inteiro, entretanto, estudos atualizados reconhecem que esse destaque internacional ainda não é capaz de evitar a expansão desse problema, cada vez mais frequente, estando presente, embora com intensidade diversa, em todas as culturas, classes sociais, graus de escolaridade, níveis de renda e origens étnicas. Além dessa constatação, a literatura que trata dessa temática reconhece que as informações existentes não retratam a realidade e a magnitude do problema, devido a falhas verificadas nas fontes de informações existentes. Dessa forma, o perfil de morbimortalidade da violência infantil segue fragmentado, admitindo-se que apenas 10% a 20% dos casos que realmente acontecem chegam ao conhecimento das autoridades competentes, situação que favorece a ocultação desses eventos no interior de famílias, escolas, comunidades e serviços de saúde. Contudo, mesmo considerando a falta de integração entre as diferentes fontes de informação e a escassez de dados confiáveis, percebe-se que as modalidades de violência ocorridas no ambiente doméstico respondem por grande parte dos atos violentos que compõem as estatísticas do Brasil e do mundo. Desse modo, poder contar com informações de qualidade é imprescindível para a execução de estratégias e ações em defesa da criança, traduzidas pelo fortalecimento da rede de proteção e cuidado, com vistas ao monitoramento e ao controle desse fenômeno pelas autoridades, por meio das políticas públicas especialmente voltadas para os setores de Saúde e Segurança. Nesse intuito, é preciso contar com o comprometimento dos profissionais de saúde que prestam assistência às crianças vitimadas, no que diz respeito à notificação dos casos, bem como com a mobilização da sociedade civil para a prática da denúncia de casos suspeitos ou confirmados de violência contra crianças nas delegacias, contribuindo para a identificação do agressor e impedindo a reincidência de casos.
Acompanhando o panorama mundial, o cenário apresentado sobre a violência infantil no Brasil é igualmente preocupante, posto que, essa modalidade da violência tem, no lar da criança, o local preferido pelos agressores para molestar as suas vítimas, revelando que, para algumas crianças, o ambiente familiar é o mais inseguro que existe, contrariando o que o senso comum afirma.
Por outro lado, a maioria desses atos violentos é silenciada pela ingenuidade, medo ou vergonha por parte da criança vitimada, ou até mesmo pela cumplicidade daqueles que têm conhecimento da situação, mas preferem se acomodar, adotando uma postura conivente ou passiva diante da situação presenciada. Assim, em muitos episódios, não se pode contar com a ajuda da família da criança violentada e por se tratar de crimes previstos na legislação brasileira, a sociedade também tem sua parcela de responsabilidade na tomada de atitudes que possam transformar a realidade que se apresenta, notadamente pelas sequelas decorrentes das agressões sofridas, que vão desde ameaças verbais ou rubefação do local atingido a lesões de maior porte, comprometendo, às vezes de forma irreversível, a saúde física, mental e o bem-estar da criança, com a possibilidade de também provocar consequências desagradáveis para suas famílias.
Outrossim, atitudes violentas mais severas podem ocasionar o óbito da criança vitimada e o acesso a essas informações é possível por meio dos sistemas de registros de óbitos ou dados de mortalidade. De modo semelhante ao que acontece com a maioria das estatísticas relacionadas aos maus-tratos infantis, há uma escassez de informações relativas às ocorrências de óbitos de crianças em decorrência da violência. A literatura correlata admite haver subnotificação de dados sobre homicídios de crianças. Mesmo assim, em todo o mundo, estatísticas apontam que mais de 53 mil crianças morrem a cada ano vítimas de homicídios. Na maioria dos estados brasileiros o uso de armas de fogo é um importante fator motivador desses óbitos e o grupo de crianças menores de cinco anos apresenta a maior vulnerabilidade às agressões fatais, como resultado da dependência, vulnerabilidade e relativa invisibilidade social, aspectos habitualmente observados nessa faixa etária.
O quadro da violência perpetrada contra a criança mostra-se semelhante independentemente da região do país, no que tange à ausência de articulação entre as diversas fontes de coleta de dados dificultando o necessário detalhamento para a compreensão do problema e, consequentemente, emperrando a implementação de políticas públicas voltadas para a proteção da vida e da saúde das crianças, além da garantia dos demais direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
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